Economia

Os altos e baixos da gestão Meirelles, por três economistas

Tony Volpon, Zeina Latif e Sergio Vale falam dos 22 meses do ministro que deixa o cargo para tentar concorrer à Presidência

Economistas: Tony Volpon, do banco UBS no Brasil, Zeina Latif, da XP Investimentos, e Sergio Vale, da consultoria MB Associados

Economistas: Tony Volpon, do banco UBS no Brasil, Zeina Latif, da XP Investimentos, e Sergio Vale, da consultoria MB Associados

DR

Da Redação

Publicado em 27 de março de 2018 às 17h27.

Última atualização em 27 de março de 2018 às 19h27.

Segundo os jornais Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deve deixar o cargo na próxima semana para tentar se viabilizar como candidato pelo MDB, compondo uma eventual chapa com Michel Temer ou como candidato à Presidência. Meirelles assumiu a Fazenda em maio de 2016 e foi importante na condução da política econômica e na construção da credibilidade da gestão Temer. Mas deixa o cargo sem conseguir deixar como legado projetos que considerava prioritários, como a reforma da Previdência. EXAME ouviu três economistas sobre os altos e baixos da gestão Meirelles: Tony Volpon, economista-chefe do banco UBS no Brasil, Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, e Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados. Os três responderam as perguntas por email. Em comum, um balanço bastante positivo dos 22 meses em que esteve à frente da Fazenda.

Qual o balanço da gestão de Henrique Meirelles à frente da Fazenda? 

Volpon: Se o julgamento for feito do ponto de vista das intenções o balanço foi bastante positivo. O conjunto de reformas propostas foram abrangentes e muito bem formuladas pela sua equipe. Se olharmos pela ótica dos resultados, o balanço fica mais misto: a economia evidencia uma recuperação consistente, mas isso reflete também fatores cíclicos – tudo parece melhor depois de uma grande recessão – e uma boa ajuda do benigno cenário internacional. Outro atenuante negativo seria a incapacidade de aprovar qualquer medida relevante – não somente a reforma da Previdência – que implica corte de gastos obrigatórios.

Zeina: Sem dúvida, o balanço Henrique Meirelles é bastante positivo. Meirelles contribuiu para dar credibilidade ao governo Temer, um governo de transição que muitos viam como sem legitimidade para fazer reformas. O ministro acertou muito na escolha do time econômico. Profissionais competentes e comprometidos. Acertou também ao dar a autonomia e apoio para que o time pudesse avançar na agenda de controle das contas públicas e melhora institucional do regime fiscal do País. A coesão do time, apesar de pressões externas, é sinal de empenho do ministro. Foram muitos avanços, sendo os mais visíveis a criação da regra do teto, o Regime de Recuperação Fiscal do estados e o novo desenho do Fies. Há também avanços mais silenciosos, mas essenciais para reduzir o risco fiscal e para impedir no futuro os erros cometidos pelo governo anterior. Houve um aprimoramento da Lei de Responsabilidade Fiscal, com várias medidas para reforço na governança da relação entre governo federal e entes subnacionais. Além disso, promoveu-se um aumento da transparência das contas públicas, como na incorporação do Fies na contabilidade  “acima da linha”. Porém, algumas questões foram mal encaminhadas, como a aprovação do reajuste do funcionalismo e as negociações no Congresso. Algumas derrotas foram prejudiciais ao ajuste fiscal, como na renegociação da dívida dos estados e na flexibilização de políticas como o Funrural e Refis. Além disso, houve falha de comunicação junto às agências de classificação de risco e o mercado financeiro para explicar a necessidade de flexibilização da “regra de ouro”, o que pode ter sido o gatilho para o rebaixamento do Brasil pela S&P este ano.

Vale: O balanço é positivo, com reformas importantes tendo sido implementadas, em destaque a regra do teto, a reforma da TJLP e a reforma trabalhista. Três reformas que eram há muito desejadas pela maior parte dos economistas e que finalmente conseguiram avançar em tão pouco tempo. Claro que faltou avançar na reforma da previdência e na tributária, que acabou perdendo espaço ano passado por causa da tentativa de aprovar a reforma da previdência. Mas ao menos outras reformas importantes têm sido sinalizadas, como cadastro positivo e a nova Lei de Falências. Ficarão para o próximo governo, mas é um avanço. O maior pecado talvez tenha sido em não acelerar a costura do acordo comercial com a União Europeia.

Meirelles encampou o teto dos gastos, mas não conseguiu levar à frente medidas importantes, como reforma da Previdência, Refis, pacote de concessões. Essas questões comprometem seu legado?

Volpon: Infelizmente, sim. Não que seja devido à falta de esforço do Ministro e sua equipe, mas é um fato. O trabalho de garantir a estabilidade fiscal ficou para o próximo governo.

Zeina: A não aprovação da reforma da Previdência não foi exatamente responsabilidade do ministro, ainda que tenha faltado habilidade política. Foi uma decisão do governo à luz do seu elevado custo político, principalmente pela reação contrária do funcionalismo, frente ao limitado benefício para este mandato presidencial.

Vale: Não comprometem, porque boa parte de não termos avançado nisso se deu pela quase morte que o governo sofreu em Maio do ano passado. Aquela crise acabou com a chance do governo aprovar reformas muito profundas, com maioria qualificada. Então vejo mais como uma consequência da crise política gestada no Palácio do que alguma dificuldade do Meirelles em avançar com isso. Eu particularmente teria tentado avançar em paralelo a reforma tributária, mesmo que imperfeita, que teria um impacto positivo de longo prazo para a economia como a da previdência.

Os senhores veem algum problema em o ministro da Fazenda deixar o cargo com pretensões eleitorais? 

Volpon: Não, já que esta deixando o cargo.

Zeina: É absolutamente legítimo e uma prova de que muito foi entregue. Estivesse o Brasil em recessão, isso não ocorreria. Caso houvesse risco à condução da política fiscal, seria uma atitude equivocada. Não é o caso. Além disso, a agenda econômica deixou de ser prioridade do governo e isso não se alteraria com a permanência de Meirelles no Ministério da Fazenda. O único porém é que pode ter havido um custo político de o ministro ter sinalizado sua candidatura precocemente.

Vale: Isso em si não é problema. Já tivemos caso semelhante lá atrás com o FHC em 1994, por exemplo. A questão é que nesse caso seria interessante trocar seis por meia dúzia, ou seja, achar alguém que mantenha o perfil que o Meirelles imprimiu. Os nomes que foram colocados, o Guardia e o Mansueto, são excelentes nomes para manter essa trajetória.

Há espaço para a nova gestão da Fazenda promover mudanças relevantes até o fim do ano? 

Volpon: Talvez haja espaço para algumas medidas de cunho mais técnico onde não há clara oposição politica. Fora isso não vejo espaço politico para passar mais nada até a eleição.

Zeina: É pouco provável que haja mudanças relevantes na política econômica, por uma questão de coerência do próprio governo Temer. Além disso, as amarras constitucionais que disciplinam os gastos públicos limitam o espaço para concessões. É importante, porém, ponderar a importância de manter o time econômico. Além da busca de algum espaço para avanço de reformas, há o desafio de afastar pressões para alívio tributário e aumento de gastos que comprometam os resultados fiscais.

Vale: O ideal seria que o governo agora concentrasse em articular a aprovação do que já está com meio caminho andado ou iniciado em alguma das Casas, como o cadastro positivo, o regulamento das agências reguladoras, a duplicata eletrônica e a privatização da Eletrobrás, esta um pouco mais atrasada. São decisões que não dependem de maioria qualificada e pelas quais o governo avançaria na agenda microeconômica.

Os senhores veem riscos de longo prazo (pós-eleições) na continuação da agenda econômica iniciada por Henrique Meirelles? 

Volpon: Certamente. De um lado, parece que há certo consenso dentro de boa parte do espectro político para a necessidade de um reordenamento do regime fiscal (o teto de gastos, por mais importante que seja, somente eh uma meta que ainda não sabemos como será cumprida na pratica). Mas não esta claro se nossa classe politica como um todo realmente entendeu a gravidade da situação que estamos enfrentando e o tempo bastante limitado que ainda temos para resolve-la.

Zeina: Riscos existem, mas hoje são muito menores do que no passado. Um presidente que evite o ajuste fiscal corre grande risco de não terminar seu mandato. A questão é que o desafio é enorme e não basta ser um governo medíocre que evita o enfrentamento de grupos de interesse. Uma agenda tímida, ainda que na direção correta, poderá comprometer a estabilidade macroeconômica e o crescimento de longo prazo do País. Dívida pública com trajetória insustentável e fim de bônus demográfico é combinação explosiva. Não há espaço para timidez.

Vale: Sim, esse é o maior risco. Temos hoje uma quantidade exagerada de candidatos com visão míope sobre a economia, com tentativas de voltar às velhas políticas e/ou incapacidade de articulação política. O país precisará de um presidente com a dupla qualidade de ser um bom gestor na economia e na política. Ter apenas uma das qualidades não bastará para o trabalho que precisará ser feito, especialmente pensando na necessária reforma da previdência ano que vem. Assim, aumentou muito o risco de a recuperação recente poder terminar mais cedo do que se imaginava. Mas não me parece de todo estranho imaginar que vamos ter que passar por nova crise para se perceber, talvez finalmente, que não há mágica. E eventualmente uma nova crise possa ser o elemento que falta para quebrar a espinha dorsal dos privilégios do setor público em relação ao resto do país.

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