Economia

Sharma, do Morgan Stanley: o eterno emergente

Luciano Pádua Alguns países, como o Brasil, correm o risco de serem eternamente emergentes se não abrirem seus mercados. A renda per capita do país está estagnada, e o comércio continua dependendo das commodities. Para o economista Ruchir Sharma, do banco Morgan Stanley, a virada depende de uma agenda consistente de reformas, e a ameaça […]

RUCHIR SHARMA: Para economista, Brasil não deixará de ser emergente enquanto não abrir seu mercado / Divulgação

RUCHIR SHARMA: Para economista, Brasil não deixará de ser emergente enquanto não abrir seu mercado / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 12 de junho de 2017 às 13h23.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h01.

Luciano Pádua

Alguns países, como o Brasil, correm o risco de serem eternamente emergentes se não abrirem seus mercados. A renda per capita do país está estagnada, e o comércio continua dependendo das commodities. Para o economista Ruchir Sharma, do banco Morgan Stanley, a virada depende de uma agenda consistente de reformas, e a ameaça de não haver uma reforma da Previdência é decepcionante. Sharma é autor do livro The Rise and Fall of Nations: Forces of Change in the Post-Crisis World (A ascensão e a queda das nações: forças de mudança no mundo pós-crise, em tradução livre), publicado em 2016, e concedeu entrevista à EXAME para a reportagem “A Economia Resiste”, nas bancas.

Há um ano, o senhor escreveu um artigo dizendo que o impeachment de Dilma Rousseff não salvaria o Brasil, sob o argumento de que a economia era muito concentrada nos gastos públicos e na exportação de commodities. O senhor tem a mesma opinião hoje, à luz da crise política no país?

Sim. O Brasil é a nação mais idiossincrática do mundo. Os gastos públicos são muito altos — e todos sabem disso. O que difere o Brasil de outros países é sua economia fechada. Não há outra economia em que o comércio como proporção do PIB seja tão baixo, o que é absolutamente bizarro. Estive no Brasil em abril, é um dos meus lugares preferidos para visitar, mas me pergunto como um país com um povo tão interessante consegue criar uma bagunça tão grande para si. Há um dado que sempre cito, mas é muito relevante. O Brasil hoje é tão pobre quanto os Estados Unidos eram há 100 anos. Ou seja, a renda per capita não mudou em relação à dos americanos no último século.

Por quê?

Basicamente porque tudo o que a China fez de certo nas últimas décadas, o Brasil fez o oposto: muita dependência das commodities, um estado de bem-estar grande demais e uma economia extremamente fechada. Ser tão fechado torna difícil que investimentos estrangeiros se estabeleçam no Brasil, além de tornar mais difícil exportar qualquer coisa que não sejam commodities e aumentar a competitividade em relação a outras economias. Tirando a Embraer, não há outra companhia capaz de fazer um mercado global.

O senhor acredita que a situação política congela a recuperação econômica?

Há duas coisas acontecendo. A boa notícia é que a recuperação econômica está acontecendo e a inflação está caindo muito rapidamente. Então, as circunstâncias são muito diferentes em relação a 20 meses atrás. É um fato bom, que minimiza os danos do escândalo político. Mas há uma questão de longo prazo: o Brasil tem uma bomba-relógio fiscal. A beleza de ter alguém como Michel Temer no poder era neutralizá-la. Se a reforma [da Previdência] não vier, será muito decepcionante. E há muitas outras reformas que estavam sendo tocadas na direção correta, como a trabalhista, medidas para abrir a economia e o regime de manutenção da inflação na meta. Os eventos políticos são um contratempo, mas vieram num momento em que os princípios econômicos estavam melhorando. Por isso, o mercado está mais calmo em relação à crise política.

O senhor criou 10 regras gerais para que países prosperem. A mais importante delas é a questão fiscal. Por quê?

É o que chamo de “beijo da dívida”. O indicador mais importante para o arrefecimento do crescimento econômico é o crescimento da dívida em um curto prazo de tempo. Esse é o maior preditor de uma crise. Isso aconteceu no Brasil nos anos de Dilma e no começo desta década. Por ora, vimos que esse indicador se estabilizou, é uma boa notícia para o Brasil.

Investidores estrangeiros estão mais dispostos a investir no Brasil agora?

Os fluxos diminuirão devido à incerteza política, mas o ambiente econômico externo hoje é um pouco mais favorável ao Brasil porque o dólar está enfraquecendo em todo o mundo. Vemos uma crescente liquidez em todo o mundo por causa disso. Mercados emergentes, em geral, estão se dando melhor este ano. Em média, estão crescendo mais de 20% neste ano em relação ao dólar.

O senhor desenvolveu uma forma diferente de analisar o capitalismo de laços por meio dos bilionários. Por que é importante analisar os bilionários de um país?

Meu ponto é que a desigualdade de renda em um país importa muito. Mas é um problema universal. A questão é quando a desigualdade de renda se torna grande demais e começa a retardar o processo de reformas econômicas e repercute entre as pessoas. Por isso, olhar para os bilionários de um país ajuda muito. Todas as medições de desigualdade, como índice de Gini, são muito retrógrados e não saem frequentemente. Já os dados sobre bilionários saem sempre. Por isso, criei um índice de bilionários. É importante olhar não apenas para quantos bilionários um país tem, mas de quais setores eles vêm. Eles vêm de setores de capitalismo de laços ou de setores genuinamente produtivos, como indústria e tecnologia? Quantos herdaram sua riqueza e quantos se tornaram ricos sozinhos? A ideia é que o que importa não é só a desigualdade de renda, mas o senso de justiça. Se há bilionários demais em um país que herdaram sua riqueza, ou se a riqueza vem de setores com tendência para o capitalismo de laços, há um problema na economia.

Se tentássemos traçar uma linha do tempo para o capitalismo de laços no mundo, haveria uma era dourada?

A segunda metade da última década foi uma era dourada do capitalismo de laços porque houve um enorme incremento nos preços das commodities. Nos mercados emergentes, havia muito dinheiro entrando. Nesse ponto, vejo que o Brasil perdeu tempo, mas não foi apenas ele. Em todos os países que visitei, da Índia à China, o capitalismo de laços estava crescendo muito na segunda metade da década passada. Acontecia em todos os lugares. Em meu livro, comparei muito o Brasil com a Índia e, em ambos os casos, houve tanta riqueza criada que o humor público ainda está relacionado com a limpeza desse capitalismo de laços. O sentimento em relação a muitos bilionários segue muito negativo tanto na Índia quanto no Brasil. Nos Estados Unidos, é o contrário. O fato de eleger um bilionário como presidente é uma declaração notável que mostra que, apesar de haver desigualdade de renda, os ricos ainda são respeitados porque grande parte da riqueza é criada em setores como os de tecnologia. Não há uma raiva à riqueza criada nesses setores. Em países como Brasil e Índia, a chance de um bilionário se tornar presidente é perto de zero, na minha opinião, porque a repercussão contra isso seria grande entre a população.

Qual o prejuízo que o capitalismo de laços poder gerar à economia?

O problema do capitalismo de laços é que tipicamente ele se concentra em setores que geram menos produtividade à economia e acabam trazendo menos ganhos de produtividade à economia geral. Além disso, esse tipo de capitalismo também gera uma percepção na população de que a criação de riqueza naquele país está relacionada às conexões políticas, e não aos valores empreendedores tradicionais.

No Brasil, parecemos só fazer reformas estruturais quando os problemas estão muito acumulados. Por que alguns países são eternamente emergentes?

Em meu livro, criei um conceito chamado o “ciclo da vida”. Basicamente, a maioria dos países passa por quatro etapas: reformas quando a situação é muito grave; retomada econômica; complacência; e a complacência leva à próxima crise. A maioria dos países estão presos nesse ciclo, o Brasil nesse grupo.

Como o senhor está aconselhando seus clientes sobre o Brasil agora?

A recuperação econômica está acontecendo, então, estamos um pouco mais positivos em relação ao Brasil na comparação com março de 2016. Espero que esse drama político se resolva rapidamente porque as estrelas estão começando a se alinhar para que o Brasil se saia bem.

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