Economia

Reforma da Previdência dá pancada em privilégios, diz economista

Para Paulo Tafner, a mudança renova o fôlego para as contas públicas até 2019 - quando, afirma ele, será necessário fazer uma nova reforma da Previdência

Previdência: "Haverá mais economia nos próximos dois anos", diz o economista (Matt Cardy/Getty Images)

Previdência: "Haverá mais economia nos próximos dois anos", diz o economista (Matt Cardy/Getty Images)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 4 de maio de 2017 às 14h59.

São Paulo - Para o especialista em Previdência, Paulo Tafner, a proposta de reforma da Previdência que segue para votações na Câmara e no Senado, de fato alterou, e muito, a proposta original, mas deve ter efeito positivo no curto prazo. "Cederam no longo prazo, mas apertaram no curto prazo. Haverá mais economia nos próximos dois anos", diz.

Novo pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (Fipe/USP), Tafner diz que a mudança renova o fôlego para as contas públicas até 2019 - quando, afirma ele, será necessário fazer uma nova reforma da Previdência.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

O dia na Comissão Especial foi longo, com muitos debates, protestos e até invasão. Qual a sua leitura sobre o clima de ontem (3)?

É incrível não haver no Brasil sociólogos para analisar como as corporações conseguem cristalizar seus privilégios de forma tão flagrante e como nossos parlamentares são sensíveis a elas. Fazendo uma crônica disso, eu diria que houve um retrocesso na nossa política no que é mais essencial. Desde que o PT entrou no governo, fortaleceu a regra de que 'quem berra mais, leva'. Fica de lado o mérito da questão.

Sindicatos organizados defendem o seu privilégio e são atendidos. Já o populacho, que trabalha dez horas por dia e fica cinco horas na condução, ou os milhões de desempregados, não têm representação. Sabe quanto ganha um policial legislativo mais antigo, que foi incluído ontem no relatório? Cerca de R$ 15 mil, R$ 20 mil. Perdeu-se o senso.

O recado é claro: os funcionários públicos vão continuar pressionando. Tenho de dar a mão à palmatória para o competente trabalho de Arthur Maia. Vai ter impacto forte na aposentadoria dos funcionários públicos. Dá uma pancada firme.

O que seria essa 'pancada'?

Na proposta do Maia, o cálculo da aposentadoria dos funcionários públicos deve ser feito pela média de todas as contribuições. Isso significa dizer que aquele indivíduo que trabalhou 15, 20 anos no setor privado, depois foi para o setor público e esperava se aposentar com R$ 20 mil, R$ 25 mil, considerando apenas o serviço público, vai ter de fazer diferente.

Vai ter de pegar todo histórico das contribuições - privadas e públicas - e fazer a média. Isso dá uma redução de mais de 40% no valor do benefício. Tem um monte de gente nessa situação. Os funcionários públicos ficaram em polvorosa por causa disso, nervosíssimos. Essa é uma das coisas importantes do relatório.

E quais seriam as outras?

Tem uma segunda, fundamental, que a maioria também demorou para perceber: a regra de transição proposta pelo relator reduziu as idades mínimas lá na ponta, mas estabeleceu idade mínima no começo - algo que não tinha. Toda a transição de um regime para outro agora tem idade mínima.

Mas o que muda na prática?

Significa que governo cedeu mais no longo prazo e apertou no curto prazo. Nos primeiros dois anos, a proposta do relator dá mais ganho fiscal do que a proposta original. Passei duas madrugadas checando. Pela proposta original, a pessoa teria de pagar um pedágio: trabalhar 50% mais do que o previsto pela regra atual. Mas poderia se aposentar mais cedo do mesmo jeito.

Ao fixar a idade mínima na regra de transição, aquelas pessoas que iriam se aposentar com 47 ou 48 anos, não podem mais. Isso é muito forte. Vou dar um exemplo. Considere uma professora que tem 44 anos e está a um ano de se aposentar. Pela regra anterior, pagava os 50% de pedágio - um ano e meio. Se aposentaria com 45 e meio. Agora, não. Ela não pode se aposentar antes de chegar aos 50 anos.

O que o governo fez: cedeu na idade final, mas endureceu a transição. Isso é bom porque economiza no curto prazo e dá tempo para que um novo governo possa fazer os ajustes que o atual governo não conseguiu.

De quanto é esse ganho?

É pequeno, mas traz mais economia nos dois primeiros anos do que o esperado na proposta original. A regra do relator é melhor do que a proposta pelo governo. No primeiro ano, 0,7% de ganho em relação à proposta original; no segundo, 0,15%. Aí volta a perder. Em cinco anos, dá uma perda de 9% em relação à proposta original. Em dez anos, de 23,4%.

E quando seria necessário fazer uma nova reforma?

Já no próximo governo. Em 2019 precisa haver uma nova reforma. Estou sendo muito criticado pelos meus colegas por dizer isso. Eles acham que estou enfraquecendo a proposta atual, como se eu tivesse algum poder. Mas não é verdade. Tem de fazer esta reforma agora e outra, depois.

Mas são apenas dois anos...

Vamos precisar corrigir o que não fizeram agora, oras. Precisa igualar a idade entre homem e mulher. Precisa alterar a regra da aposentadoria rural. Sabe o que vai acontecer porque não mexeram adequadamente na rural, por exemplo? Do jeito que ficou, todo mundo em cidade pequena, abaixo de 50 mil, 60 mil habitantes, vai virar trabalhador rural.

Existe espaço para o governo ceder mais?

Não. Se ceder mais, desmonta a espinha dorsal da reforma. Isso não está no meu cenário hoje. Já estive apreensivo em relação a essa reforma. Hoje, considero que ela já está aprovada. Com o resultado da votação da reforma trabalhista na Câmara, não tenho dúvidas disso. O governo deu demonstração de articulação até agora. Fez bem em chamar e punir quem ameaçou votar contra. É assim que se faz: tira cargo, tira verba. Fim de papo.As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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