Economia

Para filósofo, "fim da história" pode acontecer – de novo

Francis Fukuyama teve de voltar atrás na tese de que o "fim da história" já aconteceu - e admitir que a democracia liberal ainda tem, sim, concorrência

Francis Fukuyama, sobre o momento político no Brasil: “Não está claro o que os brasileiros querem no lugar desta forma de governo” (©afp.com / Eric Feferberg)

Francis Fukuyama, sobre o momento político no Brasil: “Não está claro o que os brasileiros querem no lugar desta forma de governo” (©afp.com / Eric Feferberg)

Luiza Calegari

Luiza Calegari

Publicado em 30 de junho de 2016 às 15h07.

Última atualização em 20 de fevereiro de 2018 às 11h32.

São Paulo - A polêmica que envolve o filósofo e sociólogo Francis Fukuyama vem, em grande parte, da interpretação errada da tese que baseia seu artigo “O fim da história”, de 1989, depois ampliado e transformado em livro, com o título “O fim da história e o último homem”.

A interpretação literal do título, de que não haveria mais eventos significativos que abalassem a organização social humana, lhe rendeu diversas críticas.

No entanto, a ideia defendida por Fukuyama é a de que, com o fim do comunismo e da Guerra Fria, a democracia liberal como forma de governo não teria mais alternativas, colocando um fim ao processo histórico de desenvolvimento material da humanidade.

Fukuyama chegou a se retratar desta tese, mostrando que a dinâmica econômica não tinha chegado a um fim com a derrocada dos regimes comunistas.

27 anos depois da publicação do artigo original, ele voltou atrás na retratação. Atualmente, acredita que a maior ameaça para a supremacia da ampla democracia liberal seja a China.

“Eles têm um governo autoritário e forte, e mesmo assim mostram um desenvolvimento capitalista invejável. Se no longo prazo, em 50 anos, vamos perceber que o mundo seguiu o modelo liberal de democracia, ou se a visão chinesa prevaleceu, isso ainda está por vir”.

Populismo e democracia

Francis Fukuyama, em uma palestra do ciclo Fronteiras do Pensamento, realizada na noite desta quarta-feira (29), explicou sua visão sobre os pilares para a formação de um estado moderno, verdadeiramente impessoal e democrático, que marcaria o fim das polarizações entre formas de governo e levaria, de uma vez por todas, ao “fim da história”.

Para ele, este estado se sustenta sobre três pilares: poder público eficiente (garantindo serviços básicos, como segurança, saúde e educação); aplicação das leis (que devem valer igualmente para todos, inclusive os poderosos); e credibilidade democrática (as pessoas precisam acreditar que o governo trabalha pelo seu bem-estar).

Um quarto aspecto, no entanto, é o grande desafio global da atualidade, para ele: a transição de um estado patrimonialista para um estado moderno. O modelo patrimonialista, de caráter monárquico, aceita a utilização do patrimônio público para benefício individual dos detentores de poder, e é a origem da corrupção em países com democracias jovens, como é o caso do Brasil.

O verdadeiro desafio para o Brasil e a América Latina, portanto, é fazer a transição do estado patrimonialista para o estado moderno. Sob esta ótica, o Brasil vive hoje um cenário análogo ao dos Estados Unidos no final do século 19, como Fukuyama havia citado em entrevista a EXAME em janeiro deste ano.

“Para realizar esta transição, é preciso que haja indignação popular – e isto ocorreu nos EUA do século 19, com pessoas mais educadas, em organizações sociais. Os empresários também precisam querer modernizar suas operações – nos EUA, parte dos empreendedores queria jogar pelas regras do clientelismo, mas havia uma parcela considerável que queria uma nova forma de fazer negócios”, explicou.

“Além disso, é preciso ter um ator político forte que possa implantar essas mudanças”, disse Fukuyama e, neste caso, o Judiciário do Brasil mereceu elogios. “Trata-se de uma instituição forte, que faz o seu trabalho”, afirmou.

O que falta, no entanto, é uma idéia clara sobre o projeto de país que se quer. “Não está claro o que os brasileiros querem no lugar desta forma de governo”, afirmou. “Este é um processo longo e doloroso, e uma reforma diz respeito a política e poder. E aqui faltam líderes para a mudança”, afirmou.

Desigualdade e populismo

A ascendência de governos populistas tem sido apontada, por alguns setores, como a causa de um embate entre classes sociais na América Latina, mas o fenômeno Donald Trump nos Estados Unidos coloca a universalidade desta tese em xeque.

Fukuyama explicou que, na verdade, esta análise confunde causa e efeito: na verdade, é a desigualdade social que dá espaço para o surgimento de líderes populistas, e não o contrário.

Isso fica visível quando se analisa o caso dos Estados Unidos: o partido democrata tem uma rejeição histórica por parte da classe trabalhadora e adotou, nos últimos anos, políticas que Fukuyama classifica como identitárias, ou seja, encampando lutas feministas, LGBT, anti-racistas.

Por sua vez, os republicanos, ao adotarem um modelo político que só favorece as elites, também perderam a confiança da classe trabalhadora, o que abriu campo para que um líder populista proclamasse: “sou tão rico que não preciso ser corrompido” e soasse honesto aos ouvidos dos eleitores, na avaliação do sociólogo.

Brexit, terrorismo e outras ameaças

Em relação à saída do Reino Unido da União Europeia, Fukuyama foi reticente em apontar as possibilidades sobre o futuro do bloco, mas afirmou que ele não foi construído sobre bases sólidas.

“Os líderes europeus tinham essa visão ingênua de que a integração econômica levaria à integração cultural e social. Mas os alemães continuaram leais à Alemanha acima de todas as coisas, os holandeses continuaram leais à Holanda, e por aí vai”, explicou.

O medo da imigração, segundo ele, está direcionado à questão errada. “Não são os imigrantes que estão roubando os empregos da classe média trabalhadora, são as tecnologias. Se carros autônomos vingarem, isso significa que um grande número de pessoas vai deixar de dirigir táxis e trabalhar como motoristas, esse é o grande desafio que teremos que enfrentar”.

Em relação ao terrorismo, Fukuyama afirmou que ele não constitui uma ameaça a curto prazo. “O terrorismo mata uma quantidade ínfima de pessoas. Mudar as leis de trânsito pode ser mais eficaz para salvar vidas do que acabar com atentados nos Estados Unidos, por exemplo. A ameaça do terrorismo é a reação que se toma contra ele”, afirmou.

Por medo de ataques, os governos adotam medidas que restringem as liberdades individuais e ameaçam a democracia, segundo o sociólogo.

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