Economia

Por que a meia-entrada encarece a inteira?

Na teoria, a meia-entrada pretende reduzir o preço pago pelos beneficiados. Mas, na prática, acaba aumentando o preço pago pelos demais


	Sala de cinema: meia-entrada beneficia aposentados e estudantes, mas isso acontece em detrimento do restante do público, que paga entradas mais caras
 (Steve Bonini/Getty Images)

Sala de cinema: meia-entrada beneficia aposentados e estudantes, mas isso acontece em detrimento do restante do público, que paga entradas mais caras (Steve Bonini/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 27 de setembro de 2015 às 16h38.

São Paulo - A lei brasileira da meia-entrada determina que estudantes e idosos paguem metade do valor do ingresso comprado pelas demais pessoas.

Num cinema, se a inteira custar 30 reais, a meia-entrada sai por 15. Logo, se não tivéssemos lei da meia-entrada, todos pagariam 30 reais, correto? Errado.

Na teoria, a meia-entrada pretende reduzir o preço pago pelos beneficiados. Mas, na prática, acaba aumentando o preço pago pelos demais. A ideia de estudantes e idosos pagarem metade do valor de ingressos equivale à existência de uma lei, ainda que informal, de preço dobrado para quem não tiver direito ao benefício.

Ambas as leis fixam exatamente da mesma forma apenas o chamado “preço relativo” dos ingressos para beneficiários em relação aos bilhetes vendidos aos não beneficiários. Se a inteira for 10 ou 20 reais, a meia deverá custar 5 ou 10, respectivamente. Mas a escolha do valor absoluto do ingresso (ou seja, a escolha entre um preço de 10 ou 20 reais para a inteira) é uma decisão do empresário. E, em geral, o preço escolhido por ele para a inteira será maior que o preço único que vigoraria se não existisse a lei da meia-entrada.

Para entender melhor, considere as seguintes duas hipóteses extremas.

No primeiro caso, você é produtor de shows do Roberto Carlos. O espetáculo promovido por você será num lugar inacessível para idosos e poucos estudantes gostam do rei (esta parte da hipótese não está muito longe da verdade). O público, portanto, é composto em sua esmagadora maioria por quem pagaria a entrada inteira.

Sem lei da meia-entrada, digamos que o preço que traria o maior lucro fosse 100 reais. E o que acontece, já que existe a lei da meia-entrada? Como poucos ou nenhum dos beneficiários vai ao show do Rei, nada muda. Você cobra 100 reais pela inteira e 50 pela meia, o que te traz o mesmo lucro, com ou sem a lei.

No segundo caso extremo, você está organizando uma festa para estudantes de faculdade, cujo público é integralmente de beneficiários. Digamos que, sem a lei da meia-entrada, você cobraria também 100 reais por cada ingresso. Mas, como essa lei existe e seu público é composto por beneficiários, você acaba fixando o valor da meia nos mesmos 100 reais do show do Roberto e, consequentemente, cobrará 200 reais pela inteira.

Nos dois exemplos, o preço único que existiria sem lei da meia-entrada era de 100 reais. No primeiro episódio, a inteira continuou custando os mesmos 100 reais e a meia (que ninguém vai comprar) passou a custar 50 reais. Logo, o valor pago pelos beneficiários da lei realmente cai pela metade, mas não há efeito prático algum. Nenhum beneficiário comprou o ingresso, não é mesmo?

Na segunda hipótese fictícia, no entanto, a meia-entrada passou a ser fixada nos 100 reais anteriores. E isso jogou o preço da inteira para o dobro: 200 reais. Assim, com um público repleto de estudantes, a consequência efetiva da lei é fazer esses consumidores pagarem a metade do dobro. Ou seja, o mesmíssimo valor, caso não houvesse a lei.

Essas duas historinhas nos ajudam a entender como funciona a situação mais corriqueira, quando beneficiários e não beneficiários frequentam o mesmo evento. Se o organizador cobra 100 reais na inteira e 50 na meia, ele vai receber pouca receita dos ingressos vendidos para quem paga meia. Em compensação, caso ele cobre 200 reais na inteira e 100 na meia, o preço elevado da inteira espanta parte significativa do público, os não beneficiários. Desse modo, o que ele faz? O empresário joga o preço da inteira, que traz o maior lucro, para cima, num valor intermediário entre 100 e 200 reais.

Fechando a conta: aposentados e estudantes se beneficiam, sim, embora menos do que as pessoas supõem. Mas isso acontece em detrimento do restante do público, que paga entradas mais caras.

* Economista e mestrando da Universidade de São Paulo (USP)

Acompanhe tudo sobre:BenefíciosSalários

Mais de Economia

BNDES vai repassar R$ 25 bilhões ao Tesouro para contribuir com meta fiscal

Eleição de Trump elevou custo financeiro para países emergentes, afirma Galípolo

Estímulo da China impulsiona consumo doméstico antes do 'choque tarifário' prometido por Trump

'Quanto mais demorar o ajuste fiscal, maior é o choque', diz Campos Neto