Armínio: Fraga acreditava que a independência do Banco Central poderia avançar, mas isso já foi desmentido pela realidade (Germano Lüders/Exame)
Agência O Globo
Publicado em 21 de janeiro de 2021 às 17h23.
Um país mais arrumado não retiraria o auxílio emergencial de uma vez. A avaliação é do ex-presidente do Banco Central e fundador da Gávea Investimentos, Armínio Fraga, que participou de evento virtual da agência de classificação de risco Fitch, para discutir a situação e a perspectiva econômica do Brasil e de outros países da América Latina.
Para Fraga, a falta de espaço fiscal e de credibilidade do Brasil, entretanto, criam um constrangimento para que seja reintroduzido o estado de calamidade (que permitiu ao governo aumentar gastos) novamente agora em 2021 por causa da pandemia.
"É como se fosse uma cortisona. Deu uma dose enorme, talvez até exagerada. Eu vejo o mundo político sensível a isso, como não podia deixar de ser. Por outro lado, vejo os economistas, analistas e o próprio mercado dando sinal na direção oposta. Minha expectativa é que o governo vai ser reativo. Se os problemas se mostrarem mais graves, talvez até aprove alguma coisa", disse Fraga.
Fraga vê um quadro de vitória da ciência contra o vírus da covid-19, se o Brasil se organizar para a vacinação, mas observa que do ponto da economia o quadro é de incerteza. Para ele, a falta de entusiasmo das autoridades com relação ao que precisa ser feito é um fator que nos prejudica.
"Num passado recente, existiam expectativas, ainda que modestas, como a aprovação da PEC Emergencial, que desse um pouco de apoio e ancorasse o lado fiscal. Mas não aconteceu. Entramos em 2021 pensando nas eleições do Congresso. O quadro fiscal é frágil e, a meu ver, muito prejudicial para a confiança de investimento. Vejo um ano difícil, não consigo ter uma visão positiva", afirmou ele, que disse que as ameças à construção de 'algo mais robusto' para o país são constantes.
Quando avalia que o governo será reativo, Armínio explicou que quer dizer que 'só vai agir´ por medo'. Para ele, o governo se conectou a um 'centrão' que é exigente do ponto de vista de recursos.
Armínio Fraga acreditava que a independência do Banco Central poderia avançar, mas isso já foi desmentido pela realidade, disse. Também vê pouco espaço para uma reforma administrativa, porque a proposta não tem 'apoio do topo'. Em relação à reforma tributária, Fraga acredita que se dê um passo na criação de um IVA federal, que agregue impostos como o PIS/Cofins.
"Infelizmente não sobra muito o que fazer. Além das reformas que não andam, vejo o reforço fiscal muito prejudicado. A criação de oportunidades no país, a chamada mobilidade social, uma agenda que é necessária num país com tanta desigualdade, parece ter sido abandonada. E o auxílio emergencial não pode ser enxergado como uma resposta a esse desafio. Ele foi uma resposta à crise. Falta uma agenda de mobilidade social mais completa", afirmou.
Para ele, a saída da Ford do país foi uma espécie de chamado para o governo "acordar". Mas ele observa que o Brasil entrou 'torto' na história das montadoras. Ele lembra que esta foi uma indústria que surgiu nos anos 50 com o viés desenvolvimentista, de substituição das importações, uso das melhores tecnologias. Mas que não deu certo. Depois, vieram os subsídios massivos, que não deram em nada.
"A saída da Ford é um sinal ruim, mas vem de muito tempo", acrescentou.
Sobre o endividamento público, Fraga disse que a correção da trajetória de alta não parece das mais positivas. Ele lembrou que a dívida tende a se encurtar e isso traz um risco elevado para um país exposto a esse cenário. O fundador da Gávea lembrou que costuma se comparar o Brasil a países com endividamento maiores do que o nosso.
"Quando se olha para os EUA, por exemplo, eles têm uma história melhor do que a nossa. O governo americano toma dívida de dez anos atualmente pagando uma taxa negativa de 1% ao ano. Aqui, nosso título de dez anos tem juros de cerca de 3,5%", observou.
Fraga vê com bons olhos a saída de Trump, já que o ex-presidente americano estava levando a maior economia do mundo a um caminho complicado.
"O mundo precisa dos EUA engajado com as causas globais, multilaterais. E ele (Trump) era inspiração para muitas maluquices mundo afora. A saída de Trump ajuda a conjuntura internacional", disse.