Economia

Previdência não exige reforma como vem sendo dito, diz economista do PT

Marcio Pochmann, coordenador econômico do partido, defende uso das reservas para financiar investimento e Constituinte para reforma tributária

Marcio Pochmann em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado (Pedro França/Agência Senado)

Marcio Pochmann em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado (Pedro França/Agência Senado)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 23 de agosto de 2018 às 11h00.

Última atualização em 23 de agosto de 2018 às 11h38.

São Paulo - A Previdência "não precisa de uma reforma tal como está sendo falada", de acordo com o economista Marcio Pochmann.

Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) entre 2007 e 2012 e professor da Unicamp, o gaúcho de 56 anos coordena o programa econômico do Partido dos Trabalhadores (PT).

O candidato registrado pelo partido é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas como ele está preso, deve ser substituído pelo ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, atual vice da chapa.

Pochmann também defende a revogação do teto de gastos e da reforma trabalhista, o uso das reservas internacionais para financiar investimentos e a inclusão da reforma tributária em uma Constituinte.

Veja os principais trechos da entrevista realizada por telefone na última terça-feira (23):

EXAME - O PT esteve no poder nos 12 anos anteriores e durante o agravamento da recessão. O programa faz uma avaliação crítica do que deu errado?

Marcio Pochmann - O programa da coligação teve três etapas. A primeira, no final de 2016, contou com a comissão liderada pela Dilma, e a presença de Lula, gestores, estudiosos e ex-ministros. Ela avaliou a experiência do PT e fez um balanço critico dela.

Isso serviu como subsídio para a segunda etapa, que foi a escuta com a sociedade, já muito diferente daquela encontrada pelo PT em 2003, e levou à construção de uma visão do Brasil.

A última etapa foi a síntese que gerou o documento com cinco eixos, uma forma diferente dos programas das sete eleições presidenciais das quais o PT participou e que atualmente se encontra, na nossa visão, em processo arbitrário que de certa maneira compromete a própria democracia.

Estamos mais preocupados não com o passado, mas em como sair da crise atual, que é dramática. O programa tem um plano para enfrentar isso com encadeamento de ações para os próximos 4 anos.

Existe um plano para reverter o déficit primário? O governo Lula teve superávits acima de 3% do PIB. Há alguma meta nesse sentido?

Nós pegamos um governo quebrado, com inflação acima de 10%, desordem nas contas públicas e endividamento elevado. Mesmo no último momento da presidenta Dilma, a dívida líquida sobre PIB era menor do que a que pegamos em 2002.

Há um aprendizado de que o enfrentamento do problema fiscal requer crescimento econômico. O período em que tivemos melhores resultados fiscais foi o período em que o Brasil mais cresceu.

Talvez este seja um ponto diferenciador das demais candidaturas, que colocam primeiro o fiscal para depois crescer; nós partimos do inverso. E para crescer é adotar esse plano emergencial.

Quais são as medidas prioritárias para mudar o ciclo?

A primeira é retomar obras paralisadas no setor público: há mais de 7 mil, já licitadas e muitas próximas ao encerramento. Vamos retomar, inclusive com o foco de Minha Casa Minha Vida.

Na sequência, a liberalização da renda das famílias pela redução de impostos na base da pirâmide social, isentando do Imposto de Renda quem ganha até 5 salários mínimos, concomitante com a elevação da tributação para as rendas bastante elevadas.

Ao mesmo tempo, enfrentar o problema do endividamento, e para isso uma ação contundente de redução de juros, especialmente no custo do dinheiro.

E construção de um plano de financiamento da economia brasileira, especialmente em infraestrutura econômica e social, usando 10% das reservas em um fundo de investimento de médio e longo prazo.

O uso destes recursos aumentariam o rombo fiscal, pelo menos em um primeiro momento. O aumento de carga tributária será suficiente para compensar?

Até imaginamos que a economia voltando a crescer, podemos recuperar dois pontos percentuais da carga tributária do PIB que caíram pela recessão, mas não trabalhamos com a ideia de aumentar a carga. Mas vamos rever as isenções e renúncias fiscais, e nesse sentido é aumento de impostos.

O plano de aumentar a faixa de isenção do IR para cinco salários mínimos vai ter uma perda de receita para abarcar já uma boa parte da população. Não é uma faixa muito alta?

A contribuição para o IR de quem ganha até 5 salários mínimos é um ponto percentual da arrecadação. Tem um efeito adicional que decorre da renda de quem ganha acima disso, e por isso trabalhamos com aumento das faixas para rendas muito elevadas, porque estudos mostram que o IR é progressivo até certo limite e depois vira regressivo. A gente quer corrigir, e isso já cobre a perda de receita.

Se contabilizarmos ainda a inclusão de lucros e dividendos e os chamados PJs (pessoas jurídicas) em geral, tem adicional. Não estimamos queda, e sim ganho de progressividade e performance.

O modelo de reforma tributária inclui um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), defendido por várias campanhas?

Não estamos focando na reforma tributária, estamos defendendo uma Assembleia Nacional Constituinte para que as reformas paradas há muito tempo sejam objeto dessa mudança constitucional.

Entraria o tributário e a simplificação com IVA, mas isso envolve não só a União mas sobretudo os estados e municípios. Por isso a Constituinte seria o melhor espaço para isso e outras reformas - como dos meios de comunicação, por exemplo.

A Reforma da Previdência também entraria neste pacote?

Defendemos a revogação de várias das medidas do atual governo, como a emenda do teto de gastos e a reforma trabalhista. Há vontade de reformular a herança recebida - e para governar para frente, uma mudança na Constituição para evitar que o atual Congresso fique com essa responsabilidade.

A reforma da Previdência não passou, então é sobre o futuro mesmo: há um envelhecimento populacional rápido e o país já gasta proporcionalmente muito nessa área. No sistema de repartição, quanto menos jovens e mais idosos, maior é o déficit. Existe alguma proposta? 

Há uma confusão sobre esse tema feita por quem deveria explicar como funciona. Desde a Constituição de 1988, não temos mais Previdência Social e sim um sistema de seguridade social para atuação do Estado do nascimento até a morte, contemplando saúde e também aposentadoria e pensão.

Quando você desloca a Previdência, volta para a discussão sobre como funcionou entre 1923 e 1987, em que sempre teve superávits, usados para financiar a ponte Rio-Niterói, Transamazônica, etc.

O sistema hoje é bem mais complexo e essa reforma aventada por praticamente todos os candidatos e protagonizada por vários presidentes, e mais recentemente pelo Temer, tem uma visão de retroagir ao período pré-Constituição, financiado por empregadores e trabalhadores.

Nós entendemos que a Seguridade é em parte financiada pelo Orçamento público como foi inclusive objeto da Constituinte de 1987 que criou novos tributos para este financiamento.

Nos governos de Lula e Dilma nós não fizemos Reforma da Previdência, mas aperfeiçoamos. É necessário continuar, mas não como apresentado. Não pode confundir benefício de prestação continuada, que é assistência, com aposentadoria e pensão. Os regimes tem especificidades e faremos mudanças sem destruí-lo. Não precisa de uma reforma tal como está sendo falada.

Quais mudanças? Para uma pessoa do setor privado, parece injusta a diferença entre a aposentadoria média do INSS e de um funcionário do setor público, por exemplo.

Isso está sendo corrigido no setor público. Desde 2003, a aposentadoria máxima é o mesmo teto da Previdência. Além disso, tem a idade mínima de 65 anos para homem e 60 para mulher mais aquela equação 85/95.

O que diferencia são os servidores concursados antes de 2003 com direito adquirido, e acho que os candidatos não estão se dando conta que querem tirar direito adquirido. O setor público hoje funciona parecido com o privado e com Previdência complementar, mudanças que a Dilma levou adiante.

Nosso foco é nos estados que tem realmente problemas, mas dai é chamar os governadores para discutir, não é responsabilidade do governo federal. Nosso enfoque é enfrentar os privilégios no setor publico, inclusive nesse sistema.

Mas vocês defendem uma idade mínima de aposentadoria, algo que poucos países não tem? Por que isso é tabu, sendo que dificilmente um pobre se aposenta por tempo de contribuição?

Não estou entendendo a pergunta, porque já temos uma idade mínima de aposentadoria de 65 anos para homens e 60 anos para mulher, acrescido de tempo de contribuição.

Então já existe idade mínima para todo mundo?

Essa foi uma inovação feita pelo governo Fernando Henrique Cardoso que foi sendo aperfeiçoada por nosso governo. Tem a fórmula de aposentadoria feminina de 85 anos, que combina idade mais tempo de contribuição. Não entendo essa conclusão.

Mas a idade média de aposentadoria no Brasil [por tempo de contribuição] é 53 anos, então como a idade mínima pode ser de 60?

É o que eu falei, você precisa ter 65 anos, para homem, mais 35 de contribuição. Mas se você começou mais cedo, isso lhe permite aposentadoria antes. Agora alguém que começou a trabalhar com 14 anos, ele junta os 35 anos e permite aposentadoria sem ter completado 65 anos, mas ai é uma especificidade do mercado de trabalho das pessoas começarem a trabalhar muito cedo.

Então não tem idade mínima no programa?

Não, porque a lei já estabelece e as pessoas não conseguem perceber isso. O que você diz é condenar os pobres a aposentar como o Temer fez, com 49 anos de contribuição.

49 anos de contribuição era para dar direito à aposentadoria integral, não poder se aposentar.

Se você for olhar a proposta dos outros candidatos, eles querem oferecer um valor tão baixo que se aproxima quase de uma renda mínima, e isso nós somos contra.

É que cerca de dois terços dos beneficiários do INSS ganham um salário mínimo. Mantendo isso como piso já preservaria esta base, não?

Esses dois terços com um salário mínimo é muito mais do que seriam dois ou três salários mínimos na época. No governo do PT o valor subiu mais de 70% em termos reais, o que não aconteceu nos outros governos. Em um regime militar o salário mínimo não cresce, aliás decresce.

A proposta para o salário mínimo é manter a regra vigente, que acaba no ano que vem?

A ideia é que o salário mínimo possa contemplar os ganhos de produtividade, e a forma atual aponta para essa perspectiva.

As reservas internacionais são um dos poucos colchões econômicos preservados na crise e criam uma garantia contra turbulências externas. Usar elas não deixaria o país mais vulnerável?

Quando Lula assumiu, o país estava dependendo do Fundo Monetário Internacional. O que o governo do PT fez foi criar uma reserva de 380 bilhões. Há vários estudos sobre o patamar adequado de reservas e que mostram que há um excedente aqui, elas tem um custo de quase 2% do PIB.

Vários países passaram a reduzir as reservas dando uma outra finalidade de investimento. Entre eles a China, que reduziu de 4 para 3 trilhões e compra empresas no mundo todo, além de Equador e Bolívia.

Seria uma irresponsabilidade nós, que criamos as reservas, dilapidá-las. Mas estudos dos mais conservadores consideram que pelo menos 10% das reservas estão acima da necessidade.

Existe algum plano de abertura comercial no programa?

O mundo tem um movimento de desglobalização com vários países adotando proteções, incluindo os Estados Unidos, enquanto o Brasil faz um caminho de abertura, internacionalização, venda de patrimônio e privatização, um processo de entrega. Isso não admitimos e o que for possível para retroagir, faremos.

Entendemos que a fronteira de expansão econômica está na Ásia e por isso vamos fortalecer o processo de integração com a América Latina, buscando ampliar as fronteiras com o Pacífico.

Quais privatizações vocês reverteriam?

É interromper o processo de privatização da Petrobras e Eletrobras. Se a Embraer ainda não tiver sido vendida, usar o poder na mão do Estado (golden share) para não perder mais uma empresa nacional.

Qual é o plano para a política de preços da Petrobras?

Processo de formação interna do preço, não definição de preço internacional, até porque o Brasil é um pais exportador de petróleo, então tem as condições.

Mas a Petrobras, quando ficou com o preço defasado, perdeu valor e se endividou. Como evitar que isso se repita? A empresa está integrada internacionalmente e tem custo de oportunidade. 

A Petrobras é estatal. Funcionar pela lógica privada favoreceu barbaramente as empresas estrangeiras com a importação de combustível e o Brasil ficou dependente de importar isso dos EUA, além de perder parte significativa das reservas do pré-sal após a Petrobras ter feito investimentos enormes na pesquisa.

Não havia nenhuma proibição das petrolíferas virem pesquisar aqui e descobrirem o pré-sal, mas capital estatal foi usado pra isso. Estamos liberando para as estrangeiras que não investiram. O que permitiu à Petrobras fazer esse esforço foi ser estatal.

Ela é fundamental como politica industrial, e ao fazer licitação para o conteúdo nacional permite o desenvolvimento da indústria naval, hoje praticamente quebrada por causa dessa lógica privatista.

Nossa orientação é que as empresas e bancos públicos operem pela lógica pública; se é para operar pela privada, não é necessário ser pública, bastava privatizar que funcionaria melhor.

Acompanhe tudo sobre:Ajuste fiscalAposentadoriaCarga tributáriaEleições 2018Imposto de Renda 2020ImpostosPetrobrasPrivatizaçãoPT – Partido dos TrabalhadoresReforma da PrevidênciaSalário mínimo

Mais de Economia

Presidente do Banco Central: fim da jornada 6x1 prejudica trabalhador e aumenta informalidade

Ministro do Trabalho defende fim da jornada 6x1 e diz que governo 'tem simpatia' pela proposta

Queda estrutural de juros depende de ‘choques positivos’ na política fiscal, afirma Campos Neto

Redução da jornada de trabalho para 4x3 pode custar R$ 115 bilhões ao ano à indústria, diz estudo