Polícia Militar: solenidade de posse do novo comandante da PM do Rio (arquivo - abril de 2018) (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Ligia Tuon
Publicado em 1 de maio de 2019 às 08h00.
Última atualização em 1 de maio de 2019 às 08h00.
São Paulo - A tendência de os militares se aposentarem mais cedo e com benefícios mais altos do que a média do funcionalismo público e dos trabalhadores do setor privado torna a categoria uma verdadeira bomba-relógio para as finanças dos estados.
Os estados brasileiros já gastam hoje R$ 80 bilhões, ou 13% de toda sua receita, com militares ativos e inativos - sendo que 90% são policiais militares ou bombeiros.
O crescimento do gasto na área com inativos é de 7% ao ano, enquanto a receita está praticamente estagnada.
"Hoje, os estados arrecadam o mesmo que arrecadavam em 2013", diz o coordenador de Políticas Macroeconômicas do Ipea, Claudio Hamilton dos Santos. "Basicamente, o país ficou seis anos patinando, com uma arrecadação constante. E grande parte dessa receita está sendo liberada com inativos", diz.
O problema tende a piorar. Estudo divulgado pelo Ipea no início da semana mostra que, em pouco mais de uma década, mais da metade (52%) do contingente militar nos estados já será de inativos.
No ano passado, dois estados já viviam esse cenário: Minas Gerais (283.614 inativos e 245.319 ativos) e Rio Grande do Sul (167.532 inativos e 107.906 ativos).
Minas Gerais e Rio de Janeiro estão em situação particularmente delicada do ponto de vista de receita, já que gastam um quinto de tudo que arrecadam com inativos e pensionistas militares.
Relatório do Tesouro Nacional de 2018 mostra que o número de aposentados dos Executivos estaduais cresceu, em média, 11% entre 2012 e 2017. No caso dos professores e dos militares, duas categorias com regras diferenciadas, as variações para o mesmo período foram de 239% e 167%, respectivamente.
Segundo relatório do Tesouro, as proporções maiores evidenciam a tendência desses servidores a aposentarem mais cedo.
Pela lei, agentes de segurança se aposentam mais cedo que outras categorias, em função, sobretudo, da periculosidade do trabalho que desempenham e da disponibilidade que têm em relação ao serviço.
Enquanto os servidores civis se aposentam, em média, aos 56,9, segundo o estudo do Ipea, metade dos militares é transferida para a reserva antes dos 49 anos.
A dinâmica é particularmente preocupante, segundo Santos, porque ao contrário de civis, os policiais tendem a ser substituídos para que o contingente de policiais e bombeiros na rua não seja reduzido.
Uma questão adicional é a remuneração e a forma com que a carreira é configurada, aponta Juliana Damasceno, economista e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
"Quando entram para a reserva, os militares, geralmente, ganham como rendimento o montante equivalente ao da patente imediatamente superior. Você já estabelece uma certa rigidez.", explica Juliana.
O valor da remuneração mediana dos ativos em 2016 era de R$ 4.389,08, enquanto que para inativos estava em torno de R$ 6.453,99. A lógica é outra entre o conjunto dos servidores públicos estaduais, com o inativo ganhando em média 90% do salário do ativo.
O debate sobre a reforma da Previdência apresentada pelo governo de Jair Bolsonaro tende a ficar focado na economia prevista para a União, mas o problema gerado pelas aposentadorias é tão ou ainda mais grave nos estados.
Em abril, a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) mostrou em estudo que apenas quatro dos 27 estados brasileiros viviam sem déficit previdenciário em 2017.
O déficit da Previdência pública dos governos estaduais, incluindo a aposentadoria dos três Poderes, foi de R$ 77,8 bilhões em 2017, segundo o estudo.
Os superavitários são eles: Amapá, Roraima, Rondônia e Tocantins. Todos os 23 demais registraram déficits. Enquanto Amapá, Rondônia e Roraima possuem pouquíssimos inativos e pensionistas militares, no Rio e no Grande do Sul há quase dois beneficiários para cada ativo.
No seu modelo atual, a reforma se aplicaria também aos servidores estaduais, mas as regras específicas para os militares (incluindo os policiais e bombeiros) seriam objeto de uma outra lei, também já enviada pelo governo ao Congresso.
A reforma para a categoria prevê mudança nas alíquotas de contribuição e alta no tempo de contribuição minimo, de 30 para 35 anos.
O estudo do Ipea prevê que, se a reforma passar do jeito que está, a idade mediana de transferência dos militares para reserva será elevada de 51 anos para 55 anos.
Só isso já economizaria R$ 29 bilhões em dez anos para os estados. Se a reforma for aprovada integralmente, a previsão de economia passa para 52 bilhões de reais.