Economia

Por que fazer negócios em Ruanda é mais fácil que no Brasil?

Ruanda saiu de uma década marcada pela guerra civil e por instabilidade política e começou uma campanha de reconstrução e redução da pobreza nos anos 2000

Paul Kagame, presidente de Ruanda, discursa na ONU: ambiente de negócios do país é o 52º do mundo, segundo o Banco Mundial (Getty Images)

Paul Kagame, presidente de Ruanda, discursa na ONU: ambiente de negócios do país é o 52º do mundo, segundo o Banco Mundial (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 26 de outubro de 2012 às 13h00.

São Paulo – O ambiente de negócios de Ruanda é considerado o 52º melhor dentre 185 países, segundo relatório elaborado pelo Banco Mundial, no qual o Brasil ocupa a 130ª posição. No amplo espaço que separa o Brasil de Ruanda está uma agenda de reformas na regulação dos negócios implantada há cerca de dez anos.

Ruanda saiu de uma década marcada pela guerra civil e por instabilidade política e começou uma campanha de reconstrução e redução da pobreza nos anos 2000. O país implementou reformas na regulação para empresas, que reduziram a burocracia e tornaram muito mais fácil fazer negócios no país, segundo o relatório Doing Business, elaborado pelo Banco Mundial.

Entre 2005 e 2011, o PIB real per capita cresceu cerca de 4,5% por ano, em decorrência da expansão sustentada das exportações e do investimento doméstico - com fluxos de investimento estrangeiro direto também crescendo, segundo o relatório. O FMI projeta que o PIB real de Ruanda vai crescer 7,7% em 2012 e 7,5% em 2013.

Com as reformas, Ruanda eliminou sete procedimentos que eram necessários para abrir um negócio (agora são só dois) e o tempo necessário passou de 18 para três dias. O custo também caiu, de 235% da renda per capita para 4%. No Brasil, ainda são necessários 119 dias e 13 procedimentos, o custo é de 4,8%.

“Cada país enfrenta diferentes desafios. Mas o ambicioso e complexo programa de reforma de Ruanda oferece lições para outros”, afirma o Banco Mundial no relatório. Vale lembrar que Ruanda é um país rural, cujas trocas com o exterior estão baseadas em turismo, minerais, café e chá, segundo o CIA World Fact Book. Parte significativa da população (44,9%) vive abaixo da linha de pobreza e o país continua recebendo ajuda do FMI.

Rwanda Vision

Em 2000, em um cenário pós-guerra civil, como a governança pobre, fraca infraestrutura, setores privado e financeiro pouco desenvolvidos, desemprego, sistema educacional fraco e elevados índices de AIDS, Ruanda implementou sua estratégia Rwanda Visison (Visão de Ruanda, em tradução livre) resultado de dois anos de conversas.

O programa apresentava a meta de desenvolvimento no longo prazo, visando elevar a renda per capita de 290 dólares para 900 dólares antes de 2020 – recentemente a meta passou para 3.500 dólares. Em 2011, a renda per capita foi de cerca de 570 dólares, segundo o Banco Mundial. Para comparação, o rendimento nominal (não leva em conta o poder de compra da época) do brasileiro em 2011 foi de 879 reais, segundo dados da PNAD.


“O presidente de Ruanda transformou a reforma da regulação dos negócios em prioridade”, afirma o relatório. O governo de Ruanda criou uma estratégia de reforma de longo prazo bem definida que informa todas as metas de desenvolvimento do país no curto prazo, segundo o Banco Mundial.

Em 2009 foi criado um comitê com representantes de diferentes ministérios. O comitê foi dividido em seis grupos de trabalho, focados em diferentes temas e com a participação de representantes do setor privado. O Banco Mundial também ajudou no projeto. Como resultado, desde 2005, o país implementou 26 reformas de regulação dos negócios.

O ambiente de negócios do país avançou em diferentes aspectos. O tempo necessário para a transferência de propriedade, por exemplo, passou de mais de um ano (371 dias) para menos de um mês (25 dias). As mudanças no preço da taxa de transferência reduziram o custo de 10,3% do valor da propriedade para 5,6%. O programa também facilitou as exportações e importações.

Após Ruanda simplificar as formalidades para o registro de negócios, o número de empresas registradas aumentou, passando de 700 registros em 2007 para mais de 3.000 em 2008 e 6.905 no ano seguinte. Em 2010, foram registrados 18.447 novos negócios – a meta era de 20.000.

Uma das chaves da transformação, segundo o Banco Mundial, está no comprometimento com a reforma demonstrado pelos cidadãos e líderes do país. O governo envolveu o setor privado no processo e manteve uma linha de comunicação para manter empresários e sociedade civil atualizados.

O país também importou conhecimento técnico para replicar boas práticas de outros países. Singapura foi um dos países que serviu de inspiração para Ruanda –  no começo do ano, a revista The Economist intitulou um artigo sobre o país com a pergunta “Seria Ruanda a Singapura da África?”. O governo trabalhou para conhecer as necessidades dos empresários e, além da reforma legal e administrativa, investiu em treinamento dos profissionais – como advogados e juízes.

Brasil

O relatório Doing Business tem indicadores importantes, mas não engloba tudo que uma empresa olha quando busca um novo país para fazer negócios, segundo James Lockhart Smith, analista-chefe de América Latina da consultoria de risco Maplecroft. “São pontos muito importantes (que o relatório observa) mas precisa ver o contexto de oportunidades, que no Brasil são significativas em diferentes setores”, afirmou.

Smith destacou que, como lugar para investir, o Brasil é maior e tem muitas opções que não se vê em Ruanda, especialmente nos mecanismos de investimentos. O PIB brasileiro atingiu cerca de 2,5 trilhões de dólares em 2011 segundo dados do CIA World FactBook, enquanto o de Ruanda foi de 6,5 bilhões de dólares, aproximadamente. “Nesse ponto, o Brasil está à frente”, disse.

Mas isso não significa que Smith ache o ambiente de negócios brasileiro melhor. “Não é surpreendente que Ruanda esteja se saindo melhor que o Brasil”, disse. Smith destacou alguns pontos negativos no ambiente brasileiro que não estão no ranking, como os altos níveis de corrupção na esfera administrativa, o protecionismo e os elevados impostos no país.

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