A reserva é o equivalente a 27 meses de importações, 19% do PIB ou 100 vezes a dívida de curto prazo. A título de comparação, o Brasil tem o triplo das reservas da Índia. (Jose Luis Gonzalez/Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 16 de novembro de 2018 às 12h00.
Última atualização em 16 de novembro de 2018 às 12h42.
São Paulo - As reservas internacionais do Brasil são gigantescas e custa caro mantê-las. Por isso, quando o principal assessor econômico de Jair Bolsonaro aventou a possibilidade de vender parte delas, a sugestão soou razoável.
O Banco Central tem aproximadamente 380 bilhões de dólares em reservas — o equivalente a 27 meses de importações, 19% do PIB ou 100 vezes a dívida de curto prazo. A título de comparação, o Brasil tem o triplo das reservas da Índia.
Essa fortaleza começa a parecer incompatível com a realidade, dado que os mercados financeiros se acalmaram após a eleição de Bolsonaro. Por que manter tanta moeda estrangeira que rende tão pouco, sendo que o custo de financiamento das reservas em reais é tão alto? A resposta dos economistas é que o atual otimismo dos mercados pode ser apenas uma trégua passageira e que a economia brasileira segue frágil. Vale lembrar que o déficit público superou 7% do PIB nos últimos três anos.
"Pode ser imprudente reduzir as reservas antes que a crise financeira seja essencialmente resolvida", disse Tony Volpon, economista-chefe do UBS Brasil, que já foi diretor do BC. "Até lá, níveis elevados de reservas servem como instrumento necessário para administrar e amortecer a reação do mercado em tempos de estresse."
Paulo Guedes, futuro ministro da Economia de Bolsonaro, disse que a proposta de usar 100 bilhões de dólares das reservas para reduzir a dívida pública era hipotética e que só faria sentido com uma taxa de câmbio bem mais desvalorizada, que dificilmente se concretizaria sob a supervisão dele.
Ainda assim, a ideia ganhou força e vem sendo debatida no mercado financeiro.
O processo de reduzir as reservas cambiais teria duas etapas. Segundo explicou o ex-secretário do Tesouro Carlos Kawall, o BC venderia uma parte e imediatamente diminuiria seu estoque de notas compromissadas denominadas em reais, que, pela contabilidade nacional, entram na dívida bruta, que soma 1 trilhão de dólares.
O apelo disso é óbvio. O governo brasileiro paga juros de 9,5% sobre as notas denominadas em reais com prazo de 5 anos, significativamente mais do que recebe como rendimento dos títulos denominados em dólar que compõem as reservas. Os títulos do Tesouro americano com vencimento em 5 anos rendem aproximadamente 3%. A matemática só favorece o BC quando o real desaba em relação ao dólar.
"Existe uma consciência de que o nível das reservas é excessivo", disse Kawall, que hoje atua como economista-chefe do Banco Safra. "Sinalizar essa discussão sobre o nível das reservas é um momento oportuno."
Em resposta a um email da reportagem solicitando esclarecimento das regras para as reservas, o BC afirmou que não existem normas para a compra ou venda de reservas e que suas medidas no mercado cambial visam o funcionamento adequado do mesmo.
Nos últimos três meses, o real se valorizou 1,8% em relação ao dólar e é a moeda de país emergente com segundo melhor desempenho no período, atrás apenas da lira da Turquia. O Brasil aparentemente não precisa da retaguarda desses 380 bilhões de dólares atualmente.
A obsessão em acumular reservas gigantescas é produto do trauma das crises cambiais do passado, especialmente a que foi deflagrada pela eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência em 2002. A entrada maciça de dólares durante o boom das commodities, até 2011, facilitou a tarefa.
Reverter a posição das reservas não será fácil. Se o BC eventualmente vender dólares para segurar uma depreciação do real, como sugeriu Guedes, é possível que isso aguce o apetite do mercado por mais dólares.
"Se o mercado acha que o câmbio está no patamar errado, US$ 100 bilhões dólares, vai 200 bilhões de dólares fácil -- você teria um fenômeno parecido com um ataque especulativo", disse Márcio Garcia, professor de economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio). "Usar as reservas em um momento de estresse é complicado."
Mas Garcia argumenta que não há mais tanta urgência para vender reservas. O spread entre os títulos públicos do Brasil e dos EUA com prazo de 5 anos encolheu para 6,5%, vindo de 15% há pouco mais de dois anos.
O BC é tecnicamente responsável pela gestão das reservas e críticos sugerem que a medida poderia ser interpretada como violação de sua autonomia. Por outro lado, o próprio Guedes é ardoroso defensor da independência do BC e afirma que o governo Bolsonaro trabalhará para passar legislação neste sentido.
A história sugere que os operadores do mercado de câmbio não devem esperar uma enxurrada de dólares vinda do BC. Guedes não foi o primeiro a debater a perspectiva de reduzir essa apólice de seguro em forma monetária.
Mesmo antes de assumir a presidência do BC, durante a audiência no Senado após sua nomeação, Ilan Goldfajn sugeriu discutir o nível de reservas quando o País superasse momentos de incerteza. Já se passaram dois anos e meio.