(EXAME/Exame)
Publicado em 19 de junho de 2024 às 10h04.
Última atualização em 19 de junho de 2024 às 17h04.
A reforma que mudou para sempre o Brasil começou com uma nomeação ministerial que nem o indicado queria. Fernando Henrique Cardoso (FHC), então senador e ministro das Relações Exteriores, foi nomeado ministro da Fazenda em maio de 1993, enquanto participava de uma viagem internacional aos Estados Unidos. Era a quarta pessoa escolhida para o posto em apenas oito meses do governo Itamar Franco, que assumiu a Presidência da República após a renúncia de Fernando Collor de Mello, envolto em um controverso processo de impeachment. Para piorar, o Congresso Nacional vivia a crise conhecida como “Os Anões do Orçamento”.
FHC tentou, sem sucesso, demover Itamar da ideia de nomeá-lo por meio de um telefonema. Recebeu como resposta: “Sua nomeação foi bem recebida”. Ainda nos Estados Unidos e diante do desafio posto, o novo ministro da Fazenda conversou com Armínio Fraga, ex-diretor do Banco Central (BC) e que trabalhava com o megainvestidor George Soros, após recomendação de Pedro Malan.
Fraga, hoje um dos maiores economistas e investidores do país, explicou a FHC a complexa situação da economia brasileira, que já convivia com uma hiperinflação.
Ao retornar ao Brasil, FHC participou de uma reunião com as principais lideranças do PSDB, entre eles dois futuros governadores de São Paulo, Mário Covas e José Serra, além de Edmar Bacha, economista do partido à época.
“Não havia a mínima condição de imaginar um plano de estabilização naquelas circunstâncias tão peculiares, com tão pouco tempo, tão pouca gente e tão pouco apoio político. Eu falei isso tudo para os cardeais do PSDB e o Covas, que você não conheceu, mas quando ele mandava, ele mandava. O Covas só me disse o seguinte: 'Ô, Bacha, escuta aqui, essa não é uma decisão do Fernando, essa é uma decisão do partido e você é o economista do partido. Você vem conosco’”, afirmou Bacha, em entrevista exclusiva à EXAME.
O embarque do PSDB no governo Itamar e a escolha de FHC para o posto de ministro da Fazenda em maio de 1993 foi determinante para que em 1º de julho de 1994 — isto é, mais de um ano depois — o Brasil tivesse uma nova moeda, o Real.
Os detalhes dessa trajetória merecem ainda mais destaque neste ano, quando o Plano Real completa seu trigésimo aniversário. Para os 203 milhões brasileiros de 2024 não há como imaginar uma vida cotidiana sem uma moeda estável, segura e forte.
Mas este cenário pareceria utópico para os 158 milhões de brasileiros naquele início de 1993, quando a situação era toda tão caótica que o país organizou um plebiscito entre Monarquia e República e até a classificação da seleção para a Copa do Mundo parecia improvável. A República venceu, a seleção foi ao Mundial, e voltou com o tetra — e o Real mudou a história econômica do país.
A EXAME acompanhou — muito de perto — a criação, o lançamento e os últimos 30 anos do Real, a reforma das reformas da economia brasileira.
Em 16 de março de 1994, alguns meses antes do lançamento oficial da nova moeda, o economista Mário Henrique Simonsen, que era colunista assíduo da revista EXAME, escreveu um artigo de capa. Em letras garrafais, lia-se:
URV: POR QUE ESSE PLANO É MELHOR QUE TODOS OS ANTERIORES
Em quatro páginas, Simonsen, um dos mais destacados economistas do país, destrinchou por que acreditava que o plano econômico, que naquele momento acabara de ser iniciado por meio do lançamento da Unidade Real de Valor (URV), seria diferente dos anteriores, que tentaram domar a hiperinflação e colheram resultados amargos para a população.
"Um fato tem de ser registrado. Contrariamente aos cinco choques precedentes dos governos Sarney e Collor, a MP 434 foi editada sem trauma e sem necessidade de apelar para qualquer feriado bancário. Ela não tenta se impor como fato consumado, mas como proposta sujeita a modificações", escreveu Simonsen. Nesse sentido, a distância entre o FHC-2 e as tentativas anteriores de estabilização é a mesma que separa a democracia do totalitarismo. A despeito de seus defeitos e imperfeições, o plano recém-lançado é melhor que todos os que o antecederam."
Nas últimas décadas, a EXAME escreveu capas, reportagens, análises e artigos de opinião sobre o que o Real representou para a história do país. Neste ano, daremos sequência a essa tradição, mas de olho nos tempos atuais: a partir do 1º julho, data oficial dos 30 anos da nova moeda, a EXAME lançará uma série documental com cinco episódios.
Nela, trataremos do antes, do durante e do depois — o futuro — do Plano Real.Para a obra, entrevistamos 17 dos maiores economistas, empresários e executivos do setor financeiro do Brasil.
Por entender que esse conhecimento precisa ser público — e esmiuçado às últimas consequências —, publicaremos a partir desta terça-feira, 18, as entrevistas feitas para a série documental na íntegra em nosso canal do YouTube e em nosso site.
Serão duas entrevistas por semana com alguns dos economistas que elaboraram e executaram o Plano Real, empresários, banqueiros e atuais diretores e o presidente do Banco Central.
A lista de entrevistados inclui:
Nas entrevistas, alguns dos "pais" da nova moeda contarão os bastidores de como foi montado o plano, as dificuldades e as incertezas que os rondavam à época — além dos obstáculos para implementar o novo sistema no país.
Além disso, os entrevistados refletiram sobre como o Plano Real impactou a vida dos brasileiros e quais os ganhos que a nova moeda trouxe à sociedade.
Para o CEO do BTG Pactual (do mesmo grupo que controla a EXAME), Roberto Sallouti, a principal conquista do Plano Real é o fato de os brasileiros pensarem suas poupanças em reais — um argentino, por exemplo, pensa suas reservas em dólares americanos.
"O país ter sua unidade de valor, a sua moeda, é uma conquista que não podemos abandonar como sociedade. Isso torna um país estável", disse Sallouti.
Um dos formuladores do Real, o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e sócio-fundador da Rio Bravo, afirmou à EXAME que garantir a estabilidade de preços foi a porta de entrada para um novo Brasil.
"Depois de vencer o dragão da inflação com o Plano Real, nós voltamos a ter ambições de pensar no desenvolvimento do país”, disse Franco.
Atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou à EXAME que o Plano Real mudou a vida dos brasileiros.
"O Plano Real e a adoção do regime de metas para a inflação foram grandes marcos que estabilizaram a economia e permitiram que muitas coisas boas pudessem acontecer no país", disse Campos Neto
Para a economista Elena Landau, a principal lição deixada pelo Plano Real é de que a inflação não é mais tolerada pelos brasileiros e que o aumento de preços pode derrubar um governo.
"O combate à inflação e a estabilidade de preços são coisas que a sociedade brasileira não vai mais abrir mão. Vimos isso nesses 30 anos do Plano Real", disse Landau.
A diretora de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta do Banco Central, Carolina de Assis Barros, resume o sucesso do Plano Real em uma frase.
"Não há um país forte sem uma moeda forte", afirmou Barros.
A série de entrevistas vai ao ar na EXAME até 1º de agosto. Acompanhe e compartilhe.