Posto de combustível: diesel teve desoneração prorrogada, e gasolina foi mais onerada do que etanol (Peter Kneffel/dpa/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 1 de março de 2023 às 15h04.
Última atualização em 1 de março de 2023 às 17h36.
Duas medidas que alteram o preço dos combustíveis começaram a valer nesta quarta-feira, 1º de março. O governo federal voltou a cobrar impostos federais que haviam sido zerados de forma temporária no auge da alta dos combustíveis enquanto, paralelamente, a Petrobras reduziu o valor cobrado por diesel e gasolina em suas refinarias.
Os impostos federais sobre vários combustíveis estão zerados desde o segundo semestre do ano passado. Na decisão sobre a volta dos tributos, o Ministério da Fazenda estabeleceu que o diesel continuará com impostos federais zerados até o fim do ano, e que o etanol será menos onerado do que a gasolina.
As decisões foram divulgadas na noite de terça-feira, 28, último dia de validade da medida provisória que prorrogou a desoneração. Veja abaixo o que se sabe sobre os preços da gasolina e etanol até agora.
A Abicom, associação de importadores de combustíveis, estima alta de R$ 0,25 por litro de gasolina ao consumidor com a combinação entre a volta dos tributos e o corte no preço da Petrobras.
Pelo lado da tributação, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou nesta terça-feira, 28, a volta da cobrança do PIS e Cofins sobre gasolina e etanol a partir de 1º de março. A Medida Provisória que mantinha os tributos zerados expirou no dia 28 de fevereiro.
Na outra ponta, a Petrobras também anunciou redução nos preços da gasolina e do diesel vendidos a suas distribuidoras.
Assim, com as duas medidas combinadas, Haddad afirmou em coletiva de imprensa que o saldo do impacto médio no litro de gasolina ficou em R$ 0,34. No entanto, o preço final ao consumidor inclui ainda mistura com etanol anidro e as variações em cada localidade, o que faz a projeção média da Abicom ser mais baixa do que o saldo oficial. Ainda serão precisos alguns dias para verificar como a alta teve efeito na prática (veja os detalhes abaixo).
No caso do etanol, os tributos continuam perto de zero na prática. Com a alta menor via tributos, de R$ 0,02 por litro, o valor deve seguir com variações naturais de mercado, mas pouco impacto real da reoneração.
A Fazenda já havia adiantado que o etanol seria menos onerado por impostos do que a gasolina, por ser um biocombustível feito com cana-de-açúcar e, portanto, renovável. Um etanol mais barato do que a gasolina de forma competitiva era uma demanda do setor.
Se voltassem as alíquotas anteriores, a alta do etanol seria em torno de R$ 0,24 por litro, segundo projeção anterior da Abicom. No fim, a decisão do governo foi por manter o etanol com subsídio maior.
Para o consumidor na ponta, porém, o preço do etanol e de outros combustíveis nos postos varia de estado para estado e até mesmo entre bairros da mesma cidade. Na semana entre 19 e 25 de fevereiro, no último levantamento semanal da ANP e antes da nova alíquota, um litro de etanol hidratado foi encontrado vendido na mínima de R$ 3,09 em um posto e na máxima de R$ 6,77 em outro.
O diesel continuou com impostos federais zerados. O único fator que afeta o preço do diesel diretamente nesta semana é o corte de R$ 0,08 promovida pela Petrobras.
Isso ocorreu porque o diesel é um combustível visto de forma diferenciada em relação à gasolina. Embora seja fóssil, tem impacto direto no preço da logística (por ser combustível dos caminhões) e no transporte público via ônibus. O diesel já vinha com impostos federais desonerados mesmo antes de 2022.
Por isso, já era dado como provável que o diesel continuasse com impostos federais zerados.
"A gasolina tem um peso muito grande no IPCA, então, acaba sendo importante para a meta de inflação", disse em entrevista anterior à EXAME André Braz, do Ibre/FGV. "Mas não é tão importante para os mais pobres, porque normalmente famílias de baixa renda não têm carro. O combustível que impacta os mais pobres é o diesel, porque tem movimento de frete e ônibus urbano."
Outro argumento em favor de manter a desoneração do diesel é que o combustível, apesar dos subsídios atuais, segue com valores bastante altos - com diesel tendo valor médio acima de R$ 6 atualmente e superior ao da gasolina, o que é incomum.
O governo aponta que não houve um aumento de carga tributária, mas o retorno de tributos que já existiam e haviam sido suspendidos temporariamente. O custo para manter a desoneração é de R$ 26 bilhões de reais ao ano para a União.
O retorno dos tributos foi calculado, segundo a Fazenda, de modo a arrecadar R$28,8 bilhões, que estão no plano de ação para reduzir o atual déficit do orçamento de 2023 de mais de 2% para a casa do 1% (valor anunciado por Haddad ainda em janeiro, em seu primeiro plano fiscal).
A decisão da Fazenda, ainda assim, foi por retornar com alíquotas menores do que as que existiam anteriormente. Se os impostos fossem retomados como eram, a alta seria maior: a Abicom estimava antes da divulgação das alíquotas aumento de R$ 0,69 na gasolina e R$ 0,24 no etanol.
A decisão sobre os tributos federais não inclui ainda o ICMS, um imposto estadual e que segue com alíquotas menores sobre os combustíveis do que as que existiam no começo de 2022. A questão é atualmente negociada entre estados e o governo federal. O custo para 2023 do ICMS menor é calculado em R$ 124 bilhões pelas secretarias estaduais.
Em levantamento semanal da ANP, feito antes das alterações nos impostos e na Petrobras para a semana encerrada em 25 de fevereiro (últimos dados disponíveis), os preços médios eram:
Paralelamente à decisão sobre os impostos, a Petrobras anunciou nesta terça-feira, 28, redução no preço médio de venda de gasolina e diesel às distribuidoras. O corte foi de R$ 0,08 por litro no preço do diesel e de R$ 0,13 no preço da gasolina. O novo preço passa a valer a partir de quarta-feira, 1º de março.
A redução no diesel é a segunda neste ano. O preço do insumo já havia sido cortado em 7 de fevereiro, com redução de R$ 0,40 na ocasião.
As mudanças vão em linha com a política de paridade com preços internacionais (PPI) adotada pela Petrobras desde 2016. Os preços da Petrobras tinham margem para redução, diante de momento mais favorável do petróleo no mercado internacional.
"Lembrando que não está se discutindo política de preços da Petrobras. O que fizemos foi aguardar a decisão da empresa sobre o preço de março para tomar nossa decisão em relação à reoneração. O que faz todo sentido, até para orientar a sociedade em relação a isso", disse Haddad na terça-feira.
O preço estabelecido pela Petrobras não responde por todo o valor cobrado dos consumidores, mas a Petrobras tem influência no debate porque respondia durante a pandemia, em média, por 80% do refino da gasolina consumida no Brasil e 70% do diesel (os números reais são hoje mais incertos, após parte das refinarias ter sido privatizada).
Além da estatal, parte do combustível consumido no Brasil já vem de refinarias recentemente privatizadas e de importadores, que vendem o combustível a preços mais próximo ao mercado internacional, independentemente da concorrência da Petrobras. Fatores como o preço do dólar em relação ao real e a cotação do barril de petróleo no exterior (que bateu recordes com a guerra na Ucrânia) afetam o cálculo do custo nas refinarias, tanto da Petrobras quanto nas já privatizadas.
No fim, o preço médio visto na bomba pelo consumidor final depende do preço nas refinarias, da margem de lucro das distribuidoras ao longo da cadeia de produção e dos impostos, federais ou locais (o ICMS estadual, por exemplo, varia de estado para estado). O litro final vendido ao consumidor conta ainda com 27% de etanol anidro (caso da gasolina) e 10% de biodiesel (caso do diesel).
Assim, para além da definição de preços da Petrobras, outros fatores impactam o preço final e não é possível estimar com precisão o quanto da redução será repassada aos consumidores.
Os impactos de devolver os impostos federais aos combustíveis variam para gasolina ou diesel. O subsídio da gasolina, para alguns especialistas, é caro e não é direcionado à parcela mais pobre da população, que deveria, em momento de poucos recursos governamentais, ser prioridade nas políticas. O uso de recursos bilionários no subsídio à gasolina é criticado por transferir o orçamento que poderia estar sendo usado em outras frentes.
A gasolina é usada em veículos de passeio, o que afeta principalmente a classe média. Segundo dados do IBGE, referentes ao período antes da pandemia, cerca de metade (pouco mais de 49%) dos lares brasileiros têm carro, enquanto 22% têm moto - alguns domicílios podem ter ambos, e aparecem duas vezes na contagem.
Além disso, o subsídio incentiva o uso de combustíveis fósseis, ao torná-los artificialmente mais competitivos e desincentivar o uso de alternativas renováveis, como o etanol de cana de açúcar ou transporte público.
Por outro lado, a gasolina tem peso importante na cesta do IPCA, principal índice inflacionário brasileiro. Se a gasolina fica mais cara, a inflação sobe, podendo afetar reajustes vinculados ao índice (como de salários e aluguel) e, com o tempo, a inflação brasileira como um todo. Esse é um argumento a favor de algum subsídio, sobretudo quando a gasolina está muito alta, como é o caso desde o início da guerra na Ucrânia.
Já o diesel tem outro cenário. O combustível é usado no abastecimento de caminhões e, pelo formato da malha brasileira, impacta os custos de logística de outros produtos, incluindo itens básicos, como alimentos. Nesse sentido, embora não seja usado diretamente pelos brasileiros, o diesel afeta os custos das famílias indiretamente, e é mais importante do que a gasolina para os que não têm carro.
Por isso, costuma ser defendido no geral que o diesel, embora também seja um combustível fóssil, deva ser prioritário na escolha das desonerações.
Em 2022, a inflação brasileira chegava perto de dois dígitos e a alta nos combustíveis vinha impactando os preços de forma generalizada, além de influenciar, na época, na disputa eleitoral em meio às eleições de outubro daquele ano. Todos esses fatores levaram o então governo do presidente Jair Bolsonaro a optar por zerar os impostos federais e, junto a lideranças do Congresso, aprovar a queda no ICMS estadual.
A desoneração no caso dos tributos federais terminaria em dezembro de 2022, mas o governo recém-empossado do agora presidente Lula optou por prorrogar a medida por dois meses em janeiro deste ano.
Quando os impostos foram cortados em 2022, os tributos federais respondiam por cerca de R$ 0,69 do litro de gasolina. Já o ICMS na mesma semana respondia por R$ 1,75 do preço da gasolina; hoje, o valor está em R$ 0,92, isto é, uma redução na casa dos R$ 0,80. Nem toda essa queda diz respeito às desonerações, uma vez que, de lá para cá, o preço do barril de petróleo no exterior também caiu com a equalização dos efeitos da guerra (o barril Brent chegou a bater 130 dólares, mas hoje está na casa dos 80 dólares).
Ainda assim, se o ICMS e os tributos federais voltarem a ser cobrados na medida antiga, é dado como certo que haveria pressão grande sobre os preços e a inflação - caso não haja queda brusca no patamar do barril de petróleo, o que não é previsto por ora.
O problema para os cofres públicos, porém, é que os subsídios custam caro. Além dos custos de R$ 26 bilhões no ano para a União, estados projetavam no começo do ano perder R$ 124 bilhões com a desoneração de combustíveis, segundo o Comsefaz, que reúne secretários da Fazenda estaduais.