Economia

Por que a economia deve crescer mais que o esperado em 2022?

Crescimento da economia de 1,2% no segundo trimestre veio acima da previsão do mercado de 0,9%. Volta mais forte dos serviços surpreendeu

 (RafaPress/Getty Images)

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Agência O Globo

Publicado em 2 de setembro de 2022 às 08h05.

Embalada pela retomada de atividades após o avanço da vacinação, a economia brasileira cresceu 1,2%, acima do esperado pelo mercado, que esperava alta de 0,9% sobre o período de janeiro a março. Foi o quarto trimestre seguido de expansão.

Com isso, analistas e investidores já elevam as previsões para o crescimento da economia no fim deste ano. As estimativas apontam que a expansão da economia pode chegar a 3%, no prognóstico mais otimista. Na outra ponta, as previsões são de alta de ao menos 2%. Mas por que a economia brasileira está com uma atividade maior que a prevista pelo mercado?

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Consumo das famílias em alta, expansão do setor de serviços e injeções de recursos extras na economia com o saque extraordinário do FGTS e a antecipação do 13º de aposentados e pensionistas influenciaram o comportamento do Produto Interno Bruto (PIB) de abril a junho.

Ações como essas, que colocaram cerca de R$ 90 bilhões na economia, ajudaram a impulsionar o consumo das famílias, que subiu 2,6%, atingindo o maior patamar da série histórica, iniciada em 1996. Depois de dois anos de pandemia, o brasileiro voltou a circular mais, a trabalho e lazer, o que teve impacto no setor de serviços, que avançou 1,3% em relação ao período de janeiro a março.

O Itaú Unibanco, que projetava crescimento de 2,2% para o PIB em 2022, agora estima uma alta entre 2,5% e 3%, segundo a economista Natália Cotarelli. Além da aceleração no consumo das famílias, a taxa de investimento de 18,7% do PIB no segundo trimestre surpreendeu.

Foi o caso da família de Carlos Soares, de 42 anos, que mora com a mulher, Vanessa Soares, de 38 anos, e a filha, Eduarda Soares, de 9 anos, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio. Neste ano, a família conseguiu voltar a viajar e frequentar restaurantes, depois de enfrentar dificuldades na pandemia.

O casal é dono de uma empresa de manutenção de ar-condicionado. No ano passado, foi necessário demitir seis funcionários. Um dos fatores de pressão foi o aumento no preço dos combustíveis.

A disposição para consumir, no entanto, divide espaço com o acompanhamento regular dos preços. Inflação e juros altos seguem no radar como preocupações para o consumidor e economistas.

— No ano passado, comprei carne vermelha por R$ 45 o quilo. Este ano, vi a mesma carne por R$ 29. Precisamos nos adequar de acordo com o preço nos supermercados — afirmou Carlos Soares.

Injeção de recursos na economia

Se o segundo trimestre foi embalado pelo consumo e pelo impacto da reabertura no setor de serviços, além do reforço de recursos com saque do FGTS e antecipação do 13º de aposentados e pensionistas, na segunda metade do ano entram na conta dos economistas as transferências de renda, com o Auxílio Brasil de R$ 600 e os benefícios para caminhoneiros e taxistas. Estas ações devem injetar R$ 41,2 bilhões na economia.

“Dado o resultado mais forte que o esperado do PIB no segundo trimestre, revisões para cima do crescimento da economia no quarto trimestre do ano passado e no primeiro deste ano, com bons indicadores de confiança no terceiro trimestre e antecipação de transferências ao setor privado entre julho e dezembro, estamos elevando nossa previsão de crescimento do PIB de 2,2% para 2,9%. Em 2023, esperamos expansão mais tímida da economia, de 1%”, afirmou Alberto Ramos, economista do Goldman Sachs.

O setor de serviços, carro-chefe da expansão entre abril e junho, passou por mudanças após a pandemia, com investimento em digitalização. Novos negócios, como o da SmartGym, aplicativo sediado em Minas Gerais que oferece opções de ginástica por celular, tablet e relógios conectados, ganharam espaço. Mateus Abras, fundador do aplicativo, diz que a receita cresceu duas vezes em relação ao ano passado e que o motor da expansão foi a criação de planos mais econômicos.

— A busca por saúde tem sido cada vez maior. Temos investido em novas funções e recursos — disse Abras.

Dinâmica do setor de serviços influencia mais

A disposição do brasileiro para consumir e a velocidade de recuperação do setor de serviços fizeram com que os economistas revisassem suas projeções para o ano. As estimativas vão de 2% a até 3%. Se não houver queda na atividade econômica entre julho e dezembro, o resultado divulgado ontem pelo IBGE já garante crescimento de 2,6% este ano.

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Para Fernando Monteiro, analista da corretora Tullett Prebon Brasil, o fator reabertura foi mais forte que outras variáveis. No segundo trimestre, a inflação acumulada em 12 meses estava acima de 10% e era maior para os mais pobres.

Quando foi divulgado o PIB do primeiro trimestre, Monteiro havia resumido o quadro econômico da seguinte forma: “Após dois anos preso em casa, a pessoa sai para comer uma esfirra”. Agora, vai além ao comentar a demanda represada:

— A explicação para o resultado segue sendo a abertura. O cara comeu esfirra, agora quer viajar para o Nordeste.

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Viagens são apenas uma parte da lista de desejos de consumo dos brasileiros. Silvia Matos, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma que 85% do crescimento do segundo trimestre na comparação com igual período do ano anterior foi motivado pelos serviços, como indica o monitor do PIB da fundação. A economia como um todo cresceu 3,2% em relação ao segundo trimestre de 2021.

A indústria e os investimentos também reagiram. A taxa de investimento chegou a 18,7% do PIB, o que surpreendeu a economista Natália Cotarelli, do Itaú. Ainda assim, ela pondera que a injeção de recursos extras na economia deve ser menor no segundo semestre, mesmo com Auxílio Brasil de R$ 600 e benefícios a caminhoneiros e taxistas:

— Se considerarmos que foram quase R$ 90 bilhões liberados no segundo trimestre, contra R$ 41 bilhões para o segundo semestre, podemos ver que os benefícios não compensam a renda adicionada à economia antes.

Inflação de serviços

Além do trio consumo, serviços e injeção de recursos, o desempenho da economia foi beneficiado pelo aumento do preço de commodities no mercado internacional. O Brasil é grande exportador de soja, minério de ferro e petróleo.

Sergio Vale, da MB Associados, vê o aumento da massa real de rendimentos bem maior nos estados voltados para o agronegócio:

—As commodities tiveram papel importante nesse crescimento de PIB do ano passado para cá. Estamos vendo isso acontecer no mundo inteiro. Países fortes em commodities tiveram performance melhor. Teve essa quebra de safra da soja no Sul, mas no Centro-Oeste e Nordeste, não.

O mercado de trabalho foi outro impulso para o consumo das famílias. Mesmo com a queda da renda, o aumento do emprego fez crescer a massa de salários na economia. O risco, para Silvia Matos, é o Banco Central ter que aumentar mais os juros, para frear a inflação de serviços que começa a despontar. Já está em 9% ao ano. Esse grupo representa 30% do IPCA:

— PIB mais forte pode gerar inflação de serviços mais alta, com os juros tendo de subir mais. Não tem almoço grátis.

Disseminação do crescimento mais forte

Rodrigo Nishida, economista da LCA Consultores, reviu para cima sua projeção do PIB, justificando que o resultado do segundo trimestre deixa viés positivo para a projeção anual. Porém, tem dúvidas se a expansão é sustentável:

— Boa parte dessas medidas de estímulo tem prazo para acabar. Temos o aperto monetário ganhando força e um cenário internacional cada vez mais difícil. A perspectiva para 2023 é bem mais duvidosa.

Thiago Xavier, analista da Tendências Consultoria, vê uma desaceleração da economia no segundo semestre, provocado por uma série de fatores:

— Alguns estímulos vão sair da conta, como antecipação do 13º e FGTS. A recuperação tardia dos serviços presenciais vem se normalizando, o que vai ajudar menos os números. Por fim, temos juros em patamar extremamente elevado, o que vai começar a fazer mais efeito na economia.

Se as exportações não tivessem caído, o resultado do PIB seria ainda maior. A demanda doméstica, com aumento das importações, foi quem respondeu pelo crescimento no segundo trimestre.

— Chama a atenção o consumo das famílias, os serviços presenciais, o investimento subindo com as exportações caindo mais. Foi um crescimento muito baseado na demanda interna — afirma Rebeca, do IBGE.

A XP Investimentos soltou relatório avisando que vai rever as projeções para cima. “Nossa expectativa atual para o PIB de 2022, de 2,2%, tem um claro viés altista.

Em breve revisaremos nossa projeção para o PIB anual. Também atribuímos um viés positivo à previsão de aumento de 0,5% para o PIB de 2023, a despeito da política monetária em território amplamente contracionista e o enfraquecimento da economia global"

A XP diz que continua esperando desaceleração da atividade doméstica no semestre, "no entanto, a recuperação firme das condições do mercado de trabalho, combinada a estímulos fiscais de curto prazo, deve permitir um arrefecimento econômico suave".

A XP afirma que o resultado do segundo trimestre já garante um crescimento de 2,6% este ano, se não houver queda no terceiro e quarto trimestre.

A Genial Investimentos também já revisou suas projeções. Citou a disseminação do crescimento como um dos motivos para melhoria nas expectativas econômicas.

“Nossa avaliação é que o PIB do 2º trimestre foi positivo, não só pelo valor acima do esperado, mas também pela disseminação de resultados positivos entre diversos subgrupos. Com isso, revisamos de forma preliminar nossa projeção do PIB em 2022 de 2,5% para 2,8%.”

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