"O fato é que nós ainda estamos em desvantagem (em política industrial) e a NIB só diminuiu esse gap", diz Leandro Rosa dos Santos, vice-presidente de Estratégia e Inovação da Positivo (Positivo/Divulgação)
Repórter
Publicado em 2 de março de 2025 às 08h01.
A companhia de tecnologia Positivo planeja investir nos próximos anos R$ 330 milhões em projetos de transformação digital de suas unidades, eficiência operacional e desenvolvimento de novos produtos e soluções tecnológicas. No ano passado, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDES) aprovou um financiamento para a empresa com estes objetivos.
"A política industrial está fornecendo linhas que fazem sentido para quem quer tomar risco no desenvolvimento tecnológico", diz Leandro Rosa dos Santos, vice-presidente de Estratégia e Inovação da Positivo em entrevista à EXAME. "Isso permitiu à Positivo antecipar o plano que faríamos em cinco anos para três. Não tínhamos recursos suficientes para esses projetos porque os juros e os riscos são altos, estávamos fazendo somente projetos inovadores com menos potencial e riscos."
Mesmo com o financiamento, a realidade de juros altos pesou na companhia, que trabalha com um "otimismo cauteloso" diante do cenário macroeconômico do país.
No mercado há 35 anos, a brasileira de tecnologia focou por desenvolver, fabricar e comercializar computadores, celulares e tablets. Em 2016, passou a atuar também na criação de produtos de segurança eletrônica, maquininhas de pagamento, servidores e soluções para infraestrutura de Tecnologia e Informação (TI), além de tecnologias educacionais e projetos especiais — como as urnas eletrônicas nas últimas eleições de 2022. Mais recentemente, oferece serviços gerenciados de TI a clientes corporativos.
Desde o último semestre, contudo, a empresa adota uma gestão mais conservadora de seus custos operacionais diante das incertezas nacionais – como a política monetária mais apertada, inflação e volatilidade cambial – e internacional, com a ameaça de políticas protecionistas por parte do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Santos explica que a companhia está mais preparada para as turbulências, mas sem grandes expectativas para o curto prazo.
"No ano passado, a Positivo fez uma estruturação para ser mais cautelosa com seus custos, que é o que o controlamos. Estamos mais preparados para essas turbulências, já que não estamos tão otimistas de que as coisas vão dar certo, e nos precavendo em termos do que podemos controlar. Temos uma disciplina na gestão de custos operacionais bem mais apertada no último semestre e será assim o ano todo", afirma.
No segundo trimestre de 2024, por exemplo, a empresa apresentou um lucro de R$ 3,6 milhões, o que representou uma redução anual de 82%. No mesmo período as receitas somaram R$ 813 milhões, avanço de 7,8%. Apesar da melhora nos ganhos, o resultado final foi negativamente influenciado pela maior despesa financeira com variação cambial. O balanço anual deve ser fechado no próximo dia 19 de março.
Diante desse cenário, a estratégia da Positivo combina, além da contenção de custos, um olhar atento para novas oportunidades de mercado.
Mais de R$ 250 milhões dos créditos tomados por meio do Plano Mais Produção, principal linha de financiamento da Nova Indústria Brasil (NIB), são investidos pela companhia de tecnologia em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) voltados à transformação digital, eficiência operacional e desenvolvimento de novos produtos e soluções tecnológicas.
Empresa planeja lançar novos produtos, incluindo kits de biometria, soluções de automação para casas e empresas, sistemas de gestão para maquininhas de cartão (Foto: Positivo/Divulgação)
Entre as inovações em desenvolvimento estão assistentes virtuais baseados em Inteligência Artificial (IA), plataformas para aprimorar o suporte técnico e ferramentas de análise ESG para empresas.
Além disso, a empresa planeja lançar novos produtos, incluindo kits de biometria, soluções de automação para casas e empresas, sistemas de gestão para maquininhas de cartão e plataformas para o setor educacional e corporativo.
O outro projeto que conta com financiamento do BNDES é o de expansão expansão e atualização das duas unidades produtivas da Positivo, em Manaus (AM) e Ilhéus (BA), e na sede administrativa em Curitiba (PR), para ampliar a competitividade na fabricação de smartphones, tablets e terminais de pagamento (maquininhas de cartão) com a tecnologia 5G. O montante nessa iniciativa é de R$ 72 milhões.
A previsão é de que 274 empregos qualificados sejam criados pelo país nas áreas de produção, engenharia e pesquisa. Em paralelo, a empresa espera garantir com o investimento que 65% de seus produtos tenham 5G e a capacidade instalada de 2,6 milhões de unidades até o final deste ano. Atualmente, a tecnologia está presente em 10% do total da marca.
Segundo o vice-presidente de Estratégia e Inovação, a nova política industrial brasileira permitiu à Positivo acelerar projetos que antes seriam adiados pelo alto custo do crédito.
A falta de financiamento estável para inovação, diz Santos, sempre foi um entrave para as empresas brasileiras. Diferentemente de países mais inovadores, onde há linhas de crédito com juros baixos para projetos de risco.
Ele ressalta, no entanto, que a NIB não coloca o Brasil em vantagem competitiva global, apenas reduz a desvantagem em relação a países industrializados como Japão, Estados Unidos e China.
"Muitas vezes as pessoas perguntam: 'ah por que o Brasil não inova?'. O Brasil não inova porque o nosso ambiente regulatório não dá condições de competir com quem faz isso. Precisamos ter o mínimo. A Nova Indústria Brasil não é vantagem. Na realidade continuamos pior do que outros países, no Japão a linha de inovação, é 0,1% [de juros]. O fato é que nós ainda estamos em desvantagem e a NIB só diminuiu esse gap", afirma.
"A Positivo sempre olhou para quem não era atendido, aquele brasileiro que não tinha acesso à tecnologia", afirma o vice-presidente de Estratégia e Inovação da companhia de tecnologia (Foto: Positivo/Divulgação) (Positivo/Divulgação)
Como mostrou a EXAME, líderes industriais chegam a gastar por ano até quase cinco vezes mais do que todo o orçamento que a política industrial brasileira tem para até 2026.
De acordo com levantamento do fDi Intelligence – serviço do Grupo Financial Times, especializado em todas as áreas relacionadas a Investimentos Estrangeiros Diretos (IED), promoção de investimento e desenvolvimento econômico –, das 10 maiores empresas líderes em inovação quatro são big techs dos EUA com venda de software, serviços de informática, hardware e equipamentos, justamente o ramo da Positivo.
Sob forte concorrência, o executivo da Positivo destaca que a empresa "sobrevive" no mercado disputado por gigantes mundiais por focar na inclusão digital e na adaptação de soluções para o público brasileiro. Essa abordagem voltada para o entendimento das necessidades do mercado nacional, diz ele, foi essencial para o desenvolvimento da Positivo em um setor altamente competitivo.
"Toda a multinacional tem as suas potências, mas elas, normalmente, colocam um produto desenvolvido para uma realidade e disponibilizam em outras regiões. A Positivo sempre olhou para quem não era atendido, aquele brasileiro que não tinha acesso à tecnologia", afirma o vice-presidente.
"Nós sobrevivemos porque a nossa proposta de valor é com esse olhar. Criamos soluções para o brasileiro que não tinha condições de ter acesso a um computador, celular, tablet, para que ele tenha, e para que o governo brasileiro pudesse se equipar, principalmente na área de PC, que é a nossa área líder".
O produto de cadastramento de informações biométrica e captura de documentos e assinaturas é uma das principais apostas da companhia também para fazer do Brasil um polo exportador de tecnologia para outras nações. O kit biométrico deve ter um protótipo para 2026.
A Positivo tem atuação em outros países como Argentina, China, Taiwan, Quênia e Ruanda, mas hoje quase a totalidade de faturamento da empresa, cerca de 97%, é nacional.
Santos defende que a liberação dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e planos estruturados, como o de inteligência artificial, são essenciais para tornar o Brasil mais inovador e competitivo.
"O país precisa de um plano brasileiro de inovação. A inovação não é uma ideia que surge de uma lâmpada e que está pronta amanhã. São milhares de pequenas ações de educação, de desenvolvimento, de teste, de pesquisa, de exploração de ideias que uma hora se transforma numa solução", finaliza.