Fábrica da Hyundai: no setor automotivo, afetado por retração nas vendas internas e a crise cambial na Argentina, o índice de avanço chegou a 42% do programado até aqui (Germano Lüders/EXAME)
Da Redação
Publicado em 23 de abril de 2014 às 21h44.
Brasília - A oito meses do fim do mandato de Dilma Rousseff, a chamada "agenda estratégica setorial" da controversa política industrial do governo registra um "avanço" médio de 55,4% no conjunto de medidas anunciadas para 19 setores escolhidos como prioridade desde 2011.O chamado Índice Geral de Escopo (IGE), usado para medir a execução das ações em cada setor, figura no mais recente relatório técnico de acompanhamento das ações do Plano Brasil Maior, divulgado no fim de fevereiro pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
A nova política, conduzida pelo ex-presidente da agência e atual ministro do Desenvolvimento, Mauro Borges, registra relevantes atrasos em algumas agendas. No setor automotivo, afetado por retração nas vendas internas e a crise cambial na Argentina, o índice de avanço chegou a 42% do programado até aqui. Das 31 medidas do governo no setor, 16% figuram como "em atraso", 68% têm status "executando como planejado" e 3% "concluídas".
No setor de celulose e papel, o indicador IGE atingiu 29% até fevereiro. Na metalurgia, construção civil e complexo da saúde, outros casos de baixa execução, têm menos de 40% no índice.
Ilustrativo
Alvo de críticas de empresários e especialistas, o Brasil Maior sucedeu dois esforços recentes para tentar resgatar a indústria da letargia, ambos lançados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2004 e 2008. Em defesa dos avanços do plano, a ABDI informa que o IGE, criado por sua própria área técnica, é um "índice aritmético frio", que não diferencia o peso de ações específicas, como no automotivo. "Não é estatístico, é ilustrativo. Ele tenta medir, mas compara banana com laranja", diz o gerente de Planejamento, Jackson De Toni.
Coordenador-geral do relatório, ele diz que o indicador pode sumir de futuras avaliações. "Vamos ver nova métrica para capturar isso. O IGE é subjetivo, dá margem a interpretações. Só o deixamos por inércia". Para melhor traduzir seus esforços, a agência informa que 115 das 320 medidas (35%) foram concluídas até aqui. Outras 194 têm "diferentes graus de execução" (61%) e 11 ainda não foram iniciadas.
Na avaliação sistêmica do plano, os resultados são melhores. A lista atualizada em março pela ABDI indica que as 11 ações de redução dos custos de trabalho e capital estão "operacionais", assim como nove das dez medidas de inovação e defesa do mercado interno. Na outra mão, a promoção e defesa comercial tem 38% das 21 medidas "em implementação". São os casos do combate às importações ilegais e a criação da Agência Brasileira Gestora de Fundos.
Raio X
Avaliação menos favorável do Brasil Maior tem o economista César Mattos, do Centro de Economia e Finanças da Universidade de Brasília (UnB). Em "raio X" inédito do plano, ele mostra que um quarto das medidas são objetivos e estudos, sem relação com ações concretas. Das 287 medidas setoriais, 69 estão nessa categoria. O Brasil Maior, segundo ele, manteve uma política industrial tocada ao sabor de lobbies e pressões, com viés protecionista e sem exigência de contrapartidas ou performance dos setores beneficiados.
Mattos classifica como "declarações de intenções". Em comércio e serviços logísticos, diz ele, há mais "não medidas" do que medidas. Mais: nem todas as ações são realmente novas - apenas estendem regimes especiais a outros setores ou benefícios existentes ou só ampliam ou mantêm vantagens em vigor no próprio setor. De 219 medidas "novas", 60 delas (27%) são de programas já existentes, regulamentações de leis ou decretos em vigor. "Há, de fato, alguma ênfase em inovação, mas está longe de ser absoluto. Dois terços das medidas têm outros objetivos de fomento."
Protecionismo
O "pente fino" aponta outra tônica: 40% das 287 medidas setoriais têm viés protecionista. Em tecnologia da informação, 22% estão nessa categoria. Automotivo e bens de capital têm 20%. Defesa, aeronáutica e espacial, 15%. O plano do governo, diz, mostra a "cenoura", mas não prevê o "chicote". Isso, avalia Mattos, pode levar um conjunto de medidas protecionistas a ter efeito oposto ao esperado sobre o crescimento econômico.
Membro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), o presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, avalia que o plano "ficou no papel, não se traduziu na retomada industrial". O PIB industrial recuou, o comércio exterior minguou e a inflação voltou, mesmo com juros altos, diz. "A presidente precisa intervir, fazer uma cobrança geral".
O diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, Carlos Abijaodi, defende o plano, mas admite "não ser fácil" coordenar tantas medidas. "Isso provocou dificuldades para fazer andar", diz. E ressalta ações "fundamentais", como desoneração da folha de salários, Inova Empresa e Reintegra, que "devolveu" R$ 3 bilhões às exportadoras em 2013. O consultor José Tavares de Araújo Jr, diretor do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), aponta "coisas boas", como a inovação, mas critica a "tolice" de exigir conteúdo local e adensar cadeias produtivas. "Fabricar tudo aqui é descabido, ainda mais sem exigir contrapartidas."