Trabalho: com anos de crises, trabalhadores seguem em cenário incerto (Gabriel Ramos/Getty Images)
Repórter de Economia e Mundo
Publicado em 28 de fevereiro de 2023 às 10h36.
Última atualização em 28 de fevereiro de 2023 às 18h25.
Do começo de 2021 até o fim de 2022, o desemprego no Brasil passou de quase 15%, um recorde da série histórica, para perto de 9%, o melhor patamar desde 2015. Apesar disso, parcela relevante dos trabalhadores ainda se sente pouco confiante sobre sua estabilidade, tem medo de não obter renda suficiente para as despesas e, no grupo que trabalha por conta própria, a maioria deseja deixar essa condição.
As informações são de dados regionais da Sondagem Mensal do Mercado de Trabalho, realizada pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre). Feita com amostra representativa da população brasileira em momentos do segundo semestre de 2022, a pesquisa busca medir questões qualitativas sobre o mercado de trabalho: se trabalhadores desejam se formalizar, o quanto veem riscos em perder sua renda e o quanto estão satisfeitos com o atual emprego.
Parte dos dados já haviam sido divulgados pelo Ibre em dezembro, no lançamento da pesquisa, mas a instituição apresentou neste mês recortes por localidade, então inéditos. Os dados mostram forte disparidade regional em alguns quesitos: mais trabalhadores nas regiões Norte e Nordeste veem risco de perder a principal fonte de renda em um ano e entraram no trabalho por conta própria para fugir do desemprego. Já no Sudeste estão os trabalhadores mais insatisfeitos com sua atual ocupação, questionando remunerações baixas e poucos benefícios.
Em todo o país, um risco constante é a baixa taxa de poupança, com a maioria sem ter renda para mais de três meses caso percam o principal emprego. Nesse cenário, a maioria dos brasileiros também aponta um afastamento por doença ou não conseguir arcar com as despesas como os maiores riscos de longo prazo para suas famílias. Veja abaixo os principais resultados da pesquisa.
A maioria dos trabalhadores por conta própria deseja deixar essa categoria. Um total de 69,6% dos que trabalham por conta própria responderam que gostariam de ser empregados “em uma empresa privada ou pública”.
"Os dois principais fatores citados foram a questão de querer ter um rendimento fixo, fugir um pouco dessa incerteza de o quanto você vai receber no mês, e ter acesso a benefícios que as empresas costumam dar", diz Rodolpho Tobler, economista do FGV/Ibre e responsável pelo estudo, em apresentação dos dados no início do mês.
Números já existentes da Pnad/IBGE mostram que o rendimento médio de um trabalhador por conta própria (R$ 2142) é na faixa de R$ 400 a menos do que os demais empregados nacionalmente. A maior diferença está no Nordeste, onde um trabalhador por conta própria não só ganha menos do que a média nacional (R$ 1.249), como recebe mais de R$ 500 a menos do que a média dos outros empregados. No Sul, Sudeste e Centro-Oeste, a diferença é menor ou quase inexistente.
O contingente de trabalhadores por conta própria no Brasil é atualmente de mais de 25 milhões de pessoas, quase 26% do total de 100 milhões de ocupados, diz o IBGE.
Os motivos que levaram essa população a trabalhar por conta própria variam nas regiões, embora a maioria dos brasileiros cite razões de dificuldade na situação empregatícia anterior (desemprego, necessidade de renda extra ou dificuldade em encontrar bons salários). No Norte, mais de 50% começaram a trabalhar por conta própria para fugir do desemprego, acima da média nacional, de 32%.
Em seguida, vêm a possibilidade de independência e flexibilidade de horário. Nas regiões Sul e Sudeste, a flexibilidade foi o que motivou perto de 30% dos trabalhadores a escolher essa categoria.
Para o Ibre, as respostas distintas mostram que “existem dois lados na categoria”: o dos que trabalham por conta própria por "necessidade" e o cenário de “uma nova dinâmica do mercado de trabalho, onde eles escolhem estar ali”.
Para todos os trabalhadores que estavam ocupados, por conta própria ou não, há um cenário arriscado nas finanças pessoais. Se perdesse o principal emprego, mais de um em cada dez brasileiros (66,5%) só conseguiria sustentar a família por períodos curtos, de até três meses.
Especialistas em finanças pessoais recomendam uma chamada “reserva de emergência” de seis meses — ou até 12 meses no caso de autônomos —, mas os dados mostram que essa é ainda uma realidade distante para boa parte da população, trazendo risco adicional às famílias.
O risco que os trabalhadores enxergam em perder o emprego ou a principal fonte de renda é mais alto nas regiões Norte e Nordeste, mesmo com o desemprego em queda.
O Norte foi a única região onde uma maioria vê a chance de perder o emprego nos próximos 12 meses como “muito provável ou provável”. No Nordeste, houve empate, com 50% vendo a chance como provável e 50% como improvável.
A maior estabilidade percebida pelos trabalhadores ocorreu no Sul, onde só 33% acreditam que é “muito provável ou provável” que percam a fonte principal de renda ao longo do ano. Em seguida vêm Sudeste e Centro-Oeste, na casa dos 38%.
Ao longo dos anos, Nordeste e Norte têm as maiores taxas de informalidade do Brasil e maior fatia trabalhando por conta própria acima da média nacional, o que tende a explicar a maior percepção de insegurança, diz o Ibre.
Ainda assim, em todo o Brasil, a taxa de informalidade é historicamente alta, sempre na faixa dos 40%, mesmo em momentos de bonança econômica.
Atualmente, segundo o IBGE, a média nacional é de 39% dos trabalhadores na informalidade (mesmo no Sul, a região menos informal, o número fica em 30%). São quase 39 milhões de informais no Brasil, que incluem tanto trabalhadores por conta própria não-formalizados (que não abriram CNPJ) quanto empregados sem carteira assinada.
Em um horizonte de longo prazo, nos próximo três anos, ficar doente ou incapacitado foi apontado como o principal risco para os trabalhadores brasileiros e suas famílias, cenário apontado por 59%. O percentual foi parecido em todas as regiões.
Fatores relativos à renda foram os próximos na lista de maiores riscos. E embora as regiões Sul e Sudeste tenham apontado a estabilidade no emprego atual como provável, essas localidades lideram nas preocupações de longo prazo sobre sua renda.
Já crime ou violência é o quarto risco mais apontado para os entrevistados e suas famílias, com o Sul liderando, com mais de 45% citando esse tema, acima da média nacional de 36%. (Os entrevistados poderiam escolher mais de uma opção na lista de riscos no horizonte.)
Mesmo com os problemas elencados, os brasileiros, de modo geral, se mostraram satisfeitos com o próprio trabalho, diz o Ibre. Os mais satisfeitos estão no Sul (só 16,5% insatisfeitos), e as demais regiões ficaram na casa dos 20% a menos de 30% de insatisfação.
A diferença foi no Sudeste, que liderou com quase 34% de insatisfeitos.
Perguntados sobre um ou mais motivos para a insatisfação, o Sudeste foi a região onde mais pessoas (na casa dos 75%) apontaram a “remuneração baixa” como razão, à frente da média nacional (64%).
Ainda em frentes relacionadas à remuneração, os sudestinos também foram os que mais criticaram o “pouco ou nenhum benefício” em suas ocupações, mais que o restante dos brasileiros (quase 50%, ante 43% na média nacional). O Sudeste tem média salarial maior do que as demais regiões, embora o custo de vida seja igualmente elevado em muitos lugares.
No todo, o Nordeste foi o campeão nacional em “satisfação com a vida em geral”, com nota 7,6, frente à média de 7,2 do Brasil. O menos satisfeito foi o Norte (6,8). “Sendo uma região com grande insegurança de renda e com alguma insatisfação em questões trabalhistas importantes, o resultado sugere que a percepção subjetiva de bem-estar na região é determinada por outros fatores”, diz o Ibre.