Em junho, um ambiente de produção restrita será liberado para 500 empresas testarem o software feito para a Receita Federal da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Repórter
Publicado em 6 de abril de 2025 às 08h04.
Última atualização em 7 de abril de 2025 às 15h01.
A implantação do sistema de split payment — mecanismo previsto na reforma tributária que separa e recolhe automaticamente o imposto no momento da operação — é projetado para começar pelas transações entre empresas, conhecidas como B2B.
"No sistema desse tamanho, nessa pujança, implementar tudo de uma vez seria um desafio. Às vezes, o tiro sairia pela culatra. A gente precisa ter algum tempo de aprendizagem", afirmou Cristiane Coelho, diretora jurídica da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) durante evento promovido pelo escritório Loria Advogados e a consultoria Seta Public Affairs em São Paulo.
A CNF que tem participado ativamente da construção do modelo junto ao governo em grupo técnico que realiza discussões sobre os detalhes da implementação do split payment em diferentes meios de pagamento, como boleto, TED e PIX. "Temos reuniões de 14 a 18 horas por dia para tentar definir como vai funcionar o split em cada arranjo de pagamento", disse Coelho.
A principal preocupação do setor é garantir que o sistema seja funcional sem travar o fluxo das transações comerciais. "A gente não pode nunca dificultar as transações comerciais. O split tem que ser um facilitador da atividade tributária, não um impeditivo".
A proposta é que, nas operações B2B, o adquirente que tiver direito a crédito tributário já solicite o pagamento com o split para garantir esse crédito. Ainda não há um prazo para que o sistema esteja em funcionamento, nem a emenda constitucional (EC) 132/2024, nem o projeto de lei complementar (PLP) 68/2025 fixaram uma data.
Mas a ideia é que o split payment fique "pronto o mais rápido possível", segundo a diretora jurídica da CNF que, apesar de não abrir o ano, afirmou que os prazos já começaram a ser definidos.
O novo sistema deverá ser responsável pela arrecadação de tributos que somaram quase R$ 1,5 trilhão em 2024, o equivalente a 40% da carga tributária nacional.
A entidade também trabalha com três níveis de sofisticação para o modelo: simplificado, inteligente (intermediário e, de acordo com a legislação, deverá devolver o tributo em até três dias úteis) e superinteligente — com consulta em tempo real.
A Receita Federal compartilha a visão de uma adoção gradual. Para Luiz Dias, membro titular do grupo técnico da reforma na Receita, o split payment é mais do que um mecanismo que vai impedir a sonegação ou a evasão fiscal. O sistema também operará como uma forma de proteção ao adquirente, garantiu o especialista durante o evento
"O split se reveste muito mais como uma garantia do adquirente em proteger seu direito ao crédito tributário. Nesse sentido, nos parece o caminho mais seguro de implantação”, afirmou.
Ele pondera, no entanto, que há setores, como o varejo, que ainda apresentam altos níveis de informalidade, o que exige uma "dosemetria" cuidadosa. "Temos que olhar com atenção para não termos problemas. As instituições financeiras são atores importantes, mas também será preciso ouvir os usuários na ponta para construir um modelo eficiente".
Enquanto o modelo do split payment é debatido entre governo e setor privado, o sistema tecnológico que sustentará a nova tributação já está em fase avançada. Segundo Robson Dias Lima, gestor nacional da reforma tributária no Serviço federal de Processamento de Dados (Serpro), o software para a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) já está pronto.
"O Fisco já está com o software funcionando. Isso significa que o mercado precisa já olhar os documentos técnicos, ver que já há layout fiscal novo definido, e começar a preparar seus sistemas", afirmou Lima. Em junho, um ambiente de produção restrita será liberado para 500 empresas testarem a integração.
O Serpro iniciou em abril de 2024 a construção da nova plataforma, que incluirá 16 sistemas novos e melhorias em outros 20 já existentes. Toda a infraestrutura foi projetada para rodar em uma nuvem soberana de governo, com data centers em São Paulo e Brasília. "Investimos R$ 400 milhões para garantir que toda a governança dos dados seja mantida em território nacional", disse o gestor.
A plataforma será acessada por meio do portal Gov.br, com login único e integração entre os sistemas da Receita Federal e do Comitê Gestor. O objetivo é oferecer uma experiência unificada ao contribuinte e garantir que os dados tratados pelo CBS e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) estejam sempre sincronizados.
"A ideia é criar um ecossistema tributário tecnológico, com um único dialeto: o Registro de Operações de Consumo (ROC), que vai transformar documentos fiscais em dados padronizados e alimentar o sistema com as informações básicas da operação", disse Lima. No modelo com split payment, o pagamento do tributo será feito automaticamente no momento da operação.
Segundo estimativas preliminares do Serpro, cerca de 70 bilhões de operações comerciais por ano devem ser processadas pela nova plataforma. "É um número ainda não confirmado, mas baseado nas movimentações de serviços e mercadorias do ano passado", afirmou.
O Serpro promete entregar um produto viável e flexível para testes internos neste mês de abril. Em junho, com a liberação do ambiente restrito, será possível testar ERPs (sistema de software de gestão empresarial) e submeter documentos fiscais.
A expectativa é que a nova estrutura entre em operação em 1º de janeiro de 2026 e seja aprimorada a partir de feedbacks das empresas para utilização completa em 2027. Um portal específico da reforma será lançado para facilitar a comunicação com o mercado.
"Vamos oferecer inclusive uma calculadora tributária em código aberto, interpretando a legislação e entregando isso de forma transparente. Quem quiser usar, pode usar — é uma ferramenta de apoio", finalizou o gestor da reforma tributária no Serpro.