Economia

Quando economistas preveem o futuro na borra de café

Além dos indicadores "sérios", economistas fazem profecias com base em números de vendas de cuecas e batons e construção de arranha-céus

Economistas apresentam diversos critérios para fazer suas previsões em difíceis cenários (MAURO PIMENTEL/AFP)

Economistas apresentam diversos critérios para fazer suas previsões em difíceis cenários (MAURO PIMENTEL/AFP)

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AFP

Publicado em 27 de março de 2018 às 11h15.

Última atualização em 27 de março de 2018 às 16h48.

O que têm em comum o número de filhos, as compras de papelão e as vendas de cuecas? Todos podem ser utilizados, combinados a indicadores tradicionais, para prever a evolução da conjuntura econômica.

Será que nos encaminhamos para uma crise? Para os economistas encarregados de fazer previsões, é difícil criar cenários infalíveis em um setor cheio de riscos latentes.

"Os modelos sobre os quais trabalhamos são fortes, mas sempre há fatores de incerteza. Não se trata de uma ciência exata", explica à AFP Mathieu Plano, investigador do Observatório Francês de Conjunturas Econômicas (OFCE).

Para estabelecer suas previsões, economistas e especialistas em estatísticas recorrem a indicadores chamados "avançados", como a confiança dos consumidores, o clima dos negócios, ou as permissões de construção.

Mas, além desses indicadores, considerados "sérios", existem outras ferramentas mais surpreendentes, que se destacam por sua capacidade "profética".

Entre essas ferramentas estão as vendas de papelão ondulado — que, em teoria, refletem as vendas de embalagens e, consequentemente, de produtos; e dão um sinal da produção futura das empresas. "Durante muito tempo, isso foi considerado o melhor para adivinhar a evolução da conjuntura. Hoje, é mais incerto, pois a economia se digitalizou muito", explica Alexandre Mirlicourtois, diretor de estudos na Xerfi.

Outro exemplo é a taxa de natalidade. Em um estudo recente, baseado nos casos dos últimos censos dos Estados Unidos, uma equipe de pesquisadores americanos constatou que o número de gestações começa a cair vários meses antes de acontecer uma recessão da econômica - o que poderia se tornar um sinal das mudanças de ciclos.

"A decisão de ter um filho reflete o nível de otimismo em relação ao futuro", que tende a baixar antes, inclusive caso se desencadeiem as recessões, explica a professora de Economia Kasey Buclkes, no portal da Universidade Notre-Dame de Indiana, Estados Unidos. A especialista considera a natalidade um indicador "tão pertinente quanto outros mais conhecidos" para prever o futuro.

Santo Graal

Outro dos indicadores mais conhecidos é o índice "arranha-céus", segundo o qual existiria uma relação entre a construção de enormes torres e o estouro de bolhas financeiras.

Em 1998, a inauguração das Torres Petronas (Kuala Lampur) antecedeu a crise asiática. Em 1973, a abertura do World Trade Center aconteceu pouco antes da crise do petróleo, e em 1929, as obras do Empire State Building coincidiram com a "grande crise". A causa estaria na facilidade do acesso ao crédito, que estimula os projetos faraônicos ao fim do ciclo.

Outros indicadores geram mais receio.

Há as vendas de gravatas, que supostamente deveriam disparar quando aparecem os primeiros sinais de turbulências, pois os trabalhadores estariam interessados em se apresentar da melhor forma possível para evitar uma possível demissão.

Mas também há previsões para as roupas íntimas masculinas, cujas vendas cairiam, a princípio, porque os homens considerariam essa despesa supérflua em caso de crise econômica.

Esse indicador se assemelharia ao "índice do batom", segundo o qual, em tempos de recessão, as mulheres deixam produtos caros de luxo, como bolsas, para se voltarem para batons mais baratos. A teoria, que se baseou no caso da crise de 1929, não resistiu à história dos ciclos econômicos.

"Isso pode parecer irracional, mas quando vemos de perto, existe certa lógica. O comportamento dos consumidores é muito revelador da situação econômica e das mudanças de tendências", destaca Mirlicourtois.

Mas esses indicadores "não convencionais" são confiáveis?" "Não estou certo de que sejam menos eficazes que as ferramentas convencionais, que também têm seus limite. O problema é que são difíceis de trabalhar", considera Christopher Dembik, diretor de pesquisa econômica no Saxo Banque.

Para Mathieu Plane, eles podem "servir para completar a análise", pero "não é com as vendas de maquiagem que alguém vai adivinhar a taxa de crescimento 2018-2019".

O comportamento dos atores econômicos, de fato, varia muito conforme o país e a época, o que complica a criação de modelos matemáticos.

"O que aconteceu em dado momento não tem por que necessariamente se reproduzir. Não há nada sistemático", indica Alexandre Mirlicourtois.

Para os céticos, a busca permanente por indicadores "proféticos" é mais um sintoma das fragilidades inerentes à previsão econômica.

"Há uma vontade de encontrar o Santo Graal, o indicador que permitirá prever tudo. E isso leva a encontrar correlações com todo tipo de fenômenos", aponta Christopher Dembik.

"A previsão funciona bem, mas em um contexto concreto", destaca Mathieu Plane, lembrando que "já é difícil por si só prever o presente".

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