Economia

Órgãos federais penam com cortes de gastos e miram autonomia

Alguns órgãos sofreram cortes mais severos de despesas nos últimos meses, que agravaram os problemas da infraestrutura precária e de falta de quadros.


	Notas de 50 e 100 reais: cortes de gastos afetaram serviços como limpeza, transporte, comunicação, entre outros
 (Andrew Harrer/Bloomberg)

Notas de 50 e 100 reais: cortes de gastos afetaram serviços como limpeza, transporte, comunicação, entre outros (Andrew Harrer/Bloomberg)

DR

Da Redação

Publicado em 6 de fevereiro de 2014 às 16h28.

São Paulo - Sem desfrutar dos crescentes gastos governamentais com custeio da máquina pública, autarquias e outros órgãos federais com orçamentos cada vez mais apertados estão se movimentando para ter maior autonomia financeira.

Já acostumados a economias sazonais de itens como energia e combustível, órgãos como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Banco Central, a Receita Federal, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) e a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) sofreram cortes mais severos de despesas nos últimos meses, que agravaram os problemas da infraestrutura precária e de falta de quadros.

Convocados a contribuir com esforços do governo para cumprir a meta fiscal, servidores passaram a conviver com rotinas espartanas, incluindo corte de metade dos veículos de serviço, adiamento do pagamento de diárias para serviços externos, racionamento do uso de elevadores, impressoras, Internet e até de telefone.

"Tivemos que fazer vaquinha para comprar café e copos descartáveis (no fim do ano)", disse à Reuters uma servidora do BC, que pediu para não ser identificada.

Isso sem contar a suspensão de operações externas, incluindo fiscalização e investigações de crimes tributários e sonegação de impostos. Tudo para se adequar ao pedido, que chegou apenas no mês de setembro, de corte de cerca de 25 por cento no orçamento de 2013.

Segundo o presidente interino do sindicato dos funcionários do BC (Sinal), Eduardo Stalin Silva, os cortes no órgão foram mais drásticos porque a autoridade monetária tinha que dar exemplo de austeridade fiscal.

Em nota, o BC disse que os cortes afetaram serviços como limpeza, transporte, comunicação, entre outros, "mas não redundaram em prejuízos às atividades finalísticas da instituição.


Medidas semelhantes, no entanto, chegaram a outros órgãos. Agentes da Polícia Federal, por exemplo, deixaram de receber antecipadamente as diárias para fazer diligências externas.

"Alguns arcaram com as despesas do próprio bolso", disse Luis Boudens, vice-presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef). "Mas alguns colegas foram punidos porque se recusaram a viajar." Ironicamente, um dos resultados dessa campanha foi a perda de receitas, segundo representantes dos funcionários.

"Apenas 60 por cento das operações previstas para o ano, incluindo de fiscalização, foram realizadas", disse o presidente nacional do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), Cláudio Damasceno. "É óbvio que houve perda de arrecadação." O Sindifisco calcula que só nas aduanas, o impacto do contingenciamento orçamentário propiciou aumento de 40 por cento na entrada ilegal no país de produtos estrangeiros em 2013 ante o ano anterior. E a Fenapef estima que o número de indiciamentos da Polícia Federal por peculato, concussão e crimes contra o sistema financeiro caíram pela metade em 2013.

A Receita Federal negou, em nota enviada à Reuters, que o corte nos gastos tenha prejudicado as atividades do órgão.

"A Receita Federal, apesar do contingenciamento de recursos imposto aos órgãos federais em 2013, operou dentro dos padrões de normalidade e tomou as necessárias providências para que não houvesse impactos no desempenho de suas atividades." A Polícia Federal não respondeu aos pedidos de comentários feitos pela Reuters.

Na CVM, o tempo médio de julgamento de processos sancionadores subiu no ano passado ao maior nível em quatro anos, segundo levantamento do escritório de advocacia Levy & Salomão.

Esse movimento contrasta com a evolução das despesas do governo com custeio (gastos correntes e salários), que subiram 20,2 por cento em 2013, maior percentual da série histórica que iniciou em 2007, para 188,6 bilhões de reais.


Com a virada do ano, algumas medidas de contenção foram suspensas. Outras, como suspensão de funcionários terceirizados e estagiários, foram mantidas. O temor dos sindicatos e federações de empregados dos órgãos e autarquias federais é que venha uma nova leva de cortes nos orçamentos este ano, uma vez que o governo federal já prometeu entregar um superávit primário maior que no ano passado.

Autonomia

Sem poder administrar seus próprios orçamentos, as autarquias tentam levar adiante iniciativas que lhes deem maior autonomia orçamentária para ao menos proteger planos de investimentos em treinamento e em melhora da tecnologia.

A CVM divulgou em dezembro um documento apontando necessidade de investimentos e de maior autonomia para lidar com o mercado de capitais, que deve dobrar de tamanho até 2023.

Entre outros itens, o órgão quer ficar com parte maior da sua arrecadação própria. Desde 2004, esse 'superávit' vai para o Tesouro, diz Maria Helena Santana, ex-presidente da autarquia.

"Como a CVM é financiada pelas taxas que cobra, esses recursos deveriam ser alocados para a atividade da autarquia, pois não são impostos", disse ela.

Em entrevista recente à Reuters, o presidente da CVM, Leonardo Pereira, disse que a autarquia não deixou de fazer nada fundamental por causa dos cortes.

Em paralelo, um projeto de lei mais amplo apresentado em setembro pelo senador Gim Argello (PTB-DF) prevê maior autonomia orçamentária para BC, CVM, Susep e Previc. A ideia é parte de uma proposta mais ampla que prevê a substituição do Conselho Monetário Nacional (CMN), formado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do BC, por um colegiado com 12 membros, incluindo presidentes da CVM, Susep e Previc.

Acompanhe tudo sobre:economia-brasileiraGovernoOrçamento federal

Mais de Economia

Presidente do Banco Central: fim da jornada 6x1 prejudica trabalhador e aumenta informalidade

Ministro do Trabalho defende fim da jornada 6x1 e diz que governo 'tem simpatia' pela proposta

Queda estrutural de juros depende de ‘choques positivos’ na política fiscal, afirma Campos Neto

Redução da jornada de trabalho para 4x3 pode custar R$ 115 bilhões ao ano à indústria, diz estudo