Homem de máscara no Rio de Janeiro (5 de abril de 2020): América Latina se prepara para a recessão mais profunda da história moderna (Fabio Teixeira/NurPhoto/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 10 de abril de 2020 às 08h02.
Última atualização em 10 de abril de 2020 às 08h02.
A economia da América Latina já estava em desaceleração quando o coronavírus surgiu. Agora, o continente corre risco de perder uma década inteira e ter de lidar com democracias ainda mais frágeis.
Como a maior parte do mundo, a região se prepara para a recessão mais profunda da história moderna. O Bank of America projeta que o PIB da região deve encolher 4,4% neste ano sob o impacto da propagação da doença.
Mas o que distingue a América Latina é que a renda já vinha caindo há anos, em parte devido aos preços mais baixos das commodities. Além disso, o aumento da dívida pública na região limita as ferramentas de estímulo disponíveis em países desenvolvidos. E proteger os empregos é muito mais difícil de qualquer maneira, porque mais da metade da força de trabalho da América Latina está na economia informal.
O resultado pode literalmente ser uma década perdida, de acordo com Alejandro Werner, diretor para o hemisfério ocidental do Fundo Monetário Internacional. Considerando a recessão e a velocidade potencial da recuperação, o PIB per capita na América Latina não mostrará crescimento até 2025 em comparação com os níveis de 2015, disse.
As previsões atualizadas do FMI que serão divulgadas na próxima semana devem indicar a recessão mais forte já registrada. Pode haver números piores de economias individuais em algum lugar dos livros de história, disse Werner, “mas você nunca teve um ano em que todos os países sofrem uma profunda retração”.
Se o padrão da América Latina se repetir, esse quadro deve resultar em mais problemas nas ruas e talvez até uma ameaça à democracia.
A região mais desigual e violenta do mundo foi abalada por protestos no ano passado, atingindo até países historicamente estáveis como o Chile. Economias em crise conduziram mudanças radicais à esquerda e à direita da política. E, se os líderes não conseguirem proteger cidadãos vulneráveis da pandemia, a confiança no sistema poderá se deteriorar ainda mais.
“Você corre o risco de ter uma epidemia, uma crise econômica, uma crise social e uma crise política, tudo ao mesmo tempo”, disse Monica de Bolle, integrante sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington.
Muitos países já sofrem alguma combinação dos fatores acima.
Argentina e Equador estão à beira do default da dívida. A economia da Venezuela entrou em colapso durante a hiperinflação anos atrás, provocando o êxodo de milhões de refugiados, alguns dos quais agora são obrigados a retornar devido à pandemia. O desemprego no Brasil se mantém acima de 10% pelo quarto ano seguido.
A violência é predominante: das 50 cidades globais com as maiores taxas de homicídios, a América Latina abriga 43 delas. A guerra às drogas no México elevou os assassinatos a níveis recordes no ano passado.
E o vírus atinge especialmente países que enfrentaram os maiores protestos no ano passado, como Chile e Equador. Neste último, que possui uma das maiores taxas de infecção per capita do continente, corpos são abandonados nas ruas.
O desafio de oferecer benefícios em dinheiro às famílias é exacerbado pelo tamanho da economia informal, que responde por cerca de 140 milhões de pessoas, ou mais da metade da força de trabalho, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento.
“A informalidade econômica, combinada com uma rede de segurança social muito reduzida, significa que isso será muito difícil”, disse Arturo Porzecanski, professor de economia da American University.