Canadá: para entrar em pleno funcionamento, acordo precisa ser aprovado pelos parlamentares (Getty Images/Getty Images)
EFE
Publicado em 27 de dezembro de 2016 às 14h48.
Bruxelas - Com a economia europeia ainda patinando oito anos depois do início da crise, tudo estava preparado para que a Comissão Europeia (CE) assinasse no fim de 2016 um tratado de livre-comércio com o Canadá (CETA), que deve gerar 20 bilhões de euros em comércio transatlântico.
Mas a região de Valônia, na Bélgica, se transformou na última hora em uma inesperada pedra no caminho da política comercial de 508 milhões de europeus e 35 milhões de canadenses.
Os parlamentares da Valônia bloquearam, dez dias antes da assinatura, o pacto mais ambicioso da história europeia, como define a própria CE, concebido para fomentar o emprego e o crescimento por meio da redução de tarifas, a abertura de mercados e a padronização da legislação euro-canandense.
A metade sul e francófona da Bélgica, um território de 3,5 milhões de habitantes e com o Partido Socialista à frente do governo regional, estava há mais de um ano lançando alertas sobre o acordo.
Os valões não gostavam da falta de transparência da negociação do pacto e, sobretudo, desconfiavam dos tribunais privados de arbitragem para resolver litígios entre investidores e governos.
Mas a CE, liderada por Jean-Claude Juncker, considerava que a discórdia se resolveria com bons gestos por parte da União Europeia (UE). Os responsáveis pelo acordo foram até o parlamento da Valônia para explicá-lo aos deputados, e também houve uma maior negociação entre o órgão e os governos central e local na Bélgica.
No entanto, dias antes de os 28 países-membros da UE e o Canadá validarem o acordo, o parlamento da Valônia bloqueou o CETA.
A rejeição não acabava o acordo, que poderia ser assinado posteriormente após o necessário consenso, mas afetava a credibilidade da UE em um momento de crise. O bloco tem enfrentado dificuldades para lidar com a crise migratória, a dívida da Grécia e sofreu um último golpe com o "Brexit".
O acordo que traria estabilidade econômica e política de repente se transformou em um risco para a UE, que tinha que superar um obstáculo aparentemente pequeno, mas que ameaçava bloquear um novo marco comercial que envolvia 543 milhões de pessoas.
"Quando concluímos o acordo comercial com o Vietnã, mundialmente conhecido por aplicar todos os princípios democráticos, ninguém levantou a voz. Quando fizemos o mesmo com o Canadá, uma ditadura renomada, há protestos", ironizou Juncker, que não escondia sua irritação após o bloqueio imposto pelos deputados valões.
A CE foi obrigada a negociar com a Valônia na calada da noite. A ministra de Comércio Internacional do Canadá, Chrystia Freeland, anunciou à beira das lágrimas que o país já não mais assinaria o acordo, pegando um avião na sequência para voltar para casa.
Começou então uma corrida contra o relógio para salvar o acordo em questão de dias, entre os governos belgas e os negociadores da CE. As instituições europeias enviavam mensagens de otimismo, mas foram obrigar a cancelar a cúpula UE-Canadá, que serviria para a assinatura final do CETA.
Horas depois, os belgas conseguiram um pacto interno com a região da Valônia. O documento foi apresentado aos embaixadores dos países-membros da UE em Bruxelas e aceito por todos.
No documento final se um incluiu um anexo em que a Bélgica se reserva o direito de verificar com o Tribunal de Justiça da UE a compatibilidade sobre os tratados europeus do polêmico sistema de arbitragem. Por fim, quatro dias depois do previsto e improvisado dramatismo, a UE e o Canadá assinaram o CETA.
"As coisas difíceis são difíceis", disse o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, para resumir o pacto que será aplicado a partir da validação pelo Parlamento Europeu a partir de janeiro.
Para entrar em pleno funcionamento, porém, o acordo precisa ser aprovado pelos parlamentares dos 28 países-membros da UE, um caminho que deve ser bastante tortuoso.