Economia

Reforma tributária faria o PIB crescer mais 10% em 15 anos, diz Appy

Em entrevista a EXAME, economista responsável pela reforma em tramitação no Congresso defende que benefícios fiscais foram totalmente desvirtuados no país

"Na proposta, colocamos a União, estados e municípios em absoluto pé de igualdade", diz Appy (Luís Simione/Divulgação)

"Na proposta, colocamos a União, estados e municípios em absoluto pé de igualdade", diz Appy (Luís Simione/Divulgação)

AJ

André Jankavski

Publicado em 9 de maio de 2019 às 12h42.

Última atualização em 9 de maio de 2019 às 18h51.

São Paulo – O economista Bernard Appy encampa a luta pela reforma tributária há mais de dez anos. Em 2015, ele criou o Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), que se tornou uma referência na discussão sobre o manicômio do sistema de impostos brasileiros.

Appy, que já havia se deparado com o tamanho do problema quando foi secretário executivo e secretário de Política Econômica no governo do do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se tornou o principal rosto da reforma tributária que o Legislativo pegou para chamar de sua.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, assumiu a dianteira e chamou o economista para a missão ao invés de esperar pela proposta do Executivo, que está sendo formulada pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra.

Alheio às disputas entre os poderes, Appy defende a criação de um imposto único, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A ideia foi inspirada em algo já popular em boa parte do mundo desenvolvido: o Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Na proposta, ICMS, PIS e Cofins, de competência federal, ICMS, ligado aos estados, e o ISS, cobrado pelos municípios, seriam fundidos em apenas um imposto no horizonte de dez anos.

Dessa maneira, segundo Appy, o pagamento de impostos seria muito facilitado e a guerra fiscal entre os estados – que dão isenções para atrair empresas para as suas regiões – seria praticamente resolvida.

Mais: esse novo imposto poderia gerar um crescimento acumulado de 10% do PIB nos próximos 15 anos. No país, atualmente, as empresas gastam quase 2.000 horas e 60 bilhões de reais todos os anos somente para calcular o pagamento de impostos.

Ao mesmo tempo, a proposta sofre algumas resistências por conta da retirada de poder dos estados. Um dos argumentos é que as federações não poderiam mais promover políticas de isenção de impostos para atrair empresas. Para Appy, isso seria algo positivo.

“Os benefícios fiscais não estão apenas desvirtuados, como são uma forma extremamente ineficiente de fazer política pública”, diz ele. Confira, a seguir, a sua entrevista:

Como o senhor está enxergando a velocidade de tramitação da proposta de reforma tributária?

O ritmo de tramitação é definido pelo Congresso e não temos poder sobre isso. A ideia dos líderes de partido é que tramite sem atrapalhar a reforma da Previdência. Então, a reforma passará pela Comissão de Constituição e Justiça e serão feitas audiências, mas as negociações de aprovação ainda não serão iniciadas antes da reforma da Previdência estar aprovada. O que eu acho que é correto.

A reforma tributária já é debatida há alguns anos, mas ainda existem muitas dúvidas a respeito dela, como os reais benefícios da mudança e a questão de tirar poder dos estados e municípios. Como está essa discussão no Congresso?

A discussão ainda está no início no Parlamento. O presidente Rodrigo Maia fez uma reunião com líderes para os quais eu apresentei a proposta e ela foi bem recebida. Não à toa, os líderes decidiram apresentar a PEC baseada na proposta do CCiF. Obviamente, ainda há muita conversa para acontecer, mas a receptividade foi boa.

A atual proposta acabará com a possibilidade dos benefícios fiscais dada por estados a indústrias e empresas em geral?

Uma das questões que mais surgem é exatamente essa. Porém, a discussão precisa ser diferente. Os benefícios fiscais não estão apenas desvirtuados, como são uma forma extremamente ineficiente de fazer política pública. Isso acontece por vários motivos. O primeiro deles é que, na prática, não são apenas os estados menos desenvolvidos que dão benefícios. Se todos fornecem subsídios, logo, a função de ser uma política de desenvolvimento regional foi perdida.

Além disso, um estado normalmente tem interesse em dar benefícios para setores que não necessariamente tem vocação para se instalar naquela região. Isso resulta em uma distribuição geográfica extremamente ineficiente do Brasil.

Poderia dar exemplos dessa ineficiência?

Vou dar um exemplo prático. O estado de São Paulo dá benefícios para frigoríficos. Ao mesmo tempo, os estados do Centro-Oeste, que é a região onde estão as maiorias dos bois, podem dar benefícios para montadoras. Se não tivessem as isenções, provavelmente, um estaria no lugar do outro. E, talvez, o frigorífico gera até mais empregos do que a montadora.

No fim, significa que temos diversos caminhões andando pelo país de forma ineficiente por conta de benefícios do ICMS. Qualquer varejista de bens de consumo no Brasil tem a sua logística montada em cima de benefício fiscal. Mas é uma estupidez na questão de logística.

E como compensar o fim dos subsídios para estados mais pobres, que precisam atrair empresas para se desenvolverem?

O que se propõe é que se reforce a política de desenvolvimento regional junto com a reforma. Porém, tem que ser uma política que explore as vocações de cada região. Se investe naquilo que o estado faz bem.

O que acontece hoje é exatamente o contrário. Hoje, São Paulo é um estado rico, mas continua concedendo benefícios fiscais. Quer dizer, não está funcionando a política de desenvolvimento regional.

E como ficariam os benefícios já existentes?

Será feita uma transição que levará dez anos, sem contar o tempo inicial de regulamentar o imposto. Se a PEC fosse aprovada neste ano, muito provavelmente o IBS só seria cobrado em 2022 por conta de toda a construção do sistema. Portanto, as empresas terão a partir dali 10 anos para se organizarem.

É um tempo longo para as companhias pensarem onde vão alocar os seus investimentos. E a mudança tributária não desmonta aquilo que é eficiente. Agora, aqueles negócios que não geram valor, provavelmente, serão encerrados e as empresas mudarão o alvo dos seus investimentos.

Como está a discussão para a criação dessa política de desenvolvimento regional?

Toda a vez que eu falo da proposta, eu comento sobre essa necessidade. Nós não incluímos na PEC porque a definição do valor será política. E eu acredito que a reforma não será aprovada sem a criação dessa política. Os valores podem ser relevantes, acima de dezena de bilhão de reais.

Com esse dinheiro, é possível fazer uma política muito mais eficiente do que temos hoje em relação a geração de emprego e renda. Se gasta menos e tem mais benefícios. E benefícios fiscais não podem ser confundidos com assistência social.

A reforma, no entanto, está sofrendo com resistências com argumentos como a retirada da autonomia dos Estados, o que quebraria o pacto federativo. Isso pode acontecer?

Quem fala isso não entendeu a proposta. Colocamos a União, estados e municípios em absoluto pé de igualdade. Criaremos um imposto só para o contribuinte, mas todos têm autonomia na fixação da alíquota. Ou seja, todos decidirão se vão querer arrecadar mais ou menos. Teremos alíquotas de referência federal, estadual e municipal. No caso dos estados, a receita é que repõe a receita do ICMS do conjunto dos estados. Isso será adotado automaticamente. Mas ficará sob escolha de estados e municípios mudar os valores cobrados.

O imposto será gerido por um comitê gestor formado entre governo federal, estados e municípios em pé de igualdade. A instância máxima desse comitê será paritária. Isso só reforça a federação. Vamos passar de um federalismo enfraquecido hoje para um federalismo colaborativo. Não consigo entender como a autonomia federativa pode atrapalhar isso. A gente quer um país eficiente ou não? O ICMS, do jeito que está, não dá mais.

Por quê?

Ele está em uma base que vai morrer, que é a de mercadorias. Estamos em um mundo cada vez mais digital. Além disso, a guerra fiscal entre os estados está acabando com o imposto. Acredito que tem uma possibilidade de apoio da maioria dos entes federados.

O IVA será suficiente para tributar os serviços da nova economia?

Existe um problema extremamente sério nesse ponto em questão. A geração de renda está baseada em ideias. É o empresário que desenvolveu um software de uma rede social e que pode colocar em qualquer lugar que faça a cobrança de menos impostos. E muitos desses serviços ficam na zona cinzenta de cobrança de impostos, que é o da cessão de direitos.

É algo que não dá para fazer que é mercadoria e nem serviço. Com o IVA conseguiremos tributar. Vamos adotar mecanismos que, quando tivermos uma base mais ampla com a alíquota única, automaticamente o pagamento desse serviço vai me mostrar qual é a base a ser tributada. Nenhum país do mundo que adota o IVA vai abandoná-lo por causa da nova economia.

Quanto a reforma tributária pode impactar no crescimento do país?

É difícil falar um número exato. Sendo conservador, eu acredito que existe um potencial de 10% de crescimento nos próximos 15 anos. É daí para cima. Vai ser um jogo que todo mundo que pode perder algo, ganha na frente. Perde em termos de porcentagem no valor total, mas ganha em termos de valor arrecadado porque o bolo será maior.

O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, defende a criação de um imposto sobre operações financeiras, como era a CPMF em outros tempos. Esse imposto é considerado um grande vilão por diversos congressistas. Qual é a sua opinião a respeito disso?

A proposta bancada pelo Governo Federal e pelo ministério da Economia fala em reduzir imposto sobre a folha de pagamento e substituir por um imposto sobre os pagamentos. De certa forma, incorpora a CPMF. No CCiF, nós acreditamos que faz sentido fazer essa redução nos salários, embora não de forma linear, mas tem que ser financiado em outra base.

Não acredito que a CPMF seja a melhor. Boa parte é possível ser tributada na renda e no próprio consumo. Mas é uma discussão aberta e válida.

O governo defende, primeiro, fazer a unificação dos impostos federais e só depois partir para o ICMS e ISS. A proposta do CCiF fala em unificar tudo de uma vez. Quais são os impactos das duas propostas, na sua opinião?

O governo, a princípio, propôs é um IVA federal com as mesmas características que estamos propondo. A decisão do que será feito, se será mais ampla ou restrita, é política. Tem que se analisar a relação entre custo e benefício. Fazer uma unificação federal já tem um custo político razoável. A nossa proposta também tem esse custo, mas o benefício é maior. Mudar o IVA federal e esquecer do ICMS e ISS pode trazer custos.

O ICMS é disparado o pior imposto do Brasil. É o que mais derruba produtividade e complexo de pagar. Mais da metade do tempo gasto para se pagar imposto no Brasil é usado no ICMS. Então, uma reforma apenas em âmbito federal terá um custo alto e não resolverá o grosso dos problemas.

O senhor acredita que a reforma tributária é um consenso maior dentro do Congresso e da sociedade do que a da Previdência?

Os empresários já percebem que passou da hora de mudar a tributação. A população em geral, no entanto, não enxerga dessa forma. As pessoas não percebem o efeito de termos um sistema tributário tão atrasado como o nosso. Mas também acredito que não exista resistência da sociedade.

A proposta mostrará exatamente para a população qual é o custo do Estado nas nossas vidas. Algumas pessoas de baixa renda, por exemplo, pensam que não pagam imposto, pois são isentas de imposto de renda e, talvez, do IPTU. Na prática, no entanto, existem vários impostos de que ela não sabe que precisa pagar. A transparência pode não ser muito valorizada, mas eu, pessoalmente, acredito que seja algo fundamental.

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