Economia

Por que a inflação recorde nos EUA é má notícia para o Brasil

Enquanto tenta se recuperar de seus próprios problemas internos, Brasil embarca em uma tempestade perfeita global

Posto de combustível em Washington, DC: inflação americana alta pode contratar recessão global (Chip Somodevilla/Getty Images)

Posto de combustível em Washington, DC: inflação americana alta pode contratar recessão global (Chip Somodevilla/Getty Images)

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Carolina Riveira

Publicado em 17 de julho de 2022 às 13h33.

Última atualização em 21 de julho de 2022 às 16h59.

Os Estados Unidos têm vivido seus dias de país emergente. Preços são reajustados nas prateleiras com mais frequência e o salário do mês passado não compra mais o mesmo neste mês — para desespero (e muitos memes nas redes sociais) dos consumidores americanos, acostumados com valores muito mais estáveis.

A inflação nos EUA divulgada na última semana chegou a 9,1% no acumulado até junho, o patamar mais alto em 40 anos do CPI, principal índice de preços. O índice subiu mais de 1% pelo segundo mês seguido (1,3% em junho e 1% em maio).

A última vez em que os EUA haviam chegado a esse valor havia sido em 1981, após os choques do petróleo nos anos 1970.

Para além dos impactos internos nos preços (como a queda de popularidade do governo Joe Biden e a iminente derrota dos democratas nas eleições legislativas), as movimentações na inflação americana devem afetar o mundo inteiro nos próximos meses.

Os impactos no Brasil se baseiam sobretudo na expectativa de que o Fed, banco central dos EUA, possa subir ainda mais e de forma mais rápida os juros americanos.

“A inflação dos EUA, dentre as inflações globais, é a mais importante, porque gera impacto na política monetária americana. E como os EUA conduzem a política monetária deles influencia em como vamos ter de conduzir a nossa”, diz Matheus Peçanha, economista do Ibre/FGV. “Eles vão ter de apertar lá, e nós vamos ter de apertar aqui”, resume.

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A alta nos juros americanos afeta o Brasil de muitas formas. O aperto monetário tende a valorizar o dólar frente ao real e, no geral, obriga o Brasil a também subir juros para evitar fuga de capitais e para conter a inflação, que fica pressionada com o dólar valorizado. Juros mais altos, enquanto isso, freiam a recuperação da economia e a geração de empregos.

Após começar o ano com taxa de juros zerada, o Fed promoveu sucessivos aumentos para tentar conter a inflação americana – que já vinha pressionada com o choque de oferta na pandemia e piorou de vez com a guerra na Ucrânia.

No último aumento, em junho, a instituição já havia subido os juros em 0,75 p.p, para o intervalo entre 1,5% e 1,75%. Foi a maior alta na taxa americana em um mesmo anúncio desde 1994.

O próximo aumento esperado, em julho, era em torno de 0,75 p.p novamente. Mas, com a inflação acima das expectativas e dados do mercado de trabalho ainda aquecidos, analistas têm passado a trabalhar com a possibilidade de alta de 1 p.p na próxima reunião do Fed, em 26 e 27 de julho.

Supermercado na Califórnia: inflação acumulada chegou a 9,1% nos EUA em junho (Paul Morris/Bloomberg/Getty Images)

Há algumas diferenças entre o cenário nos países desenvolvidos e no Brasil, é claro. A inflação brasileira está perto dos 12% mesmo com desemprego ainda alto, em cerca de 10%, enquanto os EUA vivem cenário de “pleno emprego”, com desemprego em 3,6% e demanda aquecida.

“O hiato do produto dos EUA está muito mais apertado, eles estão perto do produto potencial. Por mais que o nosso desemprego tenha caído, esse não é o caso do Brasil ainda”, diz Peçanha, embora ressalte que a inflação global vem muito mais da oferta do que da demanda neste momento.

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Os números da inflação americana, além de altos, têm vindo sempre acima das expectativas. Em outros tempos, isso não seria um grande problema em se tratando da maior economia do mundo — mas, no cenário de 2022, basta um pequeno percentual fora da linha para acentuar o nervosismo nos mercados.

“À essa altura, surpresas para cima na inflação têm ocorrido com tanta frequência que 'surpresa' é provavelmente a palavra errada”, cutucou a revista britânica The Economist nesta semana.

Recessão no radar do mundo

A inflação alta e os aumentos esperados nos juros fizeram o risco de uma recessão global entrar de vez no horizonte.

A grande discussão nos mercados atualmente é se o Fed será capaz de fazer um ciclo de aperto monetário sem, ao mesmo tempo, levar os EUA — e parte do mundo — para uma recessão.

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O movimento do Fed tem sido acompanhado nas altas por uma série de bancos centrais pelo mundo, incluindo em outros países desenvolvidos, como Reino Unido, Canadá e Austrália. A Suécia, por exemplo, subiu os juros para 0,75%, um patamar que, embora ainda baixo, foi acionado pela primeira vez em 22 anos. O Banco Central Europeu também anunciou que subirá em breve sua taxa de juros, hoje zerada.

É o fim de uma era, após anos de juros baixos que sustentaram dívidas altas dos países e capital fluindo para investimentos de risco.

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No Brasil, a taxa básica de juros, a Selic, já está hoje em 13,25%. É o maior patamar desde 2016. A expectativa é que o BC esteja se aproximando do fim do ciclo de aperto monetário, mas o ano ainda pode terminar com juros mais perto de 14% a depender das condições.

Além do aperto monetário, lockdowns na China (que levaram o PIB do país a ficar quase estagnado no segundo trimestre) e os efeitos da guerra sem data para acabar na Ucrânia tornam as perspectivas de recessão global ainda maiores.

Em junho, o Banco Mundial projetou crescimento do PIB global em 2,6% em 2022, 1,2 p.p abaixo das projeções de janeiro (e contando). Para 2023, a projeção é de 2,2%.

Segundo semestre melhor para o Brasil, mas e depois?

Ao menos para este ano, as perspectivas brasileiras são melhores do que já foram. O Ministério da Economia aumentou a projeção do PIB de 2022 para 2% na quinta-feira, 14, mesma previsão do banco Credit Suisse, que subiu aposta que antes era de 1,4%. Outras casas também têm feito revisões altistas.

A retomada parcial da economia brasileira após o auge da pandemia da covid-19 tem sido puxada pelo rebote do consumo com a reabertura, com destaque para o setor de serviços, e com as commodities exportadas em alta no exterior.

Na outra ponta, há dúvidas sobre o quanto o crescimento pode ser sustentado, com a renda da população em seu menor patamar em uma década e os sinais de desaceleração na China podendo impactar as commodities brasileiras, sobretudo para 2023.

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Mas, por enquanto, ainda que o crescimento não seja necessariamente alto, os cenários para o segundo semestre estão mais positivos, explica Peçanha, do Ibre.

A inflação pode ir dos atuais 12% para perto de 8% ou menos até o fim do ano. No mês de julho, a expectativa é de inflação mensal negativa no IPCA. Os motivos são sobretudo o corte no ICMS de combustíveis e energia, além da recomposição da safra e queda em preços como dos hortifruti, após as altas do começo do ano.

Também há a própria redução no preço das commodities no mercado internacional (que prejudica o crescimento de um lado, mas aplaca a inflação do outro). O petróleo do tipo Brent caiu para perto de US$ 95 pela primeira vez nesta semana desde o começo da guerra na Ucrânia, em parte pelos temores de que uma recessão reduza a demanda. Na outra ponta, o dólar, que voltou a subir frente ao real, pode ser um desafio.

Pessoa caminha em frente à sede do Banco Central em Brasília

Banco Central: próximos passos do BC em 2023 dependerão do cenário político e internacional (Adriano Machado/Reuters)

Globalmente, a expectativa é que a inflação nos EUA também possa ter chegado a seu pico e vá desacelerar a partir de agora.

Apesar disso, a curva de juros futuros americanos segue refletindo as expectativas de uma recessão, com juros altos no curto prazo e baixos no longo prazo.

A secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, disse nesta semana que a inflação americana está “inaceitavelmente alta”. Enquanto isso, também discorreu sobre o efeito dúbio desse cenário nos países emergentes: “Por um lado, pode fortalecer a capacidade deles de exportar, o que é bom para seu crescimento”, disse a secretária. “Por outro, a depender da extensão à qual os países têm dívida em dólar, pode fazer esses problemas — que já são severos — ficarem muito mais difíceis.”

A situação é pior para países como a Argentina, com alta dívida externa em dólar. Felizmente, o Brasil não tem esse tipo de questão há anos, o que torna a situação do país hoje diferente da do choque do petróleo nos anos 1970. A dívida pública, perto de 80% do PIB hoje, fica mais problemática com as taxas de juros altas, mas não se compara aos problemas de uma dívida em dólar.

O banco Goldman Sachs escreveu em relatório nesta semana que o corte de impostos em combustíveis e energia, somado ao aumento do Auxílio Brasil para R$ 600, voucher caminhoneiro e outras medidas na PEC Kamikaze ou PEC dos Benefícios, recém-aprovada, devem adicionar 0,7% do PIB em estímulo fiscal no segundo semestre.

Mas apontou também que o primeiro semestre de 2023 pode ter mais impactos negativos. “Contudo, caminhando para a frente, inflação alta, o impacto atrasado do recente aperto monetário e financeiro, condições de crédito gradualmente mais exigentes, alto nível de endividamento das famílias, desaceleração da economia global (e potencial acomodação dos preços das commodities e termos de comércio) e as incertezas sobre as políticas pós-eleição provavelmente adicionarão ventos contrários crescentes à atividade econômica”, escrevem os analistas do banco.

Em entrevista à EXAME nesta semana, André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton, disse que “o problema não é a inflação de 2022, mas a discussão da inflação de 2023 e de hedge”. “Isso ainda está pouco claro”, afirmou Perfeito.

Enquanto tenta se recuperar de seus próprios problemas internos, o Brasil embarca agora em uma tempestade perfeita internacional. Os resultados ainda são imprevisíveis.

(Com Karla Mamona)

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