Economia

Pequenos comerciantes da Argentina tentam se equilibrar no caos

A desvalorização histórica do peso - com baixa acumulada de 22% desde sexta-feira - se traduziu em perdas imediatas para alguns donos de lojas

Buenos Aires: "A Argentina é uma gangorra que sobe e desce", disse Ruben Haleblian, vendedor de uma loja de eletrônicos na capital argentina (Sarah Pabst/Bloomberg)

Buenos Aires: "A Argentina é uma gangorra que sobe e desce", disse Ruben Haleblian, vendedor de uma loja de eletrônicos na capital argentina (Sarah Pabst/Bloomberg)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 14 de agosto de 2019 às 06h00.

Última atualização em 14 de agosto de 2019 às 06h00.

Depois de dois defaults da dívida soberana neste século, pequenos comerciantes na Argentina sabem navegar muito bem em tempos de crise. Mas mesmo eles foram abalados pela nova turbulência.

A desvalorização histórica do peso argentino - em forte queda pelo segundo dia, com baixa acumulada de 22% desde sexta-feira - se traduziu em perdas imediatas para alguns donos de lojas. Outros faziam cálculos para saber o quanto pagar por seus ingredientes básicos. Com as eleições presidenciais programadas para daqui a dez semanas, todos ficaram imaginando o quanto pode piorar.

"A Argentina é uma gangorra que sobe e desce", disse Ruben Haleblian, vendedor de uma loja de eletrônicos em Buenos Aires.

O peso em queda significa que mercadorias atreladas ao dólar sobem de preço. Com a moeda em queda livre, Haleblian foi instruído pelo dono da loja a precificar todos os produtos, que são importados, a 62 pesos por dólar. O resultado: todas as mercadorias, de um cartão de memória SD a um celular Samsung, ficaram 40% mais caras - e os clientes foram embora da loja assim que souberam o preço.

’Fora de controle’

Outro exemplo é o de Pablo Ricatti: sua empresa faz pães para hambúrgueres e cachorros-quentes na província de Buenos Aires, mas o colapso cambial significa que agora ele não tem como saber o preço justo da farinha. Depois que os mercados fecharam, Ricatti descobriu que seu fornecedor havia aumentado o preço em 59% na sexta-feira.

"Não vou aceitar esse preço, é muito mais do que a desvalorização do peso", disse Ricatti, que enfrenta o próprio desafio de decidir o que cobrar dos clientes. "Temos suprimentos suficientes para vender para as próximas duas semanas e podemos manter nossos preços por enquanto", disse. "Mas, se o peso continuar fora de controle, vamos aumentar os preços."

Os argentinos já enfrentaram crises cambiais antes, como em agosto do ano passado, quando uma depreciação de 25% em um único dia levou o governo a aumentar o tamanho de um empréstimo recorde com o Fundo Monetário Internacional.

Em 2015, quando o presidente Mauricio Macri eliminou o controle de capitais, a moeda se desvalorizou 30%. Esse tipo de oscilação torna mais difícil para os argentinos conduzirem seus negócios com normalidade.

Eleições

A onda vendedora da segunda-feira fez parte de uma ampla fuga de ativos da Argentina depois que o candidato da oposição Alberto Fernández venceu Macri nas eleições primárias do fim de semana, consideradas um prenúncio para as eleições presidenciais de outubro.

Os rumores sobre o tipo de política populista para a economia que poderia ser implementado por Fernández e, especialmente, por sua vice na chapa, a ex-presidente Cristina Kirchner, alarmaram os investidores.

No entanto, embora o resultado tenha surpreendido institutos de pesquisa e investidores, os números refletiram o descontentamento da população em relação ao comando da Argentina em meio à recessão, austeridade e inflação acima de 50%.

O resultado é uma desconexão entre a preferência do eleitorado por um governo potencialmente protecionista e intervencionista para ajudar a tirá-los das dificuldades econômicas e o desejo dos investidores por uma continuidade das políticas pró-mercado de Macri para recuperar a confiança dos mercados internacionais.

Essa divergência pode agravar a crise econômica no curto prazo.

"O movimento repentino da moeda não está apenas prejudicando a economia hoje, mas talvez 2020 não traga a recuperação que esperávamos", disse Jimena Blanco, diretora de pesquisa da Verisk Maplecroft, em Buenos Aires. "As decisões de investimento serão suspensas até o segundo semestre do ano que vem."

(Com a colaboração de Carolina Millan)

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