TREBAT: "o Brasil vai ficar sujeito a esse voo de galinha, de altos e baixos em torno da linha de 3%, até que se façam as reformas e os investimentos estruturais" (foto/Divulgação)
Flávia Furlan
Publicado em 4 de dezembro de 2017 às 19h29.
O economista americano Thomas Trebat acompanha a economia brasileira há mais de quatro décadas. Neste momento, ele acredita que o Brasil entrou numa recuperação cíclica, mas que o atraso na infraestrutura vai impedir que o crescimento acelere. “É hora de pagar o pato pela falta de investimentos.”
De acordo com o economista, faltam uma visão de longo prazo e um consenso sobre as prioridades para a infraestrutura, e o país fica rendido aos resultados das eleições. “Quem dera que em 2018 saísse vencedor um candidato esclarecido e capaz de construir um consenso. Por enquanto, é mais provável que não.”
Trebat esteve envolvido nas negociações da dívida externa dos países da América Latina nos anos 1980 e trabalhou na equipe de análises de mercados emergentes do banco americano Citigroup na década de 1990. Desde 2005, ele está na Universidade de Columbia, onde é diretor de um centro global na cidade do Rio de Janeiro. Nesta terça-feira 5 ele será palestrante num evento promovido pelo projeto infra2038, que surgiu neste ano no encontro anual de líderes da Fundação Lemann e que reúne profissionais voluntários que têm a meta de colocar o Brasil, até 2038, entre os 20 melhores países no quesito infraestrutura do ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial (um avanço de 53 posições a partir de 2017).
Quais os fatores que levaram ao atraso da infraestrutura no Brasil?
O atraso é grande na infraestrutura física e digital – esta última é a base da economia do século 21. Há três motivos para isso. O primeiro é uma queda do investimento público para 1,5% do produto interno bruto, um nível que mal repõe a infraestrutura que fica desatualizada a cada ano. O segundo fator é que o Brasil que brilhava para o mundo já não brilha tanto e o país perde espaço na corrida do investimento privado para os países asiáticos, que crescem muito mais. O terceiro fator está relacionado com as políticas públicas. Há a falta de um modelo sustentável de parcerias entre os setores público e privado, mudanças repentinas da regra de regulação e um péssimo ambiente de negócios. Esses são fatores longamente ignorados e é hora de pagar o pato por isso.
Como isso impacta a retomada da economia?
Estamos diante de uma recuperação cíclica, após cinco anos de recessão. Esse tipo de retomada ocorre quando o produto interno bruto varia em torno de seu crescimento de longo prazo, que está próximo de 3% ao ano. Mas é bom frisar: ao meu modo de ver, não temos uma mudança de rumo ainda, com uma aceleração desse patamar de crescimento, devido à presença de vários desafios e entraves. Não quero jogar um balde de água fria, estou satisfeito com esse momento, mas o Brasil vai ficar sujeito a esse voo de galinha, de altos e baixos em torno da linha de 3%, até que se façam as reformas e os investimentos estruturais. Sem isso, a recuperação não ganha força — e a linha do PIB de longo prazo não fica em 6% ao ano, onde deveria estar.
Qual a saída para resolver o problema de infraestrutura?
Falta uma visão de longo prazo. Sabe o que é o longo prazo para os brasileiros? As eleições de 2018. Elas poderão resultar num candidato muito pró-mercado ou não. Dessa forma, como esperar que o problema da infraestrutura será resolvido? Não vai. Quem me dera que em 2018 saísse vencedor um candidato esclarecido e capaz de construir um consenso. Por enquanto, é mais provável que não, e o Brasil fica nesse voo de galinha, longe do radar dos grandes investimentos na área tecnológica, perdendo terreno na corrida global para uma economia global do século 21.
O governo Temer lançou o Programa de Parcerias e Investimentos. Qual a sua opinião a respeito desse projeto?
Se você olhar o desenvolvimento da infraestrutura brasileira dos últimos 20 anos, ela passou da época do forte comando do Estado pelas grandes empresas estatais, pelas privatizações nos anos 90 e depois voltamos na era Lula e Dilma para um comando público novamente, quando o modelo regulatório ficou mais complexo. O PPI não é nenhuma novidade e veio tardiamente. E até agora os resultados não são bons. Os motivos que basicamente explicam isso são a instabilidade política de regulação, as ideologias e a falta de prioridades.
Como blindar o planejamento de longo prazo de eventos políticos?
O tema da infraestrutura está sem foco. Porque, se tudo é prioridade, nada é prioridade. Os brasileiros precisam de um consenso. Os partidos políticos têm de estar mais ou menos de acordo entre si, e não ter ideias tão divergentes. Pode haver disputa a cada dois ou quatro anos, mas o rumo da economia, o papel do estado e do setor privado, a prioridade da infraestrutura, tudo isso não pode depender de quem vença a eleição. Nem tudo pode ser atacado ao mesmo tempo. Temos de ver os principais entraves em primeiro lugar. Por exemplo: há um lugar sagrado para a educação no Brasil, que ninguém discorda que seja importante. Mas isso não justifica qualquer gasto na educação. O orçamento na educação tem de ser enxuto, direcionado e focado. Tem de haver uma curadoria e um filtro nas possibilidades. Talvez pelo fato de morar no Rio de Janeiro, que está numa situação particularmente caótica, não vejo nenhum debate público. É mais fácil fazer a crítica do que propor uma solução concreta. Mas temos poucos recursos muitas prioridades e falta um comando geral.