MICHEL TEMER: sob os olhos do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, presidente se reúne hoje com parlamentares para fechar o texto da reforma da Previdência (Mario Tama/Getty Images/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 19 de agosto de 2016 às 19h26.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h11.
José Fucs
Com a perspectiva de o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff ser aprovado até o começo de setembro, o ambicioso programa de desestatização que o governo Temer pretende implementar deverá finalmente decolar – pelo menos é isso que espera o governo.
Além de contribuir para reduzir o rombo nas contas públicas, o programa liberalizante de Michel Temer deverá alavancar a atividade econômica e os investimentos na produção, que estão em queda contínua desde o final de 2013. Também deverá ajudar a reverter o desemprego crescente no país, hoje estimado em 11,6 milhões de pessoas, um recorde histórico, assim como a queda na renda da população.
Apesar do cancelamento do leilão da Celg, a distribuidora de energia de Goiás, por falta de interessados, a expectativa oficial é de que, com a adoção de regras mais flexíveis, o novo programa de desestatização conseguirá atrair investidores de peso do país e do exterior. Segundo cálculos preliminares feitos por analistas com base nas informações divulgadas até agora pelo governo, o plano de desestatização poderá injetar pelo menos 120 bilhões de reais nos cofres públicos nos próximos anos. Desse total, cerca de 30 bilhões de reais poderão entrar no caixa já em 2017, de acordo com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. “Existe o compromisso de sermos realistas, e vamos trabalhar para termos avaliações mais precisas de preços”, afirma Meirelles.
Da venda de ativos da Petrobras e da Eletrobras à abertura do capital de estatais; das concessões de estradas, portos, aeroportos e ferrovias à cessão de créditos da Receita Federal e à venda de imóveis do INSS, a onda privatista deverá se espalhar pelas diferentes áreas da economia. Como disse o presidente interino Michel Temer antes mesmo de tomar posse, a ideia é “privatizar tudo o que for possível”. Até ativos dos estados deverão entrar na dança, como contrapartida à renegociação de dívidas estaduais pelo governo federal.
Com tantas operações em discussão, anunciadas a conta-gotas pela equipe econômica, fica complicado, muitas vezes, ter uma noção mais clara de tudo o que está em jogo. Para facilitar a tarefa, EXAME Hoje reuniu as principais propostas em estudo no governo. Se os planos se concretizarem, Temer deverá remodelar a face do Brasil, depois de quase uma década e meia de intervencionismo na economia e predomínio de uma visão estatizante em Brasília. Tudo indica que a iniciativa privada deverá retomar o papel de protagonista. “Ninguém toma uma medida desse tamanho simplesmente para resolver um problema de contas ou buscar o equilibro fiscal”, diz Wellington Moreira Franco, secretário executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e coordenador do programa de desestatização de Temer. As principais propostas do novo governo.
Dona de uma carteira de ações de algumas das principais empresas do país, avaliada em cerca de 60 bilhões de reais, a BNDESPar, sociedade de participações do mamute estatal, deverá vender parte de seu portfólio nos próximos meses. Composta por papéis de uma centena de empresas, sua carteira inclui estatais como Petrobras, Eletrobras e Banco do Brasil, e empresas privadas, como Vale, JBS, Oi e Fibria. Segundo a nova presidente do BNDES, Maria Sílvia Bastos Marques, o principal objetivo será promover uma “reciclagem” nas participações para evitar o “engessamento” do banco. Falta definir de que ações o BNDES deverá se desfazer primeiro. Em princípio, a prioridade será a venda das ações de empresas em que o banco tenha uma participação no capital inferior a 2%. Falta definir também quando isso deverá ocorrer. O objetivo é esperar o melhor momento para efetuar os negócios na Bolsa de Valores e o banco maximizar seus ganhos. O dinheiro poderá reforçar o caixa da instituição para viabilizar a devolução antecipada de 100 bilhões de reais recebidos do Tesouro Nacional nos últimos anos, como pretende o governo. A operação, porém, ainda depende do aval do Tribunal de Contas da União (TCU). Há suspeitas de que a antecipação possa ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Se o TCU der sinal verde, o plano é transferir de imediato 40 bilhões de reais ao Tesouro. Daqui a um ano, outros 30 bilhões de reais e, em 2018, os 30 bilhões restantes.
Com o caixa abalado pela sangria do petrolão, uma dívida de 450 bilhões de reais no balanço e prejuízos acumulados de 56,5 bilhões de reais em 2014 e 2015, a Petrobras já vinha colocando em prática um plano de venda de ativos desde o governo Dilma. A meta era conseguir 15,1 bilhões de dólares em 2015 e 2016, mas estava longe de ser alcançada quando Dilma foi temporariamente afastada da Presidência pela Câmara dos Deputados. Até a saída de Dilma, a empresa havia obtido um total de 4,5 bilhões de dólares com a venda de ativos, incluindo a negociação de operações no Chile e na Argentina por 1,4 bilhão de dólares, e de sua fatia na Gaspetro, dona de uma série de participações em empresas do ramo de gás natural, por 540 milhões de dólares. Agora, com a confirmação de Temer na Presidência e sem as amarras ideológicas que travavam o processo, o plano da Petrobras deverá ganhar um novo ritmo, para evitar que a União tenha de promover uma capitalização bilionária na empresa, inviável no atual quadro fiscal. No final de julho, a nova diretoria da Petrobras conseguiu arrecadar mais 2,5 bilhões de dólares com a venda da participação de 66% no Campo de Carcará, na Bacia de Santos, para a Statoil, da Noruega.
Nos próximos meses, novos negócios deverão ser fechados. O mais esperado é a venda de 51% das ações com direito a voto da BR Distribuidora, considerada a “joia da coroa”. Líder na distribuição de combustíveis e detentora do controle de uma rede de lojas de conveniência, a BR Distribuidora foi avaliada recentemente em 10 bilhões de dólares por analistas do banco suíço UBS. O negócio, já aprovado pelo conselho de administração da Petrobras, deverá ser concluído no primeiro trimestre de 2017. Também está no prelo a venda da fatia de 29,1% da Petrobras na Liquigás, a segunda maior distribuidora de GLP (gás liquefeito de petróleo) do país, que poderá render mais 2,5 bilhões de reais. A lista inclui ainda a venda da Nova Transportadora do Sudeste (NTS), que reúne sua malha de gasodutos, para a Brookfield Asset Management, do Canadá, por 5,2 bilhões de dólares, além da negociação da Petroquímica Suape e da Companhia Integrada Têxtil de Pernambuco (Citepe) para a mexicana Alpek, que tem uma posição de destaque mundial na produção de poliéster.
Além disso, a Petrobras colocou à venda recentemente nove campos de águas rasas de produção de petróleo e gás no Nordeste (cinco em Sergipe e quatro no Ceará); as unidades da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (Fafen) e os terminais de GNL (gás natural liquefeito) na Baía de Guanabara e em Pacém, no Ceará. O presidente da Petrobras, Pedro Parente, não descarta a venda da participação de 36% da empresa na Brasken, cujo valor é estimado em 5,8 bilhões de reais. A questão será definida, segundo ele, até outubro, quando será concluído o novo plano estratégico da Petrobras. “Os desejos que temos para a Petrobras não são pequenos”, afirma Parente. “Eu não teria aceitado o cargo se não fosse para fazê-la voltar a ser grande.”
Depois de intervenções desastrosas de Dilma, o setor elétrico promete ser uma das estrelas do programa de privatização que será lançado pelo governo Temer com o objetivo de estimular a retomada dos investimentos na área. Além da Celg, cuja desestatização deverá ser realizada em novas bases, após o fracasso do leilão marcado para 19 de agosto, a Eletrobras, controlada pela União, deverá privatizar mais seis distribuidoras de energia entre o segundo trimestre e o final de 2017 — a Ceal (Alagoas), a Cepisa (Piauí), a Eletroacre, a Ceron (Rondônia), a Boa Vista Energia (Roraima) e a Amazonas Energia. As empresas, que enfrentam prejuízos bilionários recorrentes e dificuldades para atingir metas de qualidade dos serviços, afetam de forma dramática o balanço da Eletrobras. Só em 2015, o prejuízo da Eletrobras chegou a 14,4 bilhões de reais. Além da venda das distribuidoras, o governo planeja negociar participações em até 174 sociedades de propósito específico (SPEs), controladas pela Eletrobras, como as hidrelétricas de Jirau e de Santo Antônio e linhas de transmissão e subestações. A operação poderá render, pelos cálculos do Ministério de Minas e Energia, em torno de 20 bilhões de reais.
Para evitar que o governo tenha de reforçar seu capital, o BB prepara a venda de vários ativos. O plano é abrir o capital ou buscar um novo sócio para as áreas de cartões de crédito e de administração de recursos de terceiros. Em princípio, o banco deverá vender uma fatia pequena, de 5% a 10%, nos dois negócios. O BB estuda também a venda de sua participação no banco Votorantim, ligado à família Ermírio de Moraes, com forte atuação na área de financiamento de veículos, e do banco Patagônia, da Argentina, cujo valor de mercado gira em torno de 7,5 bilhões de reais. O BB poderá também se desfazer de sua participação na Neoenergia, uma distribuidora e geradora de energia, e na fabricante de silos Keplen Weber, nas quais detém 11,99% e 17,45%, respectivamente. De quebra, o BB deverá perder os 2 bilhões de reais do fundo soberano que ele administra se sua extinção, anunciada por Temer, se confirmar. Nesse caso, os recursos deverão ser transferidos ao Tesouro para reduzir a dívida pública.
Com o mesmo objetivo do BB de reforçar o capital e evitar a necessidade de aportes do governo, a Caixa também planeja a venda de ativos. A abertura do capital da Caixa Seguridade, com a venda de 25% de seu capital no mercado, poderá gerar cerca de 6,5 bilhões de reais ao governo. A instituição negocia também a privatização da Caixa Instantânea, que explora a Lotex, responsável pela venda da raspadinha, que poderá render outros 4 bilhões de reais. Além disso, avalia a criação de uma nova empresa de jogos online, a ser privatizada em seguida, que poderá render 8 bilhões de reais, de acordo com as estimativas oficiais. A eventual abertura do capital da própria Caixa no futuro dependerá do sucesso do processo de saneamento financeiro pelo qual a empresa deverá passar.
Com um prejuízo de 2,1 bilhões de reais em 2015 e um rombo de 7,5 bilhões de reais desde 2014 no Postalis, fundo de pensão da empresa, os Correios, uma das empresas mais “aparelhadas” pelos governos petistas, não têm muita saída além da venda de ativos para tentar colocar a casa em ordem. Maior estatal do país em número de funcionários, com 117.000, os Correios vêm sendo preparados desde 2011 para a abertura do capital, que depende da reestruturação da empresa e da aprovação do Congresso Nacional. Uma das propostas é dividir os Correios em unidades, como logística e encomendas, que poderão ser transferidas integralmente para o setor privado. Para captar recursos do mercado a juros mais baixos, a empresa poderá realizar uma operação de securitização de seus recebíveis. É difícil entender como, nessa situação, o governo Dilma ainda forçou os Correios a repassar desde 2011 mais de 8 bilhões de reais em dividendos ao Tesouro acima do mínimo legal. Na mesma linha, o governo estuda a abertura do capital da Casa da Moeda, mas ainda não há detalhes sobre a operação.
A abertura do capital da IRB Brasil RE (antigo Instituto de Resseguros do Brasil) se arrasta desde 2015, mas tudo indica que a operação será finalmente realizada em 2017. O governo queria realizá-la já neste ano, mas o Bradesco e o Itaú Unibanco, que são seus sócios na empresa, além do Banco do Brasil, preferem esperar melhores condições de mercado para vender suas participações. Com a venda de uma fatia de 17%, do total de 27,55% que detém da companhia, o governo espera arrecadar cerca de 2 bilhões de reais e manter a participação restante em suas mãos.
O governo prepara uma operação de venda de créditos que a Receita Federal tem a receber de contribuintes que parcelaram o pagamento de tributos nas diversas edições do Programa de Recuperação Fiscal (Refis). As estimativas oficiais são de que o valor total desses créditos, a serem negociados com deságio no mercado, pode ultrapassar os R$ 100 bilhões, permitindo uma antecipação de receita entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões para o Tesouro. Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda, porém, o volume de crédito passível de repasse ao mercado, com fluxo de pagamento já conhecido pelo governo, seria bem menor, de 22 bilhões de reais. Como tal valor ainda será negociado com um deságio, estimado em cerca de 50%, a arrecadação final com a operação ficaria entre 10 bilhões e 20 bilhões de reais. Conhecida pelo nome de securitização, a operação depende da aprovação de um projeto de lei de autoria do ministro das Relações Exteriores e senador licenciado, José Serra, que deve ser votado pelo Congresso ainda em breve. Pelo projeto, a transação poderá ser feita também por estados e municípios que tomaram a mesma iniciativa da União, de parcelar dívidas fiscais. Preocupado com a possibilidade de a operação ser considerada uma operação de crédito, o governo está empenhado em mostrar ao TCU que a União não terá nenhuma obrigação em relação aos papagaios que serão cedidos ao mercado.
Com regras mais claras, que não deverão “demonizar” o lucro dos empresários, como acontecia nas gestões de Dilma e Lula, nem exigir mais que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) seja responsável pelas obras realizadas em trechos privatizados, o governo Temer pretende turbinar as concessões de rodovias no país. O plano é realizar a concessão de 19 novos trechos, com investimentos estimados em 18,3 bilhões de reais. Ainda em 2016, o governo pretende realizar o leilão da concessão do trecho da BR-364, entre Mato Grosso e Goiás, cujo estudo já foi aprovado pelo TCU, para facilitar o escoamento da produção do Centro-Oeste para os portos. O processo para a realização do leilão da BR-163, que liga Mato Grosso e Pará, para acelerar o escoamento de grãos, também está em estágio avançado. Outra prioridade é a renovação dos contratos de nove concessionárias, entre elas a Nova Dutra, a Autopista Fernão Dias e a Nova Subida para Petrópolis, que poderão gerar mais 15 bilhões de reais em outorgas e investimentos. O governo já deu sinais de que deseja alterar as regras dos contratos de rodovias concedidas na terceira rodada de privatização do setor, a partir de 2013, para alongar o prazo de realização das obras e sanar eventuais problemas de modelagem.
Sem a exigência de que a Infraero tenha participação de 49% nas concessões, que acaba limitando os investimentos, já que a empresa está sem caixa, a governo pretende atrair investidores privados ao setor. A intenção é vender a participação da estatal nos aeroportos de Guarulhos (SP), Viracopos (SP), Galeão (RJ), Brasília e Confins (MG), leiloados nos últimos anos. O novo modelo deverá ser adotado também nas concessões dos aeroportos de Porto Alegre, Florianópolis, Salvador e Fortaleza, que devem render no total 4,1 milhões de reais. Recentemente, Temer anunciou a intenção do governo de incluir no programa de concessões os aeroportos de Congonhas, em São Paulo, e Santos Dumont, no Rio, que atendem à Ponte Aérea, a rota mais movimentada do país. Há estudos em andamento para avaliar a adoção do modelo “filé com osso”, pelo qual quem ficar com os terminais mais lucrativos terá de levar, em contrapartida, unidades deficitárias ou novos projetos. A concessão do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, por exemplo, seria “casada” com a construção de um terminal de cargas e passageiros na região metropolitana da cidade, o 20 de Setembro.
A prioridade no setor é a Ferrovia Norte-Sul, que há três décadas drena recursos públicos e ainda não foi concluída. Segundo o Ministério dos Transportes, já há estudos prontos para a concessão do trecho entre Tocantins e São Paulo, incluindo a possibilidade de o vencedor realizar obras dos trechos entre São Paulo e Mato Grosso e entre o Pará e o Maranhão. Neste caso, o governo pretende fazer um leilão intermodal, adicionando ao contrato as concessões dos portos de Barcarena (PA) e Itaqui (MA). Há estudos para adotar o modelo intermodal também na concessão da Ferrovia Oeste-Leste, na Bahia, que incluiria o porto de Ilhéus. O pacote de Temer no setor deve abranger ainda trechos já construídos da Norte-Sul, num único lote de concessão. A Ferrogrão, que ligará Sinop, em Mato Grosso, a Miritituba, no Pará, também está no topo da lista de prioridades, com um investimento previsto de 10 bilhões de reais. Os estudos, porém, ainda têm de ser aprovados pelo TCU, o que costuma levar pelo menos quatro meses. Para destravar as concessões de ferrovias, cujo modelo adotado por Dilma não atraiu investidores, o governo pretende permitir que uma empresa construa e opere a via durante 60 anos, em vez dos atuais 35.
Um dos principais gargalos de infraestrutura do país, os portos deverão passar por uma grande transformação, com o fortalecimento da presença da iniciativa privada no setor. Até o fim do ano deverão ser lançadas licitações para concessões dos terminais de passageiros dos portos de Recife e de Fortaleza. A venda das Companhias Docas de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Pará, Maranhão e Ceará deverá ajudar a cobrir o déficit de 3 bilhões de reais do fundo de previdência dos portuários (Petrus). Ao contrário do que acontece hoje, os terminais privados poderão receber cargas de terceiros. O Brasil também deverá promover a abertura dos portos aos investidores estrangeiros. Uma das iniciativas prioritárias é a realização de concessões para o serviço de dragagem, uma atividade recorrente que envolve bilhões de dólares. Em Santos, a profundidade natural do porto é de 8 metros, mas precisa ser de, no mínimo, 15 metros. Com navios cada vez maiores e calados cada vez mais fundos, o país pode ficar sem condições de recebê-los se não der atenção à questão. O governo estuda ainda a concessão de hidrovias e de um novo terminal de trigo no porto do Rio de Janeiro.