Economia

Portugal, modelo de estabilidade da Europa, esconde fragilidade

No domingo, eleitores vão às urnas para as eleições gerais após cinco anos consecutivos de crescimento, o que reduziu a taxa de desemprego pela metade

Lisboa iluminada: preços dos imóveis em Portugal subiram 9,2% só no primeiro trimestre deste ano (Angel Garcia/Bloomberg)

Lisboa iluminada: preços dos imóveis em Portugal subiram 9,2% só no primeiro trimestre deste ano (Angel Garcia/Bloomberg)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 5 de outubro de 2019 às 08h00.

Última atualização em 5 de outubro de 2019 às 08h00.

Hotéis de luxo em palácios de mármore, boutiques sofisticadas e cafés movimentados dão aos visitantes do centro de Lisboa uma noção de quão longe Portugal chegou desde que esteve à beira de um default há apenas oito anos.

Os eleitores vão às urnas para as eleições gerais no domingo, após cinco anos consecutivos de crescimento, o que reduziu a taxa de desemprego pela metade e praticamente eliminou o déficit fiscal. Comparado ao populismo e facciosismo que assolam vizinhos como Espanha e Itália, Portugal parece uma ilha de estabilidade.

Mas há também uma fragilidade no sucesso do país, e uma sensação incômoda de que o primeiro-ministro socialista António Costa pode não ter feito tudo o que pôde durante os quatro anos de generosidade do banco central e, assim, preparar o país para a próxima crise.

O crescimento está desacelerando, e a carga tributária em Portugal subiu para o nível recorde de 35% do PIB. Costa quer continuar revertendo os aumentos do imposto de renda implementados durante o resgate. Isso deixa pouco espaço de manobra para a dívida pública, que quase dobrou na última década em termos nominais e era equivalente a 122% do PIB no ano passado.

“Em uma crise, são sempre os países pequenos e vulneráveis ​​que são atingidos”, disse Arne Rasmussen, chefe de pesquisa de renda fixa do Danske Bank, em Copenhague. “Não parece ser o caso agora, mas, se por algum motivo houver algum cenário político incerto ou crescimento mais lento do que o esperado, as pessoas poderão ficar nervosas.”

Ainda assim, pesquisas de opinião indicam que os eleitores estão dispostos a endossar mais um mandato para Costa, de 58 anos. O Partido Socialista de Costa lidera a corrida eleitoral com 8,9 pontos percentuais de vantagem e receberia 35% de apoio no parlamento, segundo pesquisa publicada pelo Jornal de Negócios na quinta-feira.

Mas as opiniões são conflitantes nas ruas de Lisboa.

“Metade do país diz que se está melhor, metade do país diz que está pior”, diz João Marcos Marchante, 34 anos, sócio e produtor do Nebula, um estúdio de animação. “A sensação que eu tenho é que veio um fluxo muito grande de dinheiro e de pessoas para Portugal que, por sua vez, tornaram tudo mais caro.”

Muitos moradores da capital tiveram de deixar seus bairros porque seus salários não conseguiram acompanhar os preços dos aluguéis, disse António Machado, diretor da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, que oferece aconselhamento jurídico aos associados.

Os preços dos imóveis em Portugal subiram 9,2% só no primeiro trimestre deste ano. Por outro lado, o salário médio é o quarto mais baixo da OCDE, e muitos dos novos empregos pagam salário mínimo de 600 euros por mês.

“Os setores de turismo e imobiliário estão indo muito bem, e muitas pessoas estão se beneficiando com isso”, disse o garçom de 43 anos Ricardo Silva, enquanto servia cachorro-quente de um quiosque do lado de fora do edifício Cartier, na Avenida da Liberdade, a principal de Lisboa.

“Precisamos somente que a maioria dos outros setores da economia melhore para que o país se torne mais sustentável.”

Costa tem suas próprias ambições para seu segundo mandato - combater a desigualdade e aumentar ainda mais o salário mínimo, ao mesmo tempo em que mantém a disciplina fiscal.

Onde é menos ambicioso: nas reformas políticas necessárias para tornar a expansão de Portugal mais resiliente.

Mesmo se superar as projeções das pesquisas de opinião e ganhar a maioria absoluta, o primeiro-ministro evitaria iniciativas mais agressivas para impulsionar a economia, disse António Barroso, vice-diretor de pesquisa da consultoria de risco político Teneo, em Londres.

“Ele continuará a seguir um curso centrista”, disse Barroso. “Grandes reformas parecem estar fora da agenda.”

(Com a colaboração de Samuel Dodge).

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