Previdência: o percurso da reforma encaminhada no governo Lula foi bem mais breve e tranquilo (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Da Redação
Publicado em 23 de novembro de 2017 às 16h59.
Última atualização em 23 de novembro de 2017 às 19h32.
Dados o rombo fiscal e o envelhecimento em curso no Brasil, seria de se esperar que esses fossem motivos mais do que suficientes para a aprovação da reforma da Previdência, mas não é isso que estamos vendo. Temer tem encontrado forte resistência à sua proposta no Congresso, o que tem obrigado a sua equipe a reelaborar o projeto original, de forma a torná-la mais palatável e capaz de construir uma base legislativa que garanta a sua aprovação.
Reformas da Previdência costumam ser iniciativas de difícil realização em regimes democráticos e tendem a sofrer derrotas em função de sua alta impopularidade, o que faz com que o legislador resista em apoiá-la para evitar a perda de votos nas eleições.
No caso de emendas constitucionais, para serem aprovadas, são exigidos 60% de apoio (os famosos três quintos) por dois turnos de votação em cada casa legislativa, o que torna a tarefa ainda mais complexa.
A dificuldade que Temer enfrenta atualmente ocorreu tanto na reforma de FHC, em 1998, quanto na de Lula, em 2003, mesmo que ambos tenham conseguido aprová-las. FHC se viu obrigado a reduzir a abrangência do projeto para evitar a desintegração total.
A pauta da idade mínima, que retorna ao debate hoje, foi retirada, sendo criado o fator previdenciário como forma de compensação. Lula, ainda que em menor escala, também sofreu grande oposição ao seu pacote reformista, concentrado no setor público.
Observando em retrospecto os determinantes para a aprovação das reformas desses governos e refletindo de forma propositiva sobre o pacote que Temer tenta aprovar, o que é possível mostrar?
Assim como hoje, ambas ocorreram em cenários de importante preocupação fiscal e de transformações demográficas em aceleração. É razoável pensar que em 1998 e 2003 o Executivo desses governos podia impor estrategicamente as suas preferências em relação àquelas correspondentes à tendência central do Congresso, enfrentando diferentes graus de resistência até a aprovação.
Analisando separadamente, a de FHC sofreu muito mais oposição do que a de Lula, e isso se deveu em grande parte ao seu escopo, mas, principalmente, porque o comportamento da oposição em relação ao projeto de FHC foi muito mais duro do que foi para Lula. Vamos aos fatos.
Em 1998, FHC tinha vencido a reeleição no primeiro turno em outubro e sua reforma foi aprovada em 15 de dezembro, nos últimos dias de seu primeiro mandato. Após ser desfigurado na Câmara e parcialmente reconstituído no Senado, um projeto bem menos ambicioso que o original foi aprovado na primeira casa, mais de três anos e oito meses após sua proposição inicial.
Nessa longa tramitação, o governo FHC sofreu oito derrotas em plenário e três na Comissão de Constituição e Justiça. A contribuição dos inativos foi derrotada na proposta de emenda constitucional (PEC) e aprovada somente na forma de projeto de lei após uma convocação extraordinária do Congresso.
Além disso, o governo tentou estabelecer uma idade mínima para a aposentadoria de todos os trabalhadores, mas o projeto foi derrotado na Câmara dos Deputados; Como forma de minimizar o impacto da não-fixação da idade mínima da aposentadoria para os trabalhadores do INSS foi aprovada a Lei 9876, que deu origem ao fator previdenciário, uma fórmula cujo objetivo é dar sustentabilidade ao sistema previdenciário, reduzindo o benefício de quem pretende se aposentar mais cedo.
O percurso da reforma encaminhada no governo Lula foi bem mais breve e tranquilo. Em abril de 2003, no início de seu primeiro mandato, o governo apresentou uma PEC concentrada no setor público, taxando servidores inativos e fixando idade mínima para a aposentadoria de funcionários públicos.
Foram quatro meses de tramitação na Câmara, que a aprovou com modificações em agosto, e mais quatro no Senado, onde incorporou novas alterações e foi aprovada em dezembro.
Na Câmara, as legendas de situação ofereceram graus de apoio muito semelhantes às reformas de FHC (84,8%) e Lula (85,9%). Já o apoio às reformas obtido fora da base governista foi minoritário na reforma de FHC (20,0%) e bastante alto na de Lula (66,1%), maior até que os três quintos exigidos da média geral.
Em 2003, a coalizão governista formalmente constituída ainda não incluía o PMDB, que participou do governo FHC e, na eleição de 2002, enfrentou o PT ao lado de José Serra (PSDB) indicando sua candidata a vice, Rita Camata. O PMDB só ingressaria formalmente na base aliada de Lula ao obter dois ministérios (Previdência e Comunicações) em janeiro de 2014, mas já negociava apoio a seu governo nos primeiros meses de 2003.
Foi o partido cujos deputados menos modificaram seu comportamento entre as reformas de FHC e Lula, aderindo até um pouco mais às orientações governistas na segunda (de 76,7% para 80,3% de votos favoráveis). Em contraste, o partido que mais mudou de comportamento entre as duas reformas foi o PT, concedendo apenas 10,0% de votos favoráveis à reforma de FHC, mas 89,1% à de Lula.
Ser da base governista ou da oposição é importante, mas nada costuma ser mais decisivo do que a orientação do líder partidário em cada votação, muitas vezes descolada do que se espera de um partido governista ou oposicionista. Historicamente, para um deputado governista, a orientação favorável do líder de seu partido aumenta sua propensão a acompanhar o governo em 60,3 pontos percentuais.
Na oposição, a influência dos líderes na Câmara é ainda maior, atingindo incríveis 70,5 pontos percentuais. Se um deputado oposicionista, por exemplo, vota a favor de apenas 20% das propostas do governo em condições “normais”, seu apoio ao governo tende a saltar para 90,5% nas ocasiões em que a liderança de seu partido orienta a bancada a fazer isso.
O Senado tende a ser mais constante e homogeneamente alinhado aos governos, o que torna o impacto de seus líderes partidários menor, mas ainda decisivo: 31,8 pontos na base governista e 61,5 pontos na oposição.
Nas duas casas legislativas, quando uma emenda constitucional chega a ser submetida à votação em plenário, o esforço prévio do governo em arregimentar a maioria qualificada de 60% aumenta o volume de apoio esperado, sobretudo na oposição, que tende a oferecer 5,9 pontos percentuais a mais de apoio na Câmara e 1,7 ponto adicional no Senado.
Por outro lado, esse bônus é compensado pelas perdas sofridas quando tal emenda propõe reformar a previdência, pois o tema, isoladamente, tende a subtrair votos. Uma exceção notável foi o que Lula obteve dos partidos que lhe faziam oposição no Senado, mas que lhe ofereceram um apoio extra de 3,2 pontos percentuais justamente ao votarem sua reforma da previdência.
É inevitável que o debate sobre reforma da previdência se desenvolva em torno de suas motivações fiscais e demográficas. No entanto, estas variáveis, observadas por si só, não têm se mostrado suficientemente capazes de explicar por que ocorrem ou não reformas da previdência em diferentes momentos no Brasil.
Para a compreensão do sucesso na aprovação de reformas como essa, é fundamental voltar a análise para o comportamento dos atores políticos que atuam nesse processo, assim como para a dinâmica da disputa no campo político.
Com um déficit público gigantesco, uma população cada vez mais envelhecida e mais da metade do gasto primário federal já comprometido com benefícios para idosos, o governo Temer tem dois grandes desafios. O primeiro é organizar a base para a aprovação do pacote de reforma, garantindo assim os votos dos partidos que sempre apoiaram a pauta.
Contudo, o mais difícil, mas também muito importante, é conquistar o apoio de parte dos líderes da oposição. Caso contrário, a aprovação será improvável, restando ao governo fatiar a proposta, encaminhar o que for possível em forma de projetos de lei e medidas provisórias ou deixar a inevitável tarefa de reformar para o sucessor.