Macacos na mata: programa de prevenção ao desmatamento adotado na Amazônia brasileira entre 2005 e 2012 é referência para o estudo (Jonathan Perugia/Getty Images)
Clara Cerioni
Publicado em 18 de agosto de 2020 às 18h22.
Última atualização em 18 de agosto de 2020 às 20h50.
Os cofres públicos de todos os países do mundo foram corroídos pela pandemia de covid-19. Mas com 2,7% do valor total das perdas econômicas, que devem chegar a uma média de 11,5 trilhões de dólares somando o impacto do PIB global e os custos decorrentes das vidas perdidas, seria possível prevenir a próxima pandemia.
Essa é a conclusão de um recente estudo publicado na revista Science, com autores de diversos lugares do mundo, incluindo o Brasil.
Os pesquisadores argumentam que há um consenso consolidado na literatura científica acadêmica de que há uma relação direta entre desmatamento e tráfico de animais silvestres com a emergência de novas doenças com potencial pandêmico.
Dessa forma, se houvesse uma preocupação internacional em prevenir essas duas práticas, as chances de se ter um novo surto diminuiriam significativamente.
"Atualmente, investimos relativamente pouco na prevenção do desmatamento e na regulamentação do comércio de animais selvagens, apesar de planos bem pesquisados que demonstram um alto retorno sobre seu investimento na limitação de zoonoses e na concessão de muitos outros benefícios", escrevem os autores.
Segundo os cálculos, programas desenhados para combater o desmatamento e o comércio de animais silvestres precisariam de um investimento em torno de 22 bilhões a 31 bilhões de dólares por ano.
Em uma década, os custos chegariam no máximo em 310 bilhões de dólares — o que equivale a 2,7% dos gastos estimados com a pandemia de covid-19.
Para chegar nessa estimativa, os pesquisadores calcularam qual seria o valor de custo para implementar as medidas. Como base, eles escolheram iniciativas referência no mundo.
Uma delas é o programa de prevenção ao desmatamento adotado na Amazônia brasileira entre 2005 e 2012, que teve como consequência a queda de 70% dos índices de destruição da floresta e ainda culminou com o aumento da produção de soja na região.
O estudo também sugere colocar fim à indústria de carnes selvagem da China que movimenta 20 bilhões de dólares e emprega mais de 15.000 pessoas. Veja mais na tabela abaixo:
A bióloga Mariana Vale, professora do departamento de ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialista em Amazônia e uma das autoras do estudo, explica que toda a questão gira em torno do contato entre seres humanos e reservatórios com potencial pandêmico.
"As doenças que causam surtos estão em reservatórios dos animais silvestres, principalmente nas florestas tropicais. Para que aumentem os riscos de uma doença passar desse reservatório para o homem é preciso que haja, entre outros fatores, uma maior taxa de contato entre o homem e o animal. O que acontece quando se tem desmatamento e tráfico de animais silvestres? Crescem as chances desse contato acontecer", diz.
O estudo publicado na Science não entra no mérito de qual país (ou organização internacional) deveria se responsabilizar por esses custos, mas Vale diz que há um consenso entre os pesquisadores de que isso deve ser uma dedicação principalmente dos países desenvolvidos.
"Há o entendimento de que essa prevenção pode ser feita via um fundo internacional de prevenção de pandemia, que ainda não existe, por meio de ações ambientais. A maior parte da contribuição viria dos países desenvolvidos, que são os que mais perdem com surtos e também são os que mais têm condições de subsidiar esses valores", diz.
A pesquisadora cita, a título de comparação, que, só no ano passado, os Estados Unidos gastaram 700 bilhões de dólares com Defesa.
Para Vale, essa solução é "possível, barata e tem cobenefícios", porque se articula com a agenda climática, com a agenda sustentável e também econômica. "Mas para isso acontecer, é preciso vontade política", finaliza.