Timur Kuran, economista turco-americano que dá aula na Duke University (Divulgação)
João Pedro Caleiro
Publicado em 25 de julho de 2016 às 16h52.
São Paulo - Para o economista turco-americano Timur Kuran, a Turquia já não era uma democracia mesmo antes da tentativa de golpe fracassada no último dia 15 (entenda).
Kuran nasceu em Nova York mas passou infância e juventude na Turquia e depois se formou em Princeton e Stanford, Hoje, dá aula na Duke University, na Carolina do Norte, nos Estados Unidos, e tem postado bastante sobre a crise turca em sua conta no Twitter.
Ele diz que "metade do país ama e metade odeia" o presidente Tayyip Erdogan, que reagiu com um expurgo generalizado nas instituições do país após ter seu poder desafiado.
Em seu último livro ("A Longa Divergência", de 2011), o professor investiga a perda de dinamismo do Oriente Médio para a Europa no último milênio e pergunta se o Islã seria incompatível com o capitalismo moderno (spoiler: não é).
Veja a entrevista a seguir:
EXAME.com - O Brasil é um bom exemplo de como crises econômicas e políticas se retroalimentam. Mas a Turquia ainda cresce a uma taxa sólida para padrões de países emergentes. O golpe teve alguma coisa a ver com economia?
Timur Kuran - A Turquia vai melhor economicamente do que a maior parte dos países europeus, mas sua taxa de crescimento caiu comparada a alguns anos atrás, e ela se beneficia de estar em uma vizinhança problemática: Rússia e Ucrânia no norte, Bulgária e Grécia no oeste, Iraque e Síria no sul.
Como a Turquia era relativamente estável e até agora mais ou menos bem gerida, o capital desses países complicados acabou fluindo para ela.
O crescimento econômico não foi um importante fator para o golpe fracassado. No entanto, a distribuição dos benefícios do crescimento tem sim a ver com o descontentamento crescente em certos círculos.
Os contratos do Estado tem ido cada vez mais para o grupo próximo de Erdogan, cujos membros estão ficando enormemente ricos. Nos primeiros 8 a 10 anos de sua liderança, havia menos corrupção e os beneficiários eram mais numerosos.
EXAME.com - Como você avalia o histórico econômico de Erdogan?
Kuran - Muito bom de início. Quando ele chegou ao poder em 2002 ele decidiu deliberadamente se ater às reformas da coalizão do regime anterior. Colocou pessoas preparadas nas posições chave, permitiu ao Banco Central operar de forma independente e o clima de negócios melhorou.
Mas nos últimos anos, a lealdade ao invés da competência se tornou o critério principal para nomeações governamentais, e está ficando mais difícil ter sucesso nos negócios sem subornar o círculo mais próximo.
A economia sofreu com isso, e o futuro parece sombrio se não houver uma mudança na atitude.
EXAME.com - Após o golpe fracassado, podemos esperar efeitos negativos no investimento ou em setores como turismo?
Kuran - O turismo já levou um grande tombo. Os hotéis já estavam com lotação pela metade mesmo antes da tentativa de golpe, e agora que o páis foi exposto como politicamente instável e perigoso, o número de turistas deve cair ainda mais.
O investimento de longo prazo também será afetado. Companhias que haviam estabelecido lá suas sedes regionais devem reconsiderar e ver que a Grécia talvez não pareça tão mal assim, ou irão ainda mais longe, para Dubai ou a Itália.
EXAME.com - O que você acha do rumor de que Erdogan sabia do golpe e permitiu que ele acontecesse justamente para concentrar mais poder?
Kuran - Nós já sabemos que seus associados próximos souberam do golpe cerca de 10 horas antes do inícío esperado. E precisamente por isso, os líderes entraram em pânico e começaram o golpe enquanto as ruas ainda estavam tomadas de pessoas. Mas parece improvável que Erdogan soubesse do plano semanas ou meses antes, como alguns sugerem.
Sim, Erdogan e seus associados certamente sabiam desde sempre que havia um grande descontentamento entre os militares e o resto da sociedade.
É justamente isso que acontece em uma sociedade tão altamente polarizada como a turca. Metade da população ama o presidente e metade o despreza. E ele promove essa polarização ao provocar, insultar e ameaçar seus oponentes diariamente.
E precisamente porque Erdogan e seus associados sabiam da possibilidade de motim, estavam preparados para ela. Reagiram de forma calma na televisão, mobilizaram seus seguidores e prepararam uma lista de pessoas para prender ou demitir. Na verdade, não perderam nenhum tempo antes de começar os expurgos em todo o país.
EXAME.com - Qual é a importância da questão dos refugiados no que está acontecendo? E do terrorismo?
Kuran - A crise dos refugiados sírios gerou muita raiva e ressentimento. Os oponentes do AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento, do presidente Erdogan) veem isso como evidência de um erro terrível de administração (porque a Turquia apoiou a rebelião contra Assad) e de oportunismo político (porque espera-se que os refugiados, quando receberem cidadania, votem em massa por Erdogan).
O terrorismo prejudicou a economia, e os oponentes do AKP colocam isso parcialmente na conta de Erdogan por ter suspendido as conversas com os curdos.
Então tanto o terrorismo quanto a crise dos refugiados aumentaram o nível de perturbação, e sem dúvida isso fez com que os conspiradores ficassem confiantes de seu sucesso.
Se o golpe tivesse permanecido um segredo até seu horário de início planejado (3h da manhã), esses fatores poderiam ter feito com que mais pessoas o dessem boas-vindas.
EXAME.com - Quais são as perspectivas para a democracia na Turquia depois disso?
Kuran - A democracia é um sistema de pesos e balanços que permite a uma maioria governar nos limites da lei. A lei protege os direitos das minorias e a lei é aplicada pelo sistema de pesos e balanços.
Mesmo antes do golpe a Turquia já não era uma democracia, porque Erdogan ignorou a Constituição e controlou os três poderes. Ele estava expulsando juízes, jogando jornalistas dissidentes na cadeia sem hesitar. A Turquia se tornara uma ditadura eleitoral e Erdogan um ditador com metade do eleitorado na mão.
Desde o golpe fracassado, o Estado de direito foi suspenso oficialmente. Não há mais nada que impeça o regime do AKP de prender quem quiser e o deixar preso indefinidamente. As pessoas estão com medo de falar abertamente.
EXAME.com - Você acha que existe algum tipo de conflito entre a religiosidade islâmica e aspectos do desenvolvimento econômico moderno?
Kuran - Essa é uma questão enorme que eu só posso tocar a superfície, mas digamos que o Islã per se não é prejudicial ao desenvolvimento. Mas certas interpretações da religião causam dano ao impedir que as pessoas pensem direito e selecionem políticas do seu interesse econômico.
Tensões baseadas em sectarismo, como os conflitos entre xiitas e sunitas, também prejudicam a atividade econômica ao afastar o capital. E a lei islâmica, a sharia, faz o mesmo ao bloquear a emergência de instituições econômicas endogenamente.