Economia brasileira: temor do mercado é que o Brasil se perca novamente num movimento de deterioração das contas públicas, do qual tentava sair quando veio o coronavírus (SEAN GLADWELL/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 14 de agosto de 2020 às 17h05.
Última atualização em 14 de agosto de 2020 às 18h27.
A forma como a economia brasileira tem reagido à crise do coronavírus vem levando o mercado a revisar semanalmente sua previsão para a contração do produto interno bruto (PIB) de 2020, cujo recuo foi para 5,2% nesta semana, de uma queda de 6,6% prevista em junho, segundo dados do Boletim Focus, do Banco Central.
Com a falta de clareza do governo em relação a planos para o cenário fiscal deteriorado pela crise sanitária, porém, uma piora da pecepção pode tirar o fôlego dessa trajetória positiva. O temor do mercado é que o Brasil se perca novamente num movimento de deterioração das contas públicas, do qual tentava sair quando veio o coronavírus.
"A piora da percepção pode arrefecer a redução da incerteza e recuperação da confiança. Além disso, a própria percepção de que as medidas de auxílio emergencial foram um sucesso para amenizar o aumento de desemprego são um fator de risco para o último trimestre, quando elas começam a perder disponibilidade", diz Arthur Mota, da EXAME Research.
A troca de membros importantes na equipe econômica — os secretários Salim Mattar, de Desestatização, e Paulo Uebel, de Desburocratização — jogou mais fumaça em um cenário cinzento da trajetória fiscal.
Ambos chefiavam setores vistos como primordiais para a redução da máquina pública, que tem cerca de 5% de orçamento livre para investimentos e outras medidas não obrigatórias. Com eles, o Ministério da Economia já perdeu cinco integrantes durante a pandemia.
Por ora, explica o economista, deve pesar mais nos números o ritmo mais acelerado que o imaginado da atividade, em meio à flexibilização das medidas de isolamento.
Do meio de junho para cá, a casa de análise já alterou sua expectativa para contração do PIB em 2020 de 6,50% para 5,6%, repercutindo o desempenho no segundo trimestre melhor do que o esperado inicialmente dos setores de indústria, comércio e serviços.
Dados preliminares de julho, primeiro mês do terceiro trimestre, e até do início de agosto continuam a mostrar uma retomada, mas não devem ser refletidos nas expectativas com a mesma força:
"Achamos que as revisões agora serão mais marginais, quando muito indo para -5%. Números menores que esse destoam do humor geral", diz Mota. A previsão oficial do governo é de uma queda de 4,7% para o PIB em 2020.
Já no ano que vem, o temor fiscal pode impactar as previsões de forma significativa, caso haja algum evento fiscal determinante, como a extensão do estado de calamidade até 2021, que chegou a ser considerado pelos parlamentares, além de possíveis decisões de inestimentos em infraestrutura, também no radar do Executivo.
O apelo para que o governo aumente seus investimentos em infraestrutura e programas sociais ganhou força em razão da pandemia, que escancarou desigualdades sociais e econômicas no país. Esse movimento vem crescendo tanto entre parlamentares quanto integrantes do governo.
Um dia após o anúnco das demissões, Bolsonaro veio a público reafirmar seu comprmisso com o ajuste fiscal, em sua primeira entrevista à imprensa depois da prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro. Ao lado dos presidentes do Senado e da Câmara, David Alcolumbre e Rodrigo Maia, disse que seu governo segue comprometido com a responsabilidade fiscal e com o teto de gastos.
Bolsonaro também admitiu que a possibilidade de flexibilizar o limite de gastos públicos foi considerada pela equipe, mas já não está mais no radar, segundo ele. O presidente disse que foi questionado por membros do governo sobre furar o teto em mais 20 bilhões de reais, e detalhou que a intenção de “arranjar” esses recursos seria para obras e ações no Nordeste, citando a revitalização do Rio São Francisco.
Ontem à noite, em sua live semanal pelo Facebook, o presidente reclamou que "o teto é o teto. O piso sobe anualmente. Cada vez mais tem menos recurso para fazer alguma coisa", disse, após reivindicar 0,1% de poder de veto sobre decisões na economia.