Hoje os tributos são recolhidos mensalmente, mas com o novo formato, a dedução será imediata. Para especialistas, sistema inibirá sonegação, porém impactará no movimento de caixa das pequenas empresas ( Rapeepong Puttakumwong/Getty Images)
Repórter
Publicado em 29 de janeiro de 2025 às 06h01.
O novo sistema de pagamento automático de impostos sobre o consumo à União, estados e municípios, batizado de split payment pela reforma tributária, promete reduzir a sonegação e a inadimplência fiscal. No entanto, essa inovação tecnológica traz novos desafios para os empreendedores, principalmente os de pequenos negócios.
Inspirado em modelos internacionais, o split payment, em inglês, significa pagamento dividido, uma referência a uma divisão automática de impostos no momento de compra e venda.
Na prática, o mecanismo vai permitir que, ao realizar uma compra, o valor do tributo seja automaticamente deduzido e enviado diretamente aos cofres públicos, enquanto o valor líquido é creditado ao fornecedor.
A operação será feita por meios de pagamentos, como bancos ou instituições financeiras, que serão obrigados a aderir aos formatos, segregando e recolhendo ao Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e à Receita Federal os tributos IBS e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – esses dois irão substituir os tributos atuais para formar o Imposto de Valor Agregado (IVA) Dual.
A regulamentação da reforma tributária, sancionada na Lei Complementar 214 de 2025, definiu duas modalidades para operacionalizar a ferramenta. Um modelo padrão (inteligente) e outro, simplificado.
No primeiro, detalhou-se um sistema tecnológico para vincular documentos fiscais às operações e calcular tributos de forma automatizada. O valor do imposto será separado na hora do pagamento da compra, assim como o valor destinado a quem forneceu o bem ou serviço.
Esse mesmo sistema, de forma automática, deverá verificar se a empresa tem créditos guardados. Se for o caso, os débitos de impostos devidos serão descontados desse valor e o saldo final será repassado à União por meio do fisco. Já o repasse para os estados e os municípios será feito por meio do Comitê Gestor, que também será criado para administrar o novo sistema tributário.
Já o modelo simplificado será disponibilizado para operações em que o adquirente não é contribuinte regular do IBS e da CBS. Os tributos serão calculados com base em um percentual preestabelecido do valor da transação, independentemente das alíquotas efetivamente aplicáveis.
O formato, segundo os deputados e senadores, foi elaborado para as empresas que vendem produtos de diferentes alíquotas, como no setor de varejo.
O Comitê e a Receita terão que apurar se o valor pago pela empresa é correspondente com as transações efetuadas dentro de um mês. Caso o governo tenha que devolver o valor pago a mais pela empresa, isso deverá ser feito em até três dias. Do contrário, a empresa terá um mês para complementar o pagamento.
A previsão é que as devoluções ou pagamentos complementares ocorram pelo mesmo sistema online, que será criado.
Ao longo da tramitação da regulamentação da reforma tributária, muitos setores contestaram a aplicação do split payment, apontando perdas em seu fluxo de caixa.
O economista João Maria de Oliveira, técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), avalia que, na verdade, elas podem "deixar de ganhar".
Quando um mercado vende um produto ao cliente, por exemplo, ele fica com o valor do tributo que a transação de compra gerou. Com esse recurso, o mercado pode comprar outro produto para vender novamente, em um eventual ciclo curto de transação, ou usar do recurso para outros interesses até o dia de pagar o imposto devido.
"Esse tributo vira caixa dele durante um período. E é óbvio que vão existir setores contrários, porque esse recurso, [hoje, sem a reforma tributária], é caixa por uma média de 20 e poucos dias", diz Oliveira.
Charles Gularte, vice-presidente executivo de serviços aos clientes da Contabilizei, avalia que o impacto do split payment será maior especialmente nas pequenas empresas e optantes pelo Simples Nacional.
Com a operação, elas receberão o crédito líquido, já com os descontos da separação dos impostos.
"Ou seja, no caixa terá menos dinheiro. Esse imposto que poderia pagar no mês seguinte, a empresa pagará agora. Ela vai precisar ter mais dinheiro para honrar com a operação do dia a dia. As empresas pequenas são empresas que não têm acesso tão fácil ao crédito e ao crédito barato, enquanto as grandes têm uma capacidade financeira melhor, tanto de se organizar como de se financiarem", afirma.
O especialista completa que é necessário avaliar um possível impacto no capital de giro para garantir a liquidez da empresa — assim como reforçar o planejamento financeiro considerando as novas datas de pagamento e o impacto no seu caixa.
Por outro lado, tanto o técnico do Ipea quanto o vice-presidente da Contabilizei observam um "fator extremamente positivo" na queda da sonegação e da inadimplência fiscal com o split payment.
"É uma super evolução de modelo de arrecadação, porque ele é uma ferramenta de inibição da sonegação e isso fará com que as empresas corretas, as que normalmente não só se formalizam, mas também operam da forma correta, recolhendo seus impostos, fiquem no mesmo patamar. Não terá aquela concorrência desigual de quem paga tudo corretamente com quem não paga e sonega", diz Gularte.
A expectativa é que a porção do total de impostos não arrecadados por sonegação, fraude e inadimplência caia a menos de 15%. Hoje é de mais de 20%. O que pode inclusive reduzir a alíquota final do IVA, hoje estimada entre 26,5% a 28%.
"Ora, se eu tenho que arrecadar a mesma coisa com a nova reforma e com o split payment a inadimplência deixa de existir, a alíquota final cai um pouco", afirma Oliveira, do Ipea.
Os modelos de split payment deverão ser adotados a partir da virada para o novo sistema de impostos, em 2027, quando as empresas passarão a pagar o IVA.
À EXAME, Daniel Loria, ex-diretor de Programa da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, afirmou que o mecanismo e a simplificação dos impostos será benéfica para os empresários do Simples, por acabar com a substituição tributária.
Nesse regime, a responsabilidade pelo pagamento do imposto é transferida para um contribuinte diferente daquele que normalmente seria responsável por recolher o tributo. Isso significa que uma empresa, em vez de recolher o imposto no momento da venda ao consumidor final, já o paga antecipadamente, geralmente em alguma etapa anterior da cadeia de produção ou comercialização.
Com isso, uma série de produtos comprados pelas empresas do Simples, por exemplo, pagavam pelo ICMS embutido no preço de um produto, explica Loria.
"O impacto [da sobretributação] não é pequeno, é muito grande. Hoje a maioria dos produtos que pagam ICMS têm substituição tributária. A partir do momento que você elimina o custo desse insumo, isso pode gerar um ganho gigante para a empresa no Simples", disse ele em webinar no final do ano.
Os modelos de split payment deverão ser adotados a partir da virada para o novo sistema de impostos em 2027, quando as empresas passarão a pagar o IVA.