Economia

Reduzir juros é sempre bom. Usar FGTS como garantia complica, diz Marcos Lisboa sobre consignado CLT

Um dos responsáveis por ampliar o acesso ao consignado durante o primeiro governo Lula, Lisboa afirma que o ponto crítico da atual medida é o trabalhador "poupar a 4% ao ano, mas pagar 40% de juros sobre o empréstimo"

Marcos Lisboa: ex-secretário da Fazenda afirma que crédito consignado para CLT tem muitos méritos (Lucas Pricken/STJ/Divulgação)

Marcos Lisboa: ex-secretário da Fazenda afirma que crédito consignado para CLT tem muitos méritos (Lucas Pricken/STJ/Divulgação)

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 30 de março de 2025 às 08h00.

Com milhões de simulações e mais R$ 180 milhões em empréstimos contratados em média por dia, o crédito consignado para trabalhadores com carteira assinada (CLT) é avaliado por Marcos Lisboa, economista e ex-secretário de Reforma Econômica durante o primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como um projeto com “muitos méritos”.

Um dos responsáveis por desenhar o conjunto de medidas que ampliou o acesso ao consignado no começo dos anos 2000, Lisboa afirma, porém, que o ponto crítico da medida está relacionado ao uso do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como garantia desses empréstimos.

"Reduzir taxa de juros é sempre bom. Você reduzir o custo da operação financeira é sempre muito saudável para o trabalhador. Mas o ponto complicado é a questão do FGTS. O FGTS é uma poupança forçada do trabalhador, remunerada a 4% ao ano. E para conseguir o empréstimo, ele vai pagar perto de 40% ao ano", afirma em entrevista à EXAME.

O governo federal anunciou que, em uma semana de programa, os trabalhadores já contrataram mais de R$ 1,28 bilhão em empréstimos por meio do crédito consignado CLT. A iniciativa visa ampliar o acesso ao crédito com taxas de juros mais baixas. A taxa de juros de referência apresentada no momento da simulação é de 3% ao mês, mas pode variar segundo o perfil de crédito do trabalhador.

Levantamento do PROCON-SP de fevereiro mostrou que a taxa média de juros cobradas para empréstimo pessoal em seis bancos pesquisados foi de 8,01% ao mês. 

Além de falar sobre crédito consignado, Lisboa afirmou que o arcabouço fiscal "não é consistente" por criar uma "armadilha", onde o aumento da receita leva ao aumento das despesas. "O governo está tentando adiar a solução, mas vai ter que lidar com isso", afirmou.

O economista comentou ainda sobre o PIB potencial do país, a reforma tributária, a proposta do governo em isentar de imposto de renda quem recebe até R$ 5.000, além de mostrar preocupação com os impactos para o Brasil da política tarifária do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Leia a entrevista completa com Marcos Lisboa.

Você participou da construção de medidas que ampliaram o acesso ao consignado para servidores e aposentados do INSS. Qual a sua visão sobre a medida do consignado para trabalhadores com carteira assinada? 

Olha, a medida tem muitos méritos. A evidência empírica mostra uma queda expressiva da taxa de juros na medida em que você melhora a garantia das operações de crédito. Trabalhos de João Manuel Pinho Mello, Bruno Funchal e outros [economistas] mostram isso, inclusive na área fiduciária para automóveis, por exemplo. A medida tem esse mérito. Ela pode permitir uma menor taxa de juros para os trabalhadores formais.

Você vê algum ponto crítico dessa medida? O governo acelerar o crédito em um momento que o BC aumenta juros para combater a inflação. 

Reduzir taxa de juros é sempre bom. Você reduzir o custo da operação financeira é sempre muito saudável para o trabalhador. Mas o ponto complicado é a questão do FGTS. O FGTS é uma poupança forçada do trabalhador, remunerada a 4% ao ano. E para conseguir o empréstimo, mas ele vai pagar perto de 40% ao ano. Por que não liberar a poupança do trabalhador? Isso [FGTS] acaba subsidiando outros programas como os habitacionais, mas isso não deveria estar no orçamento? O trabalhador formal financia, pagando uma taxa de juros muito mais alta para subsidiar moradia popular. Não vejo essa discussão sendo tratada no Congresso ou no Executivo.

O ponto complicado é a questão do FGTS. O FGTS é uma poupança forçada do trabalhador, remunerada a 4% ao ano. E para conseguir o empréstimo, mas ele vai pagar perto de 40% ao ano

Você acredita que a medida é realmente estrutural e vai perdurar por anos?

Sim, mas o ponto complicado é exatamente o FGTS. Isso não deveria ser uma poupança forçada. O trabalhador está sendo obrigado a poupar a 4% ao ano, mas vai pagar 40% de juros sobre o empréstimo. Isso não faz sentido.

Sobre o orçamento e o arcabouço fiscal, qual a sua visão? O governo tem dado sinais de falta de controle, com aumento das despesas e emendas parlamentares.

O arcabouço não é consistente. Ele tem problemas graves de consciência interna. Ele trouxe de volta uma série de regras obrigatórias, e o governo tem aumentado as despesas públicas sistematicamente. Criou uma armadilha: quando aumenta a receita, tem que aumentar a despesa. Esse problema vai ter que ser enfrentado este ano ou no próximo. O governo está tentando adiar a solução, mas vai ter que lidar com isso. O governo terá que lidar com um problema que ele mesmo criou.

Você acredita que o modelo do teto de gastos, adotado durante o governo Michel Temer, seria mais saudável para o país?

O teto de gastos limitou o crescimento das despesas públicas, o que teve impactos positivos para o país. As taxas de juros caíram, a inflação diminuiu e a economia cresceu. A opção atual é, por um impulso fiscal forte, trazer crescimento. Mas isso gera desequilíbrios, como aumento da dívida pública e da taxa de juros de mercado. Isso vai ter um custo grave no futuro.

Alguns economistas defendem que reformas, como a trabalhista e da previdência, aumentaram o PIB potencial do país. Você acha que isso explica o crescimento recente ou é mais o impulso fiscal do governo?

As reformas iniciadas pelo governo Temer geraram um impacto positivo, principalmente para sair da crise econômica grave. O impacto sobre o PIB potencial é um tema a ser mais analisado. Mas, muitas dessas reformas têm sido revertidas nos últimos anos. A reforma trabalhista, por exemplo, sofreu retrocessos muito grandes, especialmente nos últimos tempos. E algo curioso é que a esquerda e a direita do Brasil se alinham em muitas questões de que causam retrocessos, como emendas parlamentares e subsídios para o setor elétrico, por exemplo.

Em relação à desoneração da folha de pagamento e o auxílio às empresas pós-pandemia, como você vê essa questão?

O PERSE [programa que isentou de impostos diversos setores desde a pandemia] foi um retrocesso. A desoneração da folha não teve um impacto positivo avaliado adequadamente. Reverter essas desonerações seria importante, mas temos muito mais problemas, como o Simples, a zona franca de Manaus, e gastos do Judiciário, que têm crescido significativamente. Existe um certo descontrole da despesa pública, tanto à direita quanto à esquerda, com apoio de todos os lados.

Em relação à reforma tributária, qual a sua visão sobre o que já foi aprovado? E sobre a proposta de isenção de imposto de renda? 

Acho que foi uma oportunidade perdida. A reforma do imposto de consumo é boa frente ao desastre que é a tributação sobre o consumo no Brasil, mas ficou muito pior do que o esperado. A sensibilidade do governo e do Congresso aos grupos de pressão resultaram em uma proposta cheia de falhas e distorções, como o IVA dual e benefícios para grupos específicos, como agronegócio e profissionais liberais. Já o imposto de renda é uma medida populista, não é uma correção real da tabela. O governo não enfrentou os problemas principais da tributação sobre a renda, e ficou parecendo uma solução criativa de curto prazo para fechar uma conta de uma promessa eleitoral.

Como você vê o cenário para o ano pré-eleitoral? O governo vai enfrentar o problema fiscal ou vai continuar aumentando os gastos?

Eu vejo com preocupação. Espero que não vivamos um 2013 de novo. A herança da eleição de 2026 pode ser muito cara.

E como você avalia o impacto do cenário internacional, especialmente com a guerra tarifária que Trump está promovendo?

Eu vejo isso com muita preocupação. A medida do governo americano está indo em uma direção desastrosa. O Brasil, porém, deve tomar cuidado, porque o que o governo americano está fazendo é o que o nosso país faz há décadas: uma economia fechada, protecionista, dominada por lobbies. O Brasil não é pobre à toa. Não podemos reclamar das ações do governo americano, pois temos feito isso há 50 anos.

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