Carteira de Trabalho pendurada em varal (Ilustração de Paulo Garcia sobre foto de Raul Junior/EXAME.com)
João Pedro Caleiro
Publicado em 15 de dezembro de 2014 às 10h14.
São Paulo – "O seguro-desemprego é um escândalo. É uma combinação entre patrões e empregados para assaltar o Tesouro”.
A declaração do ex-ministro Delfim Netto há alguns dias voltou a colocar em evidência um dos mistérios da década no Brasil: porque os gastos com seguro-desemprego não param de subir se o emprego nunca foi tão bem?
Entre 2003 e 2014, a taxa de desemprego no país caiu de 12,3% para 4,7%. No mesmo período, o gasto com seguro-desemprego foi de R$ 6,6 bilhões para mais de R$ 35 bilhões por ano (cerca de 0,5% do PIB).
De acordo com especialistas ouvidos por EXAME.com, três fatores explicam esse processo: formalização, aumento do salário mínimo e rotatividade.
1. Formalização
O seguro-desemprego, criado no governo Sarney em 1986, não é qualquer seguro contra qualquer desemprego: ele só vale para quem foi demitido sem justa causa após ter sido empregado por no mínimo seis meses nos últimos três anos. Ou seja: ficam de fora os cronicamente desempregados e os trabalhadores informais.
Só que entre 2002 e 2012, a proporção no Brasil de empregados sem carteira assinada teve uma das maiores quedas do mundo: 14 pontos percentuais, de 54% para 40%. Com isso, cada vez mais pessoas passaram a ter direito ao benefício.
“Junto da queda do desemprego, houve um aumento da taxa de formalidade, e isso puxou pra cima o universo de pessoas elegíveis ao seguro-desemprego”, diz Carlos Corseuil, pesquisador do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
2. Aumento do salário mínimo
Outra característica do seguro-desemprego é que ele é pago de três a cinco parcelas e está vinculado ao salário do trabalhador, com limite de R$ 1.304,63.
O menor valor, recebido pela esmagadora maioria dos beneficiados, é o do salário mínimo, que triplicou em termos nominais desde 2003 – pressionando os gastos com seguro-desemprego na mesma proporção.
3. Rotatividade
O grande problema, no entanto, é que o Brasil tem uma taxa de rotatividade no trabalho totalmente fora do padrão: de cada 100 empregados, algo entre 35 e 40 não chegam a completar nem um ano com o mesmo empregador. Se ela está aumentando ou não, é motivo de debate, mas não há dúvida de que esse é um problema estrutural do nosso mercado de trabalho.
Isso ocorre porque a maior parte dos empregos e dos trabalhadores é de baixa qualificação. Em um cenário de pleno emprego, o trabalhador tem a segurança de que vai conseguir se realocar quando quiser. Isso abre espaço para que quem quer se demitir faça acordos com a empresa para serem registrados como “demitidos” e assim, poderem receber os benefícios.
“O trabalhador tem baixa qualificação original, e se ele sair do emprego e conseguir fazer um acordo ele ganha acesso ao FGTS e seguro-desemprego e pode trabalhar neste período no setor informal. Ele não vê interesse em ficar e a empresa, sabendo disso, não vai investir nele. É um círculo vicioso”, diz Naércio Menezes, professor do Insper que estuda o assunto.
O ensino técnico e a melhora gradual da qualificação podem ajudar, mas isso leva tempo. E da forma como são hoje, as agências não estão ajudando a fortalecer este vínculo e acelerar o processo de conexão entre empregador e empregado. Ironicamente, a própria rotatividade no quadro dessas agências é um dos obstáculos para a melhora do serviço:
“Nos não temos nenhum mecanismo de condicionar o pagamento ao trabalhador mostrar algum esforço de que está procurando emprego; o sistema não tem condições de exigir uma contrapartida e não incentiva essa busca. O governo deveria ter um serviço de intermediação, mas suas agências são muito ruins no sistema de seleção, então as empresas não oferecem vagas lá”, diz Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
Ele lembra de um seminário em Brasília, há alguns meses, no qual um procurador do trabalho da alta hierarquia confessou que na posição de síndico do seu prédio, fazia acordos de "demissão consentida" com seus empregados. Se uma pessoa dessas admite o procedimento publicamente, ele deve ser no mínimo muito comum.
Isso sem falar de quando acaba o "jeitinho" e começam as fraudes. Algumas operações este ano desmantelaram esquemas que desviaram no mínimo R$ 4 milhões do seguro-desemprego; só no serviço público são mais de R$ 2,5 milhões em perdas desse tipo, segundo a CGU (Controladoria Geral da União). A própria presidente Dilma disse em novembro que "o seguro-desemprego é um grande patrocinador de fraudes".
Como tudo indica que 2015 será um ano de cortes no Orçamento e de alta moderada do desemprego, o seguro-desemprego tem aparecido entre os programas que podem ver mudanças, o que já acontece de tempos em tempos. Uma das mais simples seria diminuir novamente o período máximo de recebimento, que foi ampliado durante a crise financeira.
As centrais sindicais apóiam um modelo inspirado na Alemanha, onde as empresas em dificuldades não demitem mas diminuem a jornada e os salários por um período no qual o resto continua sendo coberto pelo seguro-desemprego. Outra seria mudar todo a estrutura de benefícios e poupança compulsória - uma solução mais controversa e bastante improvável.