Crianças brincam com cornetas com as cores do Brasil em loja do comércio popular no Rio de Janeiro (Ricardo Moraes/Reuters)
João Pedro Caleiro
Publicado em 19 de dezembro de 2017 às 12h16.
Última atualização em 19 de dezembro de 2017 às 15h03.
São Paulo - A renda do brasileiro cresceu mais do que os seus gastos pela primeira vez em 3 anos, de acordo com pesquisa divulgada nesta segunda-feira (18) pela Nielsen.
O levantamento, realizado desde 2013 com uma amostra de 8.400 lares que refletem a realidade de 49 milhões de famílias, foi feito em junho.
Os números mostraram crescimento da renda de 11% contra crescimento de apenas 1% nos gastos, deixando um saldo relativo de quase 10% no bolso dos trabalhadores.
É uma reversão forte do cenário visto nos últimos anos. De 2014 para 2015, o brasileiro perdeu mais renda do que conseguiu cortar no seu orçamento, fazendo a relação entre os dois ficar negativa em 4,4%.
De 2015 para 2016, surge um equilíbrio no ritmo de queda da renda (que foi de R$ 3.559 para R$ 3.118) e dos gastos (de R$ 3.772 para R$ 3.118). Agora, a renda cresce mais que o gasto, fruto de uma conjunção de fatores positivos.
Um deles é a queda da inflação, que após atingir dois dígitos em 2015 caiu para um patamar abaixo do piso da meta do governo (3%) puxada por uma desinflação intensa dos alimentos ao longo do ano.
Outro fator é o desemprego, que começou a recuar já na metade do ano, ainda que impulsionado majoritariamente pelo emprego informal.
Os números do ano também refletem o saque das contas inativas do FGTS. 27,2% das famílias monitoradas se beneficiaram e quase metade (46,6%) usaram o recurso adicional para quitar dívidas.
Depois de guardar ou investir, 11,6% usaram o dinheiro para fazer compras, com destaque para itens como cervejas, refrigerantes, fraldas descartáveis e escova de dentes.
O estudo da Nielsen permite ver o impacto da crise brasileira, uma das mais graves da história moderna do país, sobre os diferentes grupos sociais e regiões.
A Grande São Paulo, por exemplo, viu a renda crescer 10% contra 3% de alta do gasto em 2017. A Grande Rio de Janeiro registrou cenário oposto: os gastos crescem 19% e a renda apenas 11%.
Um dos fatores para isso foi uma alta de 24% nos gastos com saúde das famílias cariocas, possivelmente um reflexo do colapso da saúde pública na região.
Quem nunca entrou na crise
Em 2017, quase metade (48,2%) dos lares brasileiros ficaram relativamente preservados da crise: sem acumular dívida e sem perder o emprego.
Dentro deste grupo estão aqueles que não viram a crise de perto em nenhum momento dos últimos anos (26%).
Os que nunca foram impactados são em sua maioria das classes AB (30%) e DE (32%), sem crianças (62%), com famílias de até dois membros (51,2%) e moram no estado de São Paulo (32,6%).
A crise passou mais longe, portanto, de famílias menores, de regiões mais ricas, que sempre tiveram condições melhores e que gastam mais na média, mas com cautela, segundo a Nielsen.
Quem entrou e conseguiu sair
Há também aqueles que entraram na crise no ano anterior mas conseguiram sair (22,2%). O fator de recuperação foi um novo emprego para 80,4% e quitação de dívidas para 19,6%.
O grupo dos que se recuperaram são em sua maioria da classe C (54,4%), sem crianças (50,2%) e com famílias de três a quatro membros (49,1%).
Eles estão mais presentes em lugares como Nordeste, Minas Gerais e interior do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.
É um grupo que controla bastante o seu orçamento, gastando bem menos que a renda especialmente em lazer, já que sua prioridade máxima é sempre ter as contas em dia.
Quem entrou (ou ficou) na crise
Metade (51,8%) dos lares brasileiros ainda são impactados pela crise, dividido entre aqueles que estão nessa situação desde o ano passado (37,4%) e os que entraram na crise neste ano (14,4%).
Esse grupo é representado predominantemente pela classe C (52%), com crianças de 6 a 11 anos (12,4%) e famílias de cinco ou mais componentes (24,5%).
Nestes grupos, chama a atenção a troca por marcas mais baratas e a preocupação de ganhar ou manter um emprego ou uma renda extra.
As alternativas incluem trabalhar como diaristas, babá ou pet walkers (24%) ou com aplicativos de táxi (4%), assim como fazer venda direta (18%) e bolos caseiros salgados (12%).
2018
E se a economia continuar melhorando no ano que vem, o que deve acontecer com o consumidor? A Nielsen aponta que ele deve aumentar o consumo com supérfluos, mas sem descontrole.
“Com a crise, ele aprendeu a planejar suas compras, economizar por meio do gerenciamento de seus gastos, fazer opções inteligentes quanto à escolha de produtos e canais”, diz Ricardo Alvarenga, especialista em entendimento do consumidor da Nielsen, em nota para a imprensa.
Os consumidores também citaram na pesquisa que sua prioridade é voltar a comprar marcas mais caras, deixadas de lado no momento mais agudo de crise.