Economia

Opinião: Por que devemos abandonar o foco em PIB e crescimento

"Se um país corta e vende todas as suas árvores, ganha um impulso no PIB. Mas nada acontece se ele as preservar", diz professor sul-africano

Prédios refletidos em canal poluído de Recife (Dado Galdieri/Bloomberg)

Prédios refletidos em canal poluído de Recife (Dado Galdieri/Bloomberg)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 18 de junho de 2017 às 08h00.

Última atualização em 18 de junho de 2017 às 08h00.

Artigo de Lorenzo Fioramonti, professor de Economia Política na Universidade de Pretoria (África do Sul), onde dirige o Centro para Estudo da Inovação em Governança

A ideia de que o “bolo” econômico pode crescer indefinidamente é sedutora. Significa que todos podem ter um pedaço sem precisar limitar a ganância de ninguém.

A desigualdade fora de controle se torna então socialmente aceitável, porque esperamos que o crescimento econômico eventualmente deixe todos em uma situação melhor.

Em meu novo livro “Wellbeing Economy: Success in a World Without Growth” ["A Economia do Bem-Estar: Sucesso em um Mundo sem Crescimento", em tradução livre] eu aponto que a regra de “crescer primeiro” dominou o mundo desde o início do século XX.

Nenhuma outra ideologia foi tão poderosa: a obsessão pelo crescimento atravessou tanto sociedades capitalistas quanto socialistas.

Mas o que exatamente é o crescimento? Estranhamente, esta noção nunca foi desenvolvida de forma razoável.

Para o senso comum, há crescimento quando – todo o resto mantido constante – nossa riqueza geral aumenta. O crescimento acontece quando geramos valor que não estava lá antes: por exemplo, ao educar as crianças, melhorar nossa saúde ou preparar alimentos. Uma pessoa mais saudável, educada e bem nutrida é certamente um exemplo de crescimento.

Se qualquer destas atividades gerar alguns custos, para nós individualmente ou para a sociedade, o deduzimos do valor criado. Por essa abordagem lógica, o crescimento equivale a todos os ganhos menos todos os custos.

De forma paradoxal, nosso modelo de crescimento econômico faz exatamente o oposto do que o senso comum sugere.

Valores negativos do crescimento

Aqui vão alguns exemplos. Se eu vendo meu rim por algum dinheiro, então a economia cresce. Mas se eu educo meus filhos, preparo alimentos e cozinho para minha comunidade, melhorando as condições de saúde do meu povo, o crescimento não acontece.

Se um país corta e vende todas as suas árvores, ganha um impulso no Produto Interno Bruto (PIB). Mas nada acontece se ele as preservar.

Se um país preserva espaços abertos como parques e reservas naturais para o benefício de todos, ele não vê essa melhora no bem-estar humano e ecológico refletida em sua performance econômica.

Mas se os privatiza, comercializando os recursos presentes e cobrando taxas dos usuários, então o crescimento acontece.

Preservar nossa infraestrutura, a tornando durável, de longo prazo e gratuita adiciona zero ou apenas marginalmente para o crescimento.

Destruir, reconstruir e fazer com que as pessoas paguem para usá-la, por sua vez, é um impulso para a economia do crescimento.

Deixar as pessoas saudáveis não tem valor. Deixá-las doente tem. Um sistema de saúde público efetivo e de prevenção está aquém do ideal para o crescimento: é melhor ter um sistema altamente desigual e disfuncional como o americano, que responde por quase 20% do PIB do país.

Guerras, conflitos, crimes e corrupção são amigos do crescimento no sentido de que forçam as sociedades a construir e comprar armas, instalar travas de segurança e aumentar o valor que o governo paga em contratos.

O terremoto em Fukushima, assim como o derramamento de óleo da Deepwater Horizon, foram maná para o crescimento, pois exigiram gastos imensos para limpar a bagunça e reconstruir o que foi destruído.

Crescimento desaparecendo

Diante desta descrição sombria, você pode se perguntar: onde estão as boas notícias? Então, a boa notícia é que o crescimento está desaparecendo, querendo ou não. As economias estão tropeçando adiante.

Até a China, a locomotiva global, está ficando sem vapor. E o consumo atingiu limites no chamado mundo desenvolvido, com menos compradores para as commodities e bens exportados pelos países em desenvolvimento.

A energia está se esgotando, particularmente os combustíveis fósseis, e mesmo se as fontes poluentes fossem infinitas – como sugerem alguns apoiadores do gás de xisto – os acordos globais de combate às mudanças climáticas nos exigem que as eliminemos logo.

Como consequência, mitigar a mudança climática força a produção industrial a se contrair, limitando o crescimento ainda mais.

O que isso significa é que, por um lado, o crescimento está desaparecendo devido a uma contração sistemática da economia global. Por outro, o futuro do clima (e de todos nós neste planeta) torna o retorno do crescimento, ou pelo menos da abordagem convencional do crescimento econômico liderado pela indústria, social e politicamente inaceitável.

Janela de oportunidade para mudança

Até o Fundo Monetário Internacional (FMI) e economistas neoliberais do mainstream como Larry Summers concordam que a economia global está entrando em uma “estagnação secular”, que pode muito bem ser a característica dominante do século XXI.

Esta é uma perspectiva desastrosa para nossas economias, que foram desenhadas para crescer ou perecer. Mas também é uma janela de oportunidade para mudança. Com o desaparecimento do crescimento como bala de prata para o sucesso, líderes políticos e suas sociedades precisam desesperadamente de uma nova visão: uma nova narrativa para se engajar com um futuro incerto.

No meu novo livro, eu argumento que na medida em que reconhecemos a loucura por trás do crescimento, começamos a explorar novos caminhos. Eles incluem: formas de negócios que reconciliam as necessidades humanas com o equilíbrio natural; processos de produção que emancipam as pessoas do seu papel passivo como consumidores; sistemas de organização social no nível local que reconectam indivíduos com suas comunidades e ecossistemas enquanto permitem que eles participem em uma rede global de geradores de mudança ativos.

É a isso que eu chamo de “economia do bem-estar”. Nesta economia do bem-estar, o desenvolvimento está não na exploração de recursos naturais e humanos, mas na melhora da qualidade e da efetividade das interações de humanos para humanos e de humanos para ecossistemas, apoiadas pelas tecnologias apropriadas para permitir isso.

Vidas satisfatórias

Décadas de pesquisas baseadas na avaliação pessoal de vidas, dinâmicas psicológicas, registros médicos e sistemas biológicos produziram uma quantidade considerável de conhecimento sobre o que contribui para vidas longas e satisfatórias.

A conclusão é: um ambiente social e natural saudável. Como animais sociais, nós prosperamos graças à qualidade e interconectividade com amigos e família, e também com nossos ecossistemas. Mas claro, a busca pelo bem-estar é, no final das contas, algo pessoal.

Só você pode decidir o que é. E é precisamente por isso que acredito que um sistema econômico deve empoderar as pessoas para escolher por si mesmas. Ao contrário do mantra do crescimento, que padronizou o desenvolvimento ao redor do mundo, acredito que uma economia que aspira alcançar o bem-estar deve ser desenhada por aqueles que vivem nela, de acordo com suas razões e valores.

Traduzido por João Pedro Caleiro com permissão do autor

Acompanhe tudo sobre:Crescimento econômicoMeio ambienteMudanças climáticasPIB

Mais de Economia

Tesouro adia para 15 de janeiro resultado das contas de novembro

Câmara apresenta justificativa sobre emendas e reitera que Câmara seguiu pareceres do governo

Análise: Inflação preocupa e mercado já espera IPCA de 5% em 2025

Salário mínimo 2025: por que o valor será menor com a mudança de regra