Divergência entre Haddad e Silveira sobre o Gás para Todos gera nova tensão no governo. (Dado Galdieri/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 22 de setembro de 2024 às 14h23.
Alexandre Silveira caminhou animado até o púlpito montado no Ministério de Minas e Energia (MME) na manhã de 26 de agosto. Era dia de anúncio ao lado do presidente Lula e o auditório estava cheio. À plateia, disse que aquele era um momento histórico com o lançamento de um plano para transição energética e o “maior programa de acesso ao cozimento limpo do mundo: o Gás para Todos”.
“Vamos viver tudo que há pra viver, vamos nos permitir”, arrematou, cantarolando uma versão improvisada da música de Lulu Santos.
Do outro lado do palco, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sorriu. Uma semana depois, porém, aproveitou uma entrevista para dizer que Lula dera aval a mudanças no projeto.
O formato do programa, que muda o atual Auxílio-Gás, incomodou a equipe econômica e foi criticado por agentes do mercado, que viram um drible no arcabouço fiscal. A discussão técnica, porém, esconde um desconforto crescente entre os times de Minas e Energia e da Fazenda. Nos bastidores, integrantes da equipe de Silveira dizem que Haddad está tentando agradar a Faria Lima. Já, na Fazenda, a postura do MME é vista como "um festival de loucuras" que arrisca a credibilidade do ajuste fiscal e tem como pano de fundo pretensões eleitorais de Silveira.
A equipe econômica correu e já está pronta, à espera da apreciação do presidente, a proposta com reparos no Gás para Todos. Silveira, no entanto, fincou raízes na defesa do programa. Além de agradar Lula, o ministro mira defender uma vitrine: fornecer gás de cozinha a mais de 20 milhões de famílias de baixa renda.
Trata-se de um novo foco de tensão no governo. A divergência opõe Haddad a Silveira, numa disputa que, em breve, Lula terá de mediar.
“Não foi um anúncio apenas. O presidente assinou e enviou ao Congresso. Se o ministro Haddad quer oferecer outra fonte de financiamento, isso pouco interessa à política pública do MME. Quero que essas pessoas recebam o gás”, disse Silveira ao GLOBO. “Acredito na sensibilidade social do ministro para não deixar que esse projeto social naufrague.”
A reformulação do auxílio, que foi herdado do governo Bolsonaro, surgiu como uma sugestão da Casa Civil, interessada em abrir espaço no Orçamento para investimentos. Lula ouviu e, de pronto, deu uma ordem: a universalização do acesso ao gás.
O vale-gás hoje é um pagamento feito a cada dois meses a beneficiários do Bolsa Família. O projeto de lei encampado pelo MME e já enviado ao Congresso prevê a expansão do número de beneficiários e define que eles passarão a recolher um botijão bimestralmente.
Além disso, estabelece que a estatal PPSA (que vende petróleo do pré-sal que cabe à União) repasse valores para o programa diretamente à Caixa — ou seja, fora do Orçamento. O custo do programa sai dos R$ 3,5 bilhões atuais para R$ 14 bilhões em 2026 — ano de eleições presidenciais.
Apesar de Haddad assinar com Silveira o projeto de lei, técnicos da Fazenda dizem que a discussão foi açodada e o mecanismo pode abrir uma brecha para que outras despesas fiquem de fora das regras fiscais. A ordem é tentar colocar tudo dentro do limite de gastos. Silveira discorda e não vê reparos a serem feitos:
“O programa está mais do que pago. Ninguém vai impedir o presidente Lula de fazer políticas públicas para o povo”, diz Silveira.
Não é a primeira vez que Fazenda e MME entram em rota de colisão. Silveira tem sugerido projetos incompatíveis com os planos de Haddad de ajuste fiscal. Foi assim quando propôs soluções para baratear a conta de luz usando recursos do Tesouro e quando advogou pela retenção de dividendos extraordinários da Petrobras.
Silveira conta com a recente aproximação com Lula e com o apoio do ministro da Casa Civil, Rui Costa, que tem histórico de rusgas com Haddad e de quem se tornou amigo.
Desde o anúncio do Gás para Todos, Haddad e Silveira não se reuniram para tratar do assunto. Técnicos do MME dizem, inclusive, que não houve ordem do Planalto para modificar o programa e, com isso, os trabalhos seguem como antes.
Procurados, Fazenda e Casa Civil não comentaram.