Moeda de cinquenta centavos e seu reflexo (Cris Cantón/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 4 de maio de 2020 às 14h07.
A forte alta do dólar, que faz do real a pior moeda do mundo este ano, pode ter um efeito colateral positivo: melhorar as contas externas e ajudar a evitar uma queda ainda mais dramática do PIB como efeito do coronavírus.
O Brasil passou de um déficit em conta corrente nos dois primeiros meses do ano para superávit de US$ 868 milhões em março, o melhor resultado desde maio de 2017. A balança comercial teve superávit de US$ 4,7 bilhões no mesmo mês, acima do previsto. Para os analistas, os resultados já mostrariam o impulso do câmbio às exportações, enquanto as importações tendem a cair com alta do dólar e queda do consumo.
As contas externas podem ter um movimento semelhante ao que ocorreu quando o dólar disparou antes da eleição de Lula, levando à redução do então elevado déficit em conta corrente do país, disse Luiz Fernando Figueiredo, sócio-fundador da Mauá Investimentos e que em 2002 era diretor de Política Monetária do Banco Central. A diferença, diz o economista, é que desta vez as contas externas já estavam mais saudáveis mesmo antes do salto recente do dólar, que passou de R$ 4,00 no final de 2019 até R$ 5,74 na máxima intradiária atingida em abril.
Mesmo após as vendas de dólar realizadas pelo Banco Central este ano, as reservas ainda estão perto de US$ 340 bilhões, contra menos de US$ 40 bilhões em 2002. Segundo Figueiredo, naquele ano, a “fragilidade externa gigante” do país ainda decorria do fato de a dívida pública ser indexada ao câmbio. Hoje, o governo tem mais ativo do que passivo cambial e a dívida se reduz quando o dólar sobe, disse o ex-diretor do BC.
O país pode reduzir um pouco o nível das reservas para abater dívida pública, afirmou o ministro da Economia, Paulo Guedes. O Brasil está ampliando as exportações de produtos primários para a Ásia, o que ajuda a amortecer o efeito da crise, disse ele em teleconferência na terça-feira.
Para Figueiredo, o BC deveria intervir com mais força, pois reservas na casa de US$ 200 bilhões seriam suficientes para proteger o país. “O Banco Central tem sido tímido no câmbio.”
O impacto do câmbio depreciado sobre balança comercial tende a acontecer com atraso, mas como o real vem se depreciando há um tempo considerável é provável que haja uma melhora nos resultados, diz Gustavo Rangel, economista-chefe do ING para América Latina.
Um câmbio depreciado sempre pode ser interessante para aumentar a exportação e substituir importações, diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. O efeito maior, contudo, deve ocorrer nos embarques de alimentos, pois no setor industrial a troca de produtos estrangeiros por nacionais é mais complicada. “Tirando o agronegócio, que tem demanda cativa na China e aqui dentro por razões óbvias, o resto acaba não se beneficiando tanto da depreciação nesse momento”, disse Vale.
O governo quer o dólar alto para inicialmente estimular o agronegócio e “atenuar o desastre” de uma recessão muito profunda, disse Sidnei Nehme, diretor-executivo da corretora NGO. Num segundo momento, ele acredita que até mesmo a exportação da indústria se beneficiaria do câmbio depreciado.
(Com a colaboração de Rafael Mendes).