Ann Lee, professora de economia e finanças da NYU (New York University) (Ana Fuccia)
João Pedro Caleiro
Publicado em 12 de setembro de 2014 às 19h13.
São Paulo – A chinesa Ann Lee ganhou a atenção do mundo com a publicação em 2012 do best-seller “O que os Estados Unidos podem aprender com a China”.
Desde então, ela ganhou as páginas das grandes publicações internacionais e tem viajado o mundo destacando as lições deixadas por duas décadas de alto crescimento econômico que retiraram centenas de milhões de chineses da pobreza.
Recentemente, ela esteve em São Paulo para uma conferência sobre os BRICS. Questionada sobre o que a China poderia aprender com o Brasil, que também teve uma queda forte na taxa de pobreza, ela prefere citar "erros a serem evitados" – como ter institucionalizado a democracia “muito cedo”, na sua opinião.
Ann já foi aluna nas universidades de Berkeley, Princeton e Harvard e trabalhou em Wall Street com fundos de investimento. Atualmente, ela está de licença da Universidade de Pequim para dar aula na New York University (NYU).
Veja a seguir os principais trechos da conversa com EXAME:
EXAME.com - O que o Brasil pode aprender com a China?
Ann Lee - Que você precisa de lideres com visão de verdade. A China virou o que virou porque teve Deng Xiaoping no passado e tem hoje Xi Jinping, provavelmente o mais importante desde Xiaoping, e que pode fazer a China caminhar para outro modelo de crescimento. Olhando para outros países, você verá que líderes são um ingrediente poderoso.
EXAME.com - E o que a China pode aprender com o Brasil?
Ann Lee - A China pode aprender a evitar alguns dos erros que o Brasil cometeu. É problemático quando a democracia é institucionalizada muito cedo; se você olha para as nações que adiaram este processo, vê que elas foram capazes de alcançar padrões mais desenvolvidos muito rápido. Estou falando de Taiwan, Coreia do Sul, que eram governos autoritários como a China e só se tornaram democracias recentemente.
Se você pede para pessoas não educadas votarem em algo, elas não terão uma visão informada do mundo, e isso leva ao denominador comum mais baixo e políticos que não farão o melhor para o país. Depois que você tem educação de qualidade e infraestrutura, aí sim você esta pronto para a democracia.
EXAME.com - Mas o contrário também não é verdade, como mostram tantos países? Sem prestação de contas, você não tem incentivo para responder à pressão da população pelos melhores serviços, escolas e hospitais que você cita.
Ann Lee - Você precisa de prestação de contas, com certeza, e a China faz isso através de seus jornalistas. Eles podem falar sobre todo tipo de corrupção, o que vai para o Weibo (o Twitter chinês) e força uma resposta das autoridades, como mostra o exemplo do leite e a campanha anti-corrupção. É assim que eles respondem às demandas da população e são democráticos mesmo sem eleições, já que os jornalistas realizam esse trabalho de exposição.
EXAME.com - Mas há muita pressão sobre jornalistas estrangeiros, como no caso do New York Times, por exemplo,
Ann Lee - A China convida jornalistas estrangeiros, que não são permitidos em alguns outros países, e dá a eles vistos justamente porque acha importante deixar todo mundo em alerta. Eles só não gostam quando sentem que há alguma outra agenda, como derrubar o governo.
Você sabe que a CIA já tentou isso em países com o Chile, usando jornalistas para tirar a credibilidade de um líder. O balanço é complicado, mas a China está sendo mais responsiva com as redes sociais e tudo mais. Ela sabe que é impossível deixar todo mundo no escuro.
EXAME.com - Dizia-se que a China preferia ser deixada em paz ao invés de gastar capital politico com questões não prioritárias ou que não a afetam diretamente. Você acha que isso está mudando? A China está buscando um papel político maior?
Ann Lee - A China ainda é relutante em assumir um papel maior nas grandes questões porque ela sabe que se opinar demais, os EUA ficarão incomodados e tentarão se vingar. Eles dizem que a China precisa ser um ator responsável, fazer isso ou aquilo; bom, a China está trabalhando na ordem mundial que os EUA construíram. Ela nunca usou poder militar pra conseguir nada, só o comércio, porque acredita que não cabe a ela julgar o bom e o ruim. A China vai continuar alheia porque é contra seus valores dizer aos outros o que fazer e também porque ela não quer incomodar os EUA.
EXAME.com - Tanto os EUA quanto a China estavam felizes com seu arranjo econômico, mas agora a China já emergiu e quer virar um centro de inovação e não só plataforma de exportação. A relação azedou? A China é hoje competidora dos EUA e não só complemento?
Ann Lee - Certamente ainda se complementam, mas a China está agora competindo mais com os EUA porque ficou mais inovadora, investiu mais dinheiro em pesquisa e desenvolvimento e forma mais cientistas. A China está entrando nesses territórios que já não são exclusividade americana, e isso vai inevitavelmente tirar a participação de mercado de algumas empresas que se se beneficiaram da proteção em território local e agora já não conseguem competir.
Veja a Huawei, por exemplo, hoje muito mais competitiva que a Cisco e a Alcatel. Os americanos acham que a única maneira de parar a China é por sanções comerciais, processos na OMC e esse tipo de coisa porque não estão acompanhando o ritmo das mudanças.
EXAME.com - Em um relatório recente o FMI disse que a China precisa crescer um pouco menos, mas melhor. Isso é possível? O governo não precisa manter o ritmo de crescimento em níveis atuais para manter sua legitimidade?
Ann Lee - Eles querem fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Essa transição vai exigir novas habilidades; estávamos treinando as pessoas para serem engenheiros e não psicólogos ou relações públicas. Você precisa desenvolver essas áreas e isso leva tempo, além de trazer professores novos do resto do mundo, o que também demora. Mas o investimento não pára e o crescimento continuará relativamente alto, ainda que menor, enquanto o país caminha para uma economia mais baseada em consumo e serviços.
EXAME.com - E uma abertura do sistema político, pode ocorrer no curto prazo?
Ann Lee - Não. A China ainda tem 500 milhões de pessoas na pobreza, e quando as pessoas trabalham 12 horas no campo, não tem tempo de estudar nem tem ideia sobre questões de economia ou política externa. Pedir para eles votarem para presidente seria como pedir a uma criança de 5 anos; você não pode, é irresponsável. Até que possamos assegurar um certo nível de educação e de qualidade nas instituições, a China não estará preparada para a democracia, e isso não vai ocorrer em um futuro próximo.
EXAME.com - Só em algumas décadas?
Ann Lee - Pelo menos.