Economia

Trump brasileiro vem aí, diz economista do time do candidato

Em entrevista exclusiva para EXAME.com, único acadêmico no time econômico de Trump defende propostas do candidato, ataca China e faz paralelos com o Brasil

Candidato republicano à presidência, Donald Trump, dia 21/07/2016 (John Moore/Getty Images)

Candidato republicano à presidência, Donald Trump, dia 21/07/2016 (John Moore/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de agosto de 2016 às 16h44.

São Paulo - "Nos anos que vêm por aí, espere ver um Donald Trump brasileiro emergir politicamente", diz Peter Navarro, professor da Universidade da Califórnia em Irvine.

Ele é o único acadêmico na equipe econômica do candidato republicano, dominada por bilionários, doadores de campanha e nomes de Wall Street.

Navarro tem um PhD em Harvard e já concorreu em eleições como democrata, mas chamou a atenção de Trump com livros e um documentário culpando a China pelo declínio do setor manufatureiro americano (assista no final da matéria).

O republicano defende a aplicação de uma tarifa de 45% sobre as exportações chinesas caso o país continue "estuprando" os EUA com o que considera práticas injustas e ilegais (espantando boa parte dos economistas).

Essa e outras ideias voltaram ao foco após o primeiro grande discurso sobre economia de Trump, feito na última segunda-feira no Clube Econômico de Detroit.

Ele prometeu "a maior revolução fiscal no país desde Ronald Reagan", com corte de impostos corporativos e de herança, uma nova tabela de imposto de renda e moratória em novas regulações.

Trump também promete renegociar o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA) e rejeitar o Tratado Transpacífico (TPP), quebrando com a tradição republicana de defesa do livre comércio.

A iniciativa surge após queda forte nas pesquisas e episódios inconcebíeis em campanhas anteriores, como a crítica pública aos pais de um soldado americano muçulmano morto em combate. 

Por e-mail, Navarro respondeu a algumas perguntas de EXAME.com sobre os planos de Trump para impostos, imigração e comércio internacional. Veja a seguir:

EXAME.com -  A tese de que fechar brechas tributárias não especificadas e fazer grandes cortes de impostos é uma estratégia que acaba se pagando através de mais crescimento é refutada pela experiência histórica recente dos Estados Unidos. Por que seria diferente agora, com o plano de Trump?

Peter Navarro - O plano de Trump está focado em quatro áreas de reforma de política pública: impostos, comércio, energia e regulação.

Este pacote de reformas está desenhado para dobrar a taxa de crescimento do PIB americano, trazendo ela de volta para o padrão histórico e assim gerando milhões de empregos e trilhões de dólares em receitas adicionais de impostos, mais do que suficientes para compensar quaisquer cortes.

O crescimento projetado NÃO é resultado apenas dos cortes de impostos e sim de todo um pacote de crescimento, do qual o comércio é um componente chave.

EXAME.com - Mas você não concorda que uma tarifa extra de 45% sobre exportações chinesas, caso eles não se curvem às demandas americanas em relação a práticas injustas, teria algumas consequências negativas? Penso em guerras cambiais e comerciais, preços mais altos para as empresas e consumidores americanos e punição pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

Navarro - A China está inundando os mercados americanos com seus produtos ilegalmente subsidiados e fechando fábricas americanas da mesma forma que está colocando trabalhadores industriais brasileiros na fila do desemprego enquanto trata o Brasil como uma colônia chinesa, extraindo seus recursos por preços baratos e prejudicando o meio ambiente brasileiro.

Esse tipo de status quo é muito pior do que uma China forçada a comercializar de forma justa por padrões internacionais. A ameaça de tarifas está desenhada para encorajar a China a ser um ator responsável ao invés de mercantilista.

EXAME.com - Você acredita que déficits comerciais são ruins em todos os casos? Algumas das declarações de Trump sugerem que ele acha possível usar superávits comerciais para financiar gastos do governo.

Navarro - O crescimento do PIB é resultado de quatro coisas: consumo, gasto do governo, investimento feito pelos negócios e "exportações líquidas", ou seja, exportações menos importações.

Quando os Estados Unidos sustentam déficits comerciais enormes por causa das práticas injustas de comércio de países como a China, isso subtrai diretamente do crescimento do PIB.

O Brasil enfrenta agora o mesmo problema com a China, na medida em que ela tirou várias fábricas brasileiras do mercado e o Brasil começou a ter déficits comerciais enquanto sua economista entrava em estagnação e suas pessoas sofriam. Junte os pontos, por favor.

EXAME.com - Mas e os efeitos positivos do crescimento chinês, como a redução dramática na pobreza mundial e a criação de milhões de novos consumidores para os produtos americanos?

Navarro - Os brasileiros querem tirar os cidadãos chineses da pobreza indo para a fila do desemprego? Qual é a vantagem de milhões de novos consumidores chineses quando a China levanta a Grande Muralha do Protecionismo e não permite que bens dos EUA e do Brasil entrem livremente nos mercados chineses?

EXAME.com - Você acredita que é possível manter algum nível de livre comércio e ao mesmo tempo trazer de volta para os Estados Unidos os empregos de manufatura, isso em uma época da automação e crescente divisão internacional do trabalho? O que seria necessário para isso? Esses empregos não acabariam indo para outros lugares - digamos, Vietnã ou Bangladesh?

Navarro - Claro que a tecnologia e os aumentos da produtividade relacionados a ela afetam os mercados de trabalho, mas os efeitos negativos do comércio são um fator muito maior. 

Nesse momento os consumidores americanos estão financiando uma economia chinesa que usa dólares americanos para construir navios de guerra e aviões para desafiar os EUA.

Quaisquer empregos que fossem transferidos da China para Vietnã ou Bangladesh ajudariam esses dois países, que da última vez que eu olhei não estavam posicionando suas nações para entrar em conflito militar com a América.

EXAME.com - Você diria que o Brexit e a ascensão das ideias de Trump para o mainstream econômico americano são sinais de desglobalização? Você considera isso positivo para a economia global?

Navarro - O Brexit aconteceu porque a zona do euro insiste no livre movimento da força de trabalho nos países membros e a Inglaterra foi inundada de trabalhadores baratos de lugares como o Leste Europeu, criando grandes bolsões de desespero nas classes trabalhadoras britânicas. Acordos comerciais com esse tipo de efeito estão fadados a criar uma reação política forte.

O comércio é um componente chave da prosperidade, e Trump é um livre comerciante, mas ele insiste que o comércio precisa ser justo. Os brasileiros sabem muito bem de como a China trapaceia, despeja seus produtos abaixo do custo nos mercados mundiais e tira os empregos das pessoas.

EXAME.com - A deportação em massa e o muro com o México, prometidos por Trump, demandariam um esforço gigantesco e permanente. O American Action Forum calcula perdas significativas pela redução da força de trabalho e o próprio Trump já usou no passado trabalhadores estrangeiros, o que é comum em setores como construção e turismo. Você ou a campanha já calcularam todos esses efeitos e mesmo assim concluíram que isso seria positivo no balanço para a economia americana?

Navarro - Isso é o que chamamos de "pergunta carregada" (loaded question) na América e como seus leitores podem perceber, todo o tom das suas perguntas é hostil.

Dito isso, nenhuma nação pode existir sem controlar suas fronteiras. Isso precisa ser feito por razões econômicas e de segurança nacional.

Na América, o pior grupo de cidadãos afetados pela imigração ilegal são afro-americanos, onde as taxas de desemprego são altas e ultrapassam qualquer limite entre os jovens. Isso alimenta o desespero, o crime e o flagelo nas áreas urbanas da América, nossa versão das favelas.

Controlar nossas fronteiras terá um saldo positivo para a América. Não há nenhuma questão em relação a isso.

EXAME.com - Você foi chamado para assumir algum posto em uma hipotética presidência de Trump? Aceitaria?

Navarro - Eu trabalho de forma pro bono ("em benefício do público") para a campanha, pelo bem do país e do mundo. A missão é a vitória em novembro.

EXAME.com - Como você avalia a relação dos EUA com a América Latina e o Brasil na última década e o que você gostaria de ver de diferente, considerando que o Brasil luta para emergir de uma recessão profunda?

Navarro - Relações excelentes com a América Latina são uma parte crítica da segurança nacional e econômica da América, e o Brasil é uma parte grande disso.

Minha avaliação da situação brasileira é a seguinte: a China bombou no começo desse século porque explorou mercados mundiais com suas práticas injustas de comércio.

O Brasil bombou junto com a China mas foi extremamente negligente na hora de negociar uma relação de respeito e igualdade com ela.

De fato, o Brasil tem vendido recursos como minério de ferro e soja enquanto permite que a China penetre seus mercados e enfraqueça o setor manufatureiro brasileiro. Agora que a China está mais fraca e já não compra a mesma quantidade de commodities de vocês, o Brasil não tem mais uma base manufatureira forte para se apoiar.

Em outras palavras: o Brasil fez o mesmo tipo de erros que a América fez com uma China mercantilista e colonialista, e agora o mundo está pagando o preço.

Nos anos que vem por aí, espere ver um Donald Trump brasileiro emergir politicamente para apontar que a melhor forma para o Brasil prosperar é restaurando sua base manufatureira pela negociação de ótimos acordos comerciais para o Brasil, e não entregando o resto da loja para a China.

Veja o documentário de Navarro sobre a China:

yt thumbnail
Acompanhe tudo sobre:ÁsiaBalança comercialCelebridadesChinaComércioComércio exteriorCrescimento econômicoDesenvolvimento econômicoDonald TrumpEleições americanasEmpresáriosEstados Unidos (EUA)ExportaçõesPaíses ricosPartido Republicano (EUA)

Mais de Economia

BNDES vai repassar R$ 25 bilhões ao Tesouro para contribuir com meta fiscal

Eleição de Trump elevou custo financeiro para países emergentes, afirma Galípolo

Estímulo da China impulsiona consumo doméstico antes do 'choque tarifário' prometido por Trump

'Quanto mais demorar o ajuste fiscal, maior é o choque', diz Campos Neto