"Parece um teste muito mais político", diz especialista sobre nova CPFM (Adriano Machado/Reuters)
Agência O Globo
Publicado em 3 de agosto de 2020 às 07h22.
Última atualização em 3 de agosto de 2020 às 14h35.
A afirmação do presidente Jair Bolsonaro de que a nova CPMF poderá ser criada se não levar a aumento de carga tributária é, na avaliação de especialistas, uma manobra política dificilmente corroborada pelos fatos. De acordo com tributaristas, além de ser difícil estimar como compensar o peso de um novo imposto, a forma fragmentada da proposta de reforma do governo torna os cálculos inviáveis.
— Parece um teste muito mais político. O presidente precisa fazer isso porque não tem como passar esse tributo sem fazer reduções de outros tributos. Assim, talvez o Congresso aceite. É mais uma retórica política, na qual ele diz que vai abrir mão de algumas coisas para aprovar o novo imposto que é importante para ele — destacou Eduardo Telles, sócio do Tauil & Chequer Advogados.
Para Telles, é complexo definir reduções em outros impostos para compensar a criação do novo tributo, como a desoneração da folha de pagamento, que incide sobre quem emprega, não sobre o consumidor como um todo.
— O cálculo para provar que realmente não houve aumento de carga tributária num caso desses é muito difícil. Ou seja, não é uma matemática muito simples saber quanto vou ter que diminuir dos outros tributos para não ter aumento de carga tributária — destacou.
Para Luís Carlos Ferreira dos Santos Júnior, do Ferreira dos Santos Advogados, neste momento de crise econômica grave o governo deveria estar preocupado em ampliar o desenvolvimento econômico e não ampliar seu caixa às custas dos contribuintes.
— Com certeza ele (Bolsonaro) está jogando para o público, para a torcida, como se fala. Mas mesmo que se mantenha a mesma carga tributária, um imposto sobre transação financeiras pode ter vários reflexos, como redução de operações financeiras bancárias e maior remessa de recursos ao exterior — destacou Santos.
Para o economista José Roberto Afonso, é impossível falar que novo imposto não vai gerar aumento de carga tributária porque o governo ainda não apresentou os cálculos, se será mesmo uma CPMF, base e alíquota. Ele lembrou que a equipe economia não abriu os números usados para calibrar o percentual de 12% da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
— Não vejo seriedade. É a reforma tributária do faz de conta — disse.
Segundo o tributarista, Ilan Gorin, a sociedade não deveria dar margem ao governo de fazer qualquer modificação do sistema tributário brasileiro, inclusive com o novo imposto:
— Eu preferiria que a opinião pública não desse margem ao Poder Executivo de apresentar qualquer espécie de alteração tributária porque o que motiva é aumentar a arrecadação.
Para Gorin, o que o governo deveria fazer é concentrar esforços para aprovar a reforma administrativa, reduzir os gastos públicos, o que abriria margem para a queda na carga tributária com a desoneração da folha de salários.
— Eles não querem se queimar com a reforma administrativa, o que é necessário e permitiria uma queda na carga tributária com redução de despesas – disse o tributarista, acrescentando que o projeto enviado pelo governo ao Congresso, propondo o fim do PIS e da Cofins e a criação da CBS é um exemplo claro de que o objetivo é elevar a arrecadação.
Hermano Barbosa, sócio do Barbosa, Müssnich, Aragão (BMA), chamou atenção para as incertezas do processo.
— No Brasil, aumentos de tributos com compromisso de reduções de carga tributária futuras nos deixam sempre um pouco céticos e preocupados. Que viesse o pacote completo. No caso da CPMF, o grande desafio para todas as economias mundiais é como tributar os negócios digitais, mas isso não significa que o caminho seja uma tributação sobre movimentação financeira nem a criação de novos tributos nos moldes da CPMF — observou Hermano Barbosa.