Economia

Por que somos tão polarizados?

Em livro essencial para 2018, psicólogo afirma que as origens de nossas polarizações morais estão ligadas a preferências mais intuitivas do que racionais

ESGRIMA: assim como no esporte, em um embate político é preciso entender o outro lado, buscar partir de uma base de valores comuns, para então estabelecer uma conexão / Ezra Shaw/Getty Images (Ezra Shaw/Getty Images)

ESGRIMA: assim como no esporte, em um embate político é preciso entender o outro lado, buscar partir de uma base de valores comuns, para então estabelecer uma conexão / Ezra Shaw/Getty Images (Ezra Shaw/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 20 de janeiro de 2018 às 07h04.

Última atualização em 20 de janeiro de 2018 às 09h39.

The Righteous Mind: Why Good People Are Divided by Politics and Religion (“A mente justa: Por que boas pessoas são divididas pela política e pela religião”, numa tradução livre)

Autor: Jonathan Haidt

Editora: Vintage Books

500 páginas

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Inicio minha série de resenhas de 2018 falando de um livro que, apesar de não ser exatamente um lançamento, será extremamente necessário para o ano que se inicia. Neste 2018 que promete ser marcado por uma polarização inédita do nosso debate público, o melhor antídoto para não se deixar levar pela onda de emburrecimento coletivo é o livro de 2012 de Jonathan Haidt: The Righteous Mind: Why Good People Are Divided by Politics and Religion (“A mente justa: Por que boas pessoas são divididas pela política e pela religião”, numa tradução livre, sem edição brasileira).

Haidt é filósofo e psicólogo moral (acadêmico), e este é seu principal livro. Nele, o autor mistura descobertas científicas com uma narrativa pessoal para demonstrar sua insatisfação com as explicações da psicologia para o desenvolvimento moral do ser humano, tidas por ele como muito racionalistas e baseadas em argumentos (como se cada um de nós fosse um filósofo). Ao mesmo tempo, Haidt é também um progressista convicto (um “liberal”, no sentido americano do termo) e toma por totalmente absurdas e ultrajantes quaisquer posições éticas ou políticas que contrariem sua visão de mundo.

Ao longo de sua pesquisa, contudo, a confirmação de que, de fato, somos muito menos racionais do que gostaríamos de acreditar; e a exposição a pontos de vista e cultura radicalmente diferentes, o fez também aumentar sua capacidade de empatia com pessoas de visões diferentes, reduzindo seu ardor missionário intransigente.

O livro é recheado de pesquisas e experimentos que são interessantes para qualquer um que queira entender como nossa mente realmente funciona — e não como ela deveria funcionar segundo teses mais idealistas. Não cabe aqui reproduzi-los, mas vou sintetizar as principais conclusões de Haidt, que são também as divisões do próprio livro.

Em primeiro lugar, a parte racional e argumentativa de nosso cérebro tem um papel reduzido. Somos, para usar a expressão de Haidt, um cavaleiro (rider) guiando um elefante. O elefante é todo nosso aparato sentimental e intuitivo, enquanto o cavaleiro é a parte racional. Quem define a direção a seguir é quase sempre o elefante; cabe ao cavaleiro descobrir o melhor caminho para chegar lá e criar boas justificativas para a decisão que o elefante tomou. Raramente o cavaleiro é capaz de mudar o curso escolhido.

Razão e intuição são duas formas de conhecimento, e é a intuição que dá as cartas; a razão apenas corre atrás. Assim, se você apresenta um problema moral a um indivíduo, ele dará sua opinião e a justificará com um argumento. Mas se você mostra que o motivo por ele apresentado não é válido naquele caso, ele pensa num motivo novo.

Nosso pensar é guiado por processos intuitivos. E, no caso da ética ou da moral, esses processos atendem a seis preocupações básicas: 1) cuidar e evitar sofrimento alheio; 2) justiça nas relações (ou seja, reciprocidade); 3) lealdade para com nosso grupo; 4) respeito à hierarquia; 5) preservar impoluto aquilo que se considera sagrado; 6) revolta contra o abuso de poder. Cada um desses pontos dá origem a sentimentos positivos ou negativos que formam a base de nossa ética pessoal: empatia, indignação, espírito de equipe, nojo, reverência, etc. Culturas ao redor do mundo podem ter éticas muito diferentes, mas em todas elas você encontrará um mix desses bens básicos.

Não saí inteiramente convencido dessa lista de seis pontos, embora Haidt faça um bom trabalho em mostrar que todos eles importam de uma forma intuitiva, sentimental, para todos nós. E ele nota um fenômeno curioso: no discurso político contemporâneo, a direita americana abrange todos os seis campos e seus respectivos sentimentos com intensidade semelhante. Já a esquerda (o partido Democrata, o qual ele apoia) utiliza apenas três: o cuidado para com quem precisa, a justiça de reciprocidade nas relações humanas e o desejo de libertação de poderes abusivos. Os democratas se baseiam demais em argumentos racionais; para o povo em geral, argumenta Haidt, a mensagem republicana é mais completa e comovente.

Observando o caso brasileiro, eu diria que a situação se inverte: é a “direita” que tem um discurso mais limitado a alguns aspectos (basicamente os pontos 2 e 6,), e se restringe demais à argumentação racional, enquanto a “esquerda” consegue apelar a toda a matriz da ética humana.

Por fim, e essa é a parte crucial do livro, cabe entender o porquê do nosso ódio com quem pensa e sente diferente. Por que tantos se deixam levar pelo sectarismo moralista e persecutório? Primeiro, a má notícia: isso não é um defeito, e sim uma característica inerente ao ser humano, que decorre de nossa natureza social. Nossa sociabilidade, nossa capacidade de formar grupos cooperativos, não tem nenhum paralelo com os demais primatas. Só em alguns insetos encontramos algo semelhante (a divisão social de tarefas e sacrifício em nome do coletivo).

Mas o homem dá um passo além: nossa sociabilidade não obedece apenas a critérios sanguíneos. Não somos como as formigas, que cooperam apenas com sua mãe e suas irmãs dentro do formigueiro. A cooperação humana em sociedade vai além da genética (embora seja também, evidentemente, resultado da evolução); e isso só é possível porque formamos identidades grupais por meio da cultura, da religião e da ideologia política (ou time de futebol).

Nossas crenças têm, antes de tudo, a finalidade de nos identificar ao nosso grupo e conseguir reputação dentro dele. Por isso gostamos de dar mostras de nossa pureza ideológica nas redes sociais. Ao mesmo tempo, essa identidade coletiva sempre se contrapõe a um coletivo rival. Precisamos ser um todo coeso para enfrentá-lo com sucesso. A analogia com torcidas esportivas não é apenas uma analogia: é o mesmo exato mecanismo psicológico.

Sendo assim, o que pode ser feito? Haidt propõe algumas mudanças institucionais que não cabe discutir aqui; em 2018, nada disso vai mudar. Mas o que podemos fazer é colocar em prática o exemplo e o conselho que ele nos dá: procurar entender o outro lado, buscar partir de uma base de valores comuns, para então estabelecer o diálogo. Esse exercício de empatia não só nos ajuda a comunicar (e, quem sabe, convencer) melhor nosso interlocutor — pois aprendemos a nos dirigir ao elefante, e não ao cavaleiro — como também nos abre para sermos nós mesmos transformados, e daí quem sabe enxergar uma gama maior de pessoas como partes de nosso próprio grupo.

Ler Haidt é um exercício de se colocar fora de nossas próprias convicções. Por isso tantos leitores dizem ter sua vida transformada por este que é um livro de ciência, não de autoajuda. Neste mundo de redes sociais e exposição constante, que tende a acirrar as diferenças, a mudança de postura tem que começar com o nosso próprio elefante.

Saiba mais:

É possível conhecer melhor sua própria estrutura moral, acessando o site criado pelo próprio Jonathan Haidt: YourMorals.org.

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