Dono de um restaurante conta notas de bolívares em Caracas, na Venezuela (Meridith Kohut/Bloomberg)
Da Redação
Publicado em 27 de abril de 2016 às 21h01.
A escassez épica na Venezuela não é algo novo nessa altura. Falta de fraldas ou peças do carro ou aspirina – tudo já foi bem documentado. Mas agora o país está em risco de ficar sem o próprio dinheiro.
Em um conto que destaca o caos da inflação desenfreada, a Venezuela está lutando para imprimir novas notas com rapidez suficiente para acompanhar o ritmo acelerado do aumento dos preços. A maior parte do dinheiro, como quase tudo no país exportador de petróleo, é importado. E com as reservas em divisas afundando a níveis perigosamente baixos, o banco central está pagando tão lentamente os fornecedores estrangeiros que está colocando em perigo os negócios.
A Venezuela, em outras palavras, está agora tão quebrada que pode não ter dinheiro suficiente para pagar pelo seu dinheiro.
Este artigo baseia-se em entrevistas com alguns executivos da indústria, diplomatas e ex-funcionários, bem como documentos internos de empresas e do banco central. Todas as empresas se recusaram a comentar; o banco central não respondeu aos inúmeros pedidos de entrevistas e comentários.
Bancos lotados
A história começou no ano passado, quando o governo do presidente Nicolás Maduro tentou abafar um crescente déficit da moeda. Pedidos de vários milhões de dólares foram feitos com uma série de fabricantes de notas antes das eleições e dos feriados de dezembro, quando os venezuelanos lotam bancos para descontar seus bônus.
Em um ponto, em vez de um processo de licitação pública, o banco central convocou uma reunião de emergência e pediu que as empresas produzissem o máximo de notas possível. As empresas concordaram, mas depois descobriram que os pagamentos não estão sendo feitos.
No mês passado, De La Rue, maior fabricante de moeda do mundo, enviou uma carta ao banco central reclamando que havia uma dívida de US$ 71 milhões e que informaria seus acionistas se o dinheiro não fosse pago. A carta vazou a um site de notícias venezuelana e foi confirmada pela Bloomberg News.
A inflação mais alta do mundo
A atual crise cambial lança luz sobre a magnitude dos problemas financeiros do país e sua capacidade limitada de remediá-los com o petróleo – o pilar de sua economia. Espera-se que a inflação da Venezuela, a mais alta do mundo, chegue este ano perto dos 500 por cento, de acordo com o Fundo Monetário Internacional.
Os primeiros sinais de escassez de moeda apareceram em 2014, quando o governo começou a aumentar as transferências de notas aos bancos porque já era preciso grande quantidade para transações simples. Os venezuelanos passam horas esperando em filas por bens de consumo básicos, em bancos e caixas eletrônicos, muitas vezes carregando a retirada em mochilas e bolsas de academias de ginástica para pagar por um jantar.
Antes das eleições do Congresso de 2015, o banco central pediu que De La Rue, do Reino Unido, Oberthur Fiduciaire, da França, e a alemã Giesecke & Devrient trouxessem cerca de 2,6 bilhões de notas, de acordo com documentos bancários e fontes familiarizadas com os acordos. Antes da entrega ter sido feita, o banco pediu mais para as empresas.
De La Rue ficou com a parte do pedido de 3 bilhões de notas e contratou a Canadian Bank Note Company, de Ottawa, para garantir que poderia cumprir o prazo apertado de fim de ano.
Território desconhecido
Já em 2013, o banco central encomendou estudos para notas de 200 e 500 bolívares, disseram ex-funcionários. Apesar das muitas garantias, nenhuma nova denominação foi encomendada, empurrando a Venezuela para territórios desconhecidos por sua recusa em produzir notas maiores, enquanto não paga totalmente os fornecedores.
As empresas estão se afastando. Com seus parceiros tradicionais agora sem entusiasmo para assumir novos negócios, o banco central está em negociação com outras, incluindo Goznack, da Rússia, e tem um contrato com Crane Currency de Boston, de acordo com documentos e fontes da indústria.
Steve Hanke, professor de economia aplicada na Universidade Johns Hopkins, que estudou a hiperinflação por décadas, diz que para manter a fé na moeda quando os preços sobem, os governos muitas vezes adicionam zeros às notas em vez de inundar o mercado.
“É um sinal muito ruim ver as pessoas correndo por aí com carrinhos de mão cheios de dinheiro para comprar um cachorro-quente”, disse ele. “Mesmo a economia de dinheiro começa a quebrar”.