Economia

Privatizem a Cedae: 5 pontos que explicam porque adiar o leilão é péssimo

Em meio à batalha jurídica, leilão de privatização da Cedae está agendado para hoje. Na véspera, Alerj tentou barrar processo, mas governo estadual conseguiu manter o certame

Estação de tratamento de esgoto da Cedae: o plano de licitação, elaborado pelo BNDES, prevê a divisão da área de concessão em quatro blocos e exigirá investimentos de R$ 30 bilhões durante os 35 anos de contrato (Cedae/Divulgação)

Estação de tratamento de esgoto da Cedae: o plano de licitação, elaborado pelo BNDES, prevê a divisão da área de concessão em quatro blocos e exigirá investimentos de R$ 30 bilhões durante os 35 anos de contrato (Cedae/Divulgação)

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Fabiane Stefano

Publicado em 30 de abril de 2021 às 06h01.

Última atualização em 30 de abril de 2021 às 11h03.

Esta reportagem faz parte da newsletter EXAME Desperta. Assine gratuitamente e receba todas as manhãs um resumo dos assuntos que serão notícia.

O leilão de concessão dos serviços da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) deve ocorrer nesta sexta-feira, 30. A realização do processo licitatório para a privatização da estatal foi centro de um embate entre a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e o governo do Estado na quinta-feira, 29. Depois que a Alerj aprovou um decreto que suspendia o leilão, o governo do Rio determinou que irá mantê-lo hoje e considerou inválida a decisão da Casa Legislativa.

É esperado para o dia de hoje que novas liminares judiciais tentem suspender a realização do leilão de venda. Isso acarretaria em mais um adiamento do processo que pretende aumentar os investimentos no abastecimento de água e tratamento de esgoto no Estado do Rio - e a longo prazo universalizar o acesso da população nas áreas da concessão aos serviços da empresa.

O plano de licitação, elaborado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), prevê a divisão da área de concessão em quatro blocos e exigirá investimentos de R$ 30 bilhões durante os 35 anos de contrato. Cerca de R$ 25 bilhões desse recurso terão de ser aplicados na universalização dos serviços nos primeiros 12 anos de concessão, e R$ 12 bilhões nos primeiros cinco anos.

A privatização da Cedae se arrasta desde 2016, quando a discussão sobre a concessão da companhia iniciou na Alerj. A lei que autorizou a privatização passou a vigorar em março de 2017, mas sofreu revezes nos anos seguintes. A retomada da discussão ocorreu no ano passado, com a edição de um decreto do Executivo pelo governador do Rio, Claudio Castro.

Especialistas ouvidos pela EXAME elencaram cinco motivos pelos quais o adiamento do leilão da Cedae será prejudicial à população e à própria empresa:

Esgoto sem tratamento

Cinco dos sete maiores municípios do estado do Rio de Janeiro tratam menos de 15% do esgoto. O programa de despoluição da Baía de Guanabara, que começou em 1995 com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento, ainda não acabou e tem obras interrompidas pela cidade.

"Ao longo de décadas, a Cedae priorizou o fornecimento de água e deixou o esgoto para depois, quando desse", diz Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil. "Só que os detritos que não são coletados e não são tratados vão para algum lugar."

Como pouco foi feito na expansão da infraestrutura de saneamento nos últimos anos, novos problemas surgiram. A geosmina, que deixa gosto e cheiro de terra na água distribuída, voltou a incomodar parte da população do Rio de Janeiro, um ano depois do problema surgir na região metropolitana.

Baixa capacidade de investimento

Aprovado no ano passado, o novo marco do saneamento básico prevê que a universalização dos serviços de fornecimento de água e de coleta e tratamento de esgoto seja completados até 2033. Para a meta ser atingida  na área de atuação da Cedae, são necessários investimentos de 25 bilhões de reais - recursos que o governo estadual e a empresa estatal não têm.

Em 2020, a Cedae registrou prejuízo de 247 milhões de reais e hoje a capacidade de investimento para expansão e para manutenção é estimado em um quarto da necessidade atual. Sem recursos federais e estaduais para injetar na empresa, a necessidade de privatizar a Cedae só aumentou.

Governança precária

Em pauta em mais de uma ocasião no ano passado por falhas no abastecimento de água, a Cedae segue protagonizando crises no fornecimento de seus serviços. Uma boa governança da empresa poderia aumentar a eficiência do atendimento à população e ajudar a contornar os problemas que a companhia enfrenta atualmente. A melhora nesse quesito em estatais, no entanto, tem chances piores se não houver o envolvimento de empresas privadas, afirma o pesquisador do Insper Sérgio Lazzarini, que estuda estratégia e organização no setor público.

Segundo ele, o controle estatal pode tornar o processo difícil. "Estatais estão sempre sujeitas a interferências políticas, então precisaria ter realmente um compromisso do governo para melhorar a governança. Por isso é interessante também ter empresas privadas", afirma.

Artigo elaborado pela pesquisadora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV, Juliana Smiderle sobre a empresa do Rio e publicado na Revista Conjuntura Econômica em março do ano passado apontou que apenas 2% dos contratos de prestação de serviços entre a Cedae e municípios possuíam metas definidas.

Além do baixo investimento, o Retorno sobre Patrimônio Líquido ficou muito aquém de outras companhias de saneamento avaliadas, como a Copasa, em Minas Gerais e a Sabesp, em São Paulo. O plano de privatização do BNDES para a empresa, em contrapartida, adota metas claras e especificação de como ocorrerá o seu acompanhamento.

Propulsor de concessões na área

O plano de privatização da Cedae poderá servir como um exemplo da implementação do modelo de concessão na área do saneamento básico, aponta Lazzarini.

O especialista destaca que com o novo marco do saneamento, aprovado no ano passado, a possibilidade da ampliação do acesso à rede de saneamento básico com participação da iniciativa privada pode avançar.

"É bem importante que fosse para frente. A gente implementaria esse modelo de participação privada em saneamento, que já tem um marco definido", afirma. "É desejável ter mais ofertas de serviços privados. O marco do saneamento coloca isso, além das metas de universalização e expansão do serviço", ressalta.

Segurança jurídica em risco

Há anos a privatização da Cedae é considerada a solução para que a companhia consiga enfrentar os desafios da universalização. Desde 2016, uma batalha jurídica envolvendo a estatal, o governo federal, o estado do Rio de Janeiro e os municípios atendidos pela empresa de saneamento se arrasta.

A possibilidade de uma nova rodada de adiamentos pode colocar em risco o apetite de investidores como a Equatorial EnergiaIguá Saneamento e Aegea, que estão entre as 12 empresas que agendaram mais de 2.000 visitas técnicas para conhecer as instalações da Cedae. 

 

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