EXAME.com (EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 28 de abril de 2016 às 07h00.
São Paulo - "Donald Trump não tem uma teoria coerente que vá além de assustar as pessoas em relação à China - e de forma efetiva, o que é muito perigoso."
A opinião é do economista Russ Roberts, ex-professor na George Mason University, pesquisador em Stanford e anfitrião do popular podcast semanal EconTalk, onde conversa com grandes economistas para um público de não-economistas.
Apesar de se considerar um otimista, ele confessa que a ascensão de Bernie Sanders pelo Partido Democrata e de Trump pelo Partido Republicano o fizeram questionar a força do sistema político americano.
Além de fazer uma defesa contundente da legalização das drogas, Roberts falou com EXAME.com sobre ideologia na disciplina econômica, eleição presidencial americana, imigração e incertezas no cenário global.
Veja os principais trechos da entrevista:
EXAME.com – Você está confortável com o rótulo “libertário” que costumam associar a você?
Russ Roberts – Mais ou menos. Prefiro “liberal clássico”: quero que o governo faça menos na economia do que hoje, mas não sou um anarquista.
Entendo que os mercados funcionam em um ambiente cultural e institucional e que impostos são importantes, mas meu instinto prefere mais escolhas voluntárias, com mudança e soluções que venham de baixo para cima e não de cima para baixo.
Quando era jovem, odiava quando colocavam um rótulo na frente dos economistas, mas ao envelhecer percebi que quase todos trazem bagagens ideológicas e filosóficas e é importante ser claro em relação a isso.
Não significa desprezar a visão de alguém com base nisso, e sim entender que a economia não é tão científica como gostamos de pensar.
EXAME.com – Você acha que desde a crise financeira o debate se tornou mais ideológico?
Roberts – Não acho que os manuais mudaram tanto, o que é compreensível. Certos conceitos seguem tão válidos como há 20, 50 ou 100 anos.
O problema é que estamos lidando com um fenômeno complexo como a Economia, resultado de muitas forças. É difícil achar dados empíricos do que causa o que, então a forma que ensinamos isso é, por sua natureza, aberta.
Não acho que exista um consenso entre os economistas sobre as lições que deveríamos ter aprendido de 2008, e isso sim é ideológico. Os intervencionistas concluem que a desregulação causou a crise enquanto os não-intervencionistas dizem que tivemos muita intervenção.
Economistas renomados que não previram nem a crise nem a recuperação continuam dizendo que seus modelos estavam certos.
EXAME.com – Há um temor de que o arsenal dos bancos centrais para lutar contra novas crises tenha acabado, o que leva a medidas heterodoxas como as taxas de juros negativas. O que você acha?
Roberts – Temos duas ferramentas para combater crises: política monetária e fiscal - e parece que estamos no limite das duas. Vários países tem situações ruins de déficit e dívida, e as taxas de juros estão ou muito baixas, ou negativas.
Usamos nossas armas em 2008 e teoricamente estabelecemos um caminho saudável. Mas se o remédio funciona, tiramos o remédio, né? E agora parece que estamos com risco de overdose.
Para ser honesto, não entendo o que está acontecendo e não acho que a maioria das pessoas entenda. E isso só fica mais difícil pelo fato de que todos os atores tem que fingir que está tudo bem. Mesmo se estiverem preocupados, não podem dizer. É um período muito fluido na política intervencionista fiscal e monetária.
EXAME.com – Você acha que isso é fruto de fenômenos novos, como a inovação tecnológica ou o envelhecimento da população?
Roberts – Boa pergunta. Pense em outra uma coisa: o quão estáveis são as grandes democracias? Elas parecem que são, nos EUA e Europa, pelo menos. América Latina e África, menos. Mas não sabemos se isso é verdade.
Teremos cada vez mais gente velha vivendo cada vez mais e governos que prometeram cuidar de suas necessidades, econômicas e de saúde. Mas essa promessa talvez não seja cumprida. Pensamos que vamos dar um jeito, como antes, mas será igual dessa vez?
Vejo nos EUA um sistema político forte – ou achava que era, até esse ano. Podemos nomear um socialista, em um extremo, e um homem de negócios incompetente, um valentão que parece não conhecer ou não respeitar a Constituição, em outro. Agora vale tudo.
Um otimista poderia mencionar outras forças, como o Congresso ou a Suprema Corte, mas será que eles teriam sucesso em responder a um eleitorado que coloca uma pessoa assim lá em cima?
EXAME.com – Tanto Trump quanto Sanders tem um discurso anti-globalização e anti-livre comércio. O apoio do público americano a esse tipo de política foi revertido?
Roberts – A ascensão de Sanders e Trump está explorando o sentimento poderoso que algo está errado com o sistema. A questão é: o que? Há o que as pessoas acham que está errado e há o que de fato pode estar errado – não precisa ser a mesma coisa.
Sanders diz que o 1% mais rico está levando todos os benefícios. Acho que é uma leitura errada dos dados, mas a maior parte das pessoas acredita, então não importa.
Trump diz: “o pobre e o americano médio está sendo destruído pela China!”. Não é verdade! O americano médio está se beneficiando do nosso comércio com a China, mas muita gente que ouve isso começa a achar que é verdade.
Não seria realista esperar que o eleitor médio seja bem informado sobre comércio internacional, mas você esperaria isso de um candidato.
Acho que o Trump nem entende o que é um déficit comercial, ele acha que você pode usá-lo para financiar gastos do governo. Ele não tem uma teoria coerente que vá além de assustar as pessoas em relação à China - e de forma efetiva, o que é muito perigoso.
Há alguma verdade no sentimento de que o sistema não é equilibrado. Eu sou um bom exemplo. O salário dos economistas aumentou porque existe demanda dos setores financeiro e o setor acadêmico precisa pagar mais para poder competir. E as universidades também recebem subsídios do governo. Eu me beneficio disso, e não é justo!
EXAME.com – Isso não está relacionado com a ideia de que se a globalização fosse para valer e não só para as elites, veríamos mais regulação de paraísos fiscais e mais imigração, por exemplo?
Roberts – Acho que fronteiras muito mais abertas do que temos hoje, nos EUA, seria algo bom para a maioria dos americanos. Não todos, claro: alguns achariam difícil competir com trabalhadores de baixa qualificação, mas para isso precisamos de um sistema de educação melhor.
As pessoas também se preocupam que os imigrantes seriam sustentados pelo resto da população através de benefícios - mas então vamos dificultar a concessão de benefícios para eles.
Se você se preocupa com a cultura americana, vamos obrigar as pessoas a aprender inglês e jurar pela Constituição e seus princípios. Mas deixar eles de fora é terrível.
Quase todos hoje são imigrantes ou filhos de imigrantes, e ao contrário da Europa, os EUA tem uma cultura forte de assimilação. Desde o século XIX dizem que tal grupo é diferente dos anteriores ou nunca vai virar americano, etc. São medos ruins para se render.
Muitos judeus como eu morreram na Alemanha nazista porque os americanos tinham medo de nós, e gostaria que tivessem sido mais corajosos. Entendo não gostar de quem não parece com você, mas esse é um traço de personalidade ruim que deveríamos superar.
EXAME.com – Muitos economistas pensam só na parte econômica da coisa, mas não é como as pessoas pensam.
Roberts – E nem deveriam. Economistas são ingênuos – ou pior, arrogantes, acham que entendem todas as variáveis. As pessoas que tiram sarro deles por ignorarem todo o resto estão certas.