Zona do Euro: o episódio do Brexit mostrou que um país pode romper seu compromisso europeu se ele não estiver satisfatório (Daniel Roland/AFP)
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Publicado em 29 de dezembro de 2017 às 10h08.
Mais de 15 anos após a instauração da moeda única, foi retomado, em Bruxelas e nas capitais europeias, o debate sobre medidas que devem ser tomadas para melhorar o funcionamento da zona do euro.
Aproveitando a melhoria da conjuntura econômica, Bruxelas e os países membros da União Europeia querem apresentar a lição dos assustadores sobressaltos financeiros que levaram a Grécia a quase sair da zona do euro desde 2010 e que levantaram dúvidas até mesmo sobre a coesão da união monetária, integrada por 19 dos 28 Estados da UE.
Instituições e Estados também têm que fazer frente ao desencanto de parte da população, preocupada com os efeitos da globalização e tentada por uma recuperação nacional.
O episódio do Brexit mostrou que um país pode romper seu compromisso europeu se ele não estiver satisfatório.
Nos últimos meses, o presidente francês, Emmanuel Macron, que defende um novo projeto europeu, reiterou sua vontade de introduzir reformas tanto nos países da UE, como nos da zona do euro.
"O desafio que temos na zona do euro é saber como faremos que ela se torne uma potência econômica capaz de competir com China e Estados Unidos e como conseguiremos resolver o que há dez anos não conseguimos fazer: criar empregos", declarou Macron em setembro.
Com um Produto Interno Bruto (PIB) de 11,93 trilhões de dólares em 2016, o peso da zona do euro é comparável ao da China (11,19 trilhões), mas continua bem atrás dos Estados Unidos (18,62 trilhões), segundo dados do Banco Mundial.
Contudo, nem todos os países concordam com a reforma da zona do euro.
Os países do Norte, como Holanda e Alemanha, primeira potência europeia, se mostram reticentes em dividir sua riqueza com os países do Sul, como França, Itália, ou Espanha, cuja política orçamentária consideram muito frouxa.
Eles preferem se concentrar em reformas mais técnicas, voltadas a garantir maior respeito às normas do pacto de estabilidade europeu (déficit público inferior a 3% do PIB, dívida pública inferior a 60% do PIB, entre outros), consideradas como a melhor receita contra futuras crises financeiras.
A Comissão Europeia quer encontrar uma via de compromisso e propôs, em 6 de dezembro, um pacote de medidas que inclui a criação de um fundo monetário europeu e a instituição de um ministro de Finanças da zona do euro.
Ao fim da cúpula europeia, em 15 de dezembro, a chanceler alemã Angela Merkel, em plena negociação para formar governo, não descartou discutir as propostas do presidente francês.
"Vamos encontrar uma solução comum, pois é necessário para a Europa", disse. "Quando se quer, é possível", insistiu.
Emmanuel Macron tornou-se o paladino de um futuro orçamento da zona do euro, que ele almeja que seja significativo e represente "vários pontos do PIB" da região.
O orçamento poderia ser financiado por "impostos europeus nos setores digital ou de meio-ambiente" antes de, talvez no futuro, um imposto sobre as empresas harmonizado também tenha sua participação.
Em novembro, ministros de Finanças da zona do euro defenderam um orçamento utilizado como "instrumento estabilizados" em caso de "choques assimétricos", ou seja, acontecimento que abalem duramente a economia de um dos países de moeda comum, sem afetar aos outros - como catástrofes naturais, por exemplo.
O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, considera, entretanto, que "uma linha orçamentária consequente", definida no âmbito do orçamento da UE, se ajustaria melhor.
A principal dúvida é a posição da Alemanha, que vai depender em grande parte do parceiro de coalizão de Merkel.
Os social-democratas alemães são favoráveis tanto às propostas de Macron para a criação de um orçamento, quanto à de criar um ministro de Finanças.
Já o partido conservador de Merkel não fechou completamente as portas para um orçamento, mas prefere esperar para ver como vai se financiar e para que vai servir.
Merkel também não rechaça a ideia de um ministro de Finanças europeu, mas, para ela, ele deveria se limitar a fazer as regras de controle do déficit e da dívida serem aplicadas com mais eficácia.
Após as discussões entre o Fundo Monetário Internacional (FMI) e os países da zona do euro sobre a gestão da crise grega, os europeus, inclusive Alemanha, foram se convencendo da necessidade de assumirem essas decisões no futuro, por meio de um Fundo Monetário Europeu.
O organismo se constituiria a partir do Mecanismo Europeu de Estabilidade, criado em 2012, após a crise da dívida na zona do euro, para ajudar países em dificuldades financeiras com empréstimos.
A Comissão Europeia apresentou, em 6 de dezembro, um projeto de FME que seria um órgão comunitário, "responsável diante do Parlamento europeu" e que teria a mesma capacidade teórica de empréstimos - de cerca de 500 bilhões de euros.
A Alemanha, no entanto, teme perder sua influência com o novo organismo. Atualmente, no MEDE, ela tem direito de voto proporcional ao seu aporte de capital (27%), o que lhe dá mais influência do que tem nas instituições comunitárias.
O futuro FME também poderia ter um papel de fiador dos bancos em dificuldades na zona do euro, se as medidas previstas na União Bancária - também em fase de elaboração - não forem suficientes.
De todos os projetos da zona do euro, o da União Bancária, lançado em 2014, é o que está mais perto de se completar. Trata-se de dar mais solidez aos bancos da zona do euro e evitar que o dinheiro dos contribuintes acaba sendo usado para resgatar bancos em dificuldades, como aconteceu na crise.
Por ora, já estão sendo executados dois dos três pilares previstos. O primeiro, sobre a supervisão dos bancos, e o segundo, destinado a ajudar, se necessário, banco em apuros com dinheiro procedente do setor.
Já o terceiro pilar, destinado a tranquilizar os clientes dos bancos, graças a uma garantia europeia de depósitos, é mais difícil de ser implementado.
Após ter apresentado um primeiro projeto em novembro de 2015, a Comissão Europeia expôs, em outubro, uma versão menos ambiciosa, esperando dar fim às reticências da Alemanha. O país teme que seus cidadãos acabem pagado pelos bancos do sul, mal-geridos, na opinião de Berlim.
Ainda que os países da zona do euro consigam avançar nas reformas citadas, ainda vão ficar pendentes outros assuntos cruciais para sua coesão, como a harmonização fiscal, que diz respeito ao conjunto dos 28 países do bloco.
O debate está focado especialmente no imposto sobre empresas. Economistas, especialistas e dirigentes políticos têm tomado consciência dos efeitos nefastos de uma concorrência fiscal exacerbada em uma União onde capitais, bens e pessoas circulam livremente.
Entre1995 e 2016, a taxa média do tributo sobre empresas na UE caiu 14 pontos percentuais, isto é, uma baixa de 33%, segundo um estudo do Observatório de Políticas Econômicas da Europa, da Universidade de Estrasburgo.
O debate gira em torno do GAFA (Google, Apple, Facebook e Amazon), as grandes plataformas americanas da economia digital.
Elas concentram seus lucros em filiais sediadas em países com baixa carga tributária, como Irlanda, ou Luxemburgo, apesar de gerar quase todo seu volume de negócio em outros países da UE.
Segundo a Comissão Europeia, a taxa tributária real sobre o lucro dos gigantes do setor digital na UE é apenas de 9% em média, enquanto a das empresas tradicionais supera 20%.
Mas as repercussões de concorrência fiscal também são sentidas na economia clássica, como mostra o procedimento lançado na segunda-feira por Bruxelas contra a Ikea. A gigante sueca de móveis é suspeita de ter se beneficiado de vantagens indevidas na Holanda, através de acordos com a administração tributária que lhe ajudaram a reduzir lucros tributáveis. Outras empresas da economia clássica já foram alto da Comissão Europeia, como Starbucks, na Holanda, e Fiat, em Luxemburgo.
Em outubro de 2016, a Comissão Europeia relançou um projeto para instaurar regras uniformes de cálculo de lucros, a Base de Contribuição Consolidada Comum para Imposto sobre Empresas (CCCTB).
Com este sistema, que seria obrigatório para empresas com volume de negócios superior a 750 milhões de euros, os Estados ficariam livres para definir a taxa de imposto, mas todos determinariam da mesma forma a base para o tributo.
Só haveria um lugar tributável, mas o produto do imposto seria dividido entre todos os países em que a empresa opera, dependendo do nível de atividade em cada Estado, e não nos resultados de suas subsidiárias.
Este projeto CCCTB ainda não foi ratificado pelos Estados-membros e pelo Parlamento europeu. Mas, na UE, qualquer reforma fiscal é difícil, porque precisa ser aprovada por unanimidade pelos 28 países.