Big Ben, o relógio ao lado do parlamento britânico, em Londres, dia 09/06/2017 (Clodagh Kilcoyne/Reuters)
João Pedro Caleiro
Publicado em 16 de julho de 2017 às 08h00.
Última atualização em 16 de julho de 2017 às 08h00.
Artigo de Alexander Tziamalis, professor associado de Economia na Universidade Sheffield Hallam
O Reino Unido não é o primeiro país a ficar à beira de sair da União Europeia.
Ele pode até desfrutar de uma economia maior e mais produtiva do que a da Grécia, mas há semelhanças estruturais alarmantes entre as duas economias e que não podem ser ignoradas.
Assim como a ameaça do Grexit, a previsão é que o Brexit prejudique a economia britânica.
E agora, após uma eleição inconclusiva que enfraqueceu a habilidade do governo de governar, outra semelhança com a problemática Grécia foi adicionada. E ela é crítica.
O chanceler Philip Hammond insiste que a economia britânica é “resiliente”. Mas olhe mais de perto e você verá semelhanças impressionantes com a Grécia, um país duramente atingido por uma recessão.
Ambas usufruíram de uma prosperidade movida a dívida. A dívida governamental britânica cresceu ainda mais agressivamente do que a sua equivalente grega.
Governos sucessivos na Grécia rodaram em déficit por muitos anos. Estavam comprometidos com serviços públicos como saúde e educação gratuitas. Ambos os países mantém um exército caro, um serviço civil amplo e gastaram bilhões para sediar os Jogos Olímpicos.
O governo grego recentemente deu conta de controlar seu déficit e atualmente apresenta um superávit estrutural em seu Orçamento. O Reino Unido ainda está esperando.
Ambos os países viram o declínio da sua indústria nos anos 80, o que levou a uma maior dependência do setor de serviços para o emprego e as receitas tributárias. No Reino Unido, o setor de serviços hoje responde por 78% do PIB; na Grécia, é 85%.
As partes centrais para a economia grega são turismo, setor financeiro e setor imobiliário. É praticamente igual para o Reino Unido, apenas em outra ordem.
Os dois países também compartilham de uma cultura de “casa própria” impulsionada por dinheiro barato, o que tornou o mercado imobiliário central para ambos.
As flutuações agudas causadas por crises financeiras deixaram claros os ricos associados às bolhas nos preços de ativos, mas esta cultura também torna a força de trabalho menos móvel e menos suscetível ao retreinamento, contribuindo para uma ampla falta de habilidades no Reino Unido.
O Reino Unido está em uma situação precária ao iniciar as negociações do Brexit com a União Europeia.
No momento, o Brexit significa apenas incerteza no mundo dos negócios, e incerteza é uma ameaça direta à indústria mais lucrativa do país: o setor financeiro.
O perigo é que uma parte dessa indústria seja encorajada (ou até pressionada) pelos antigos parceiros europeus a migrar para cidades financeiras competidoras como Dublin, Paris e Frankfurt.
Também está em risco o papel britânico de porta de entrada para centenas de bilhões de euros de investimento estrangeiro direto na UE, uma área particularmente afluente com a força de 500 milhões de pessoas.
E da mesma forma que os governos da Grécia no início do drama grego estavam amarrados às decisões do Banco Central Europeu, os governos britânicos estão de mãos atadas. A política monetária fez basicamente tudo o que podia.
A queda da libra e a alta da inflação que se seguiram ao referendo do Brexit tornam improdutiva uma desvalorização da libra.
Essa desvalorização iria prejudicar ainda mais o consumo e a renda disponível dos consumidores, e soaria como um grito de socorro para investidores sensíveis.
As taxas de juros já chegaram ao fundo do poço e uma redução extra teria pouco efeito. E a política fiscal? Afinal, a dívida nacional do Reino Unido está no que parecem ser irrisórios 88% do PIB comparados com 181% da Grécia.
Talvez o Reino Unido possa financiar investimentos, turbinar o consumo e financiar seu caminho para longe da incerteza do Brexit e da recessão iminente? A Grécia tentou isso entre 2004 e 2009. Quase uma década depois, as dívidas acumuladas daquela era mantém a Grécia em um coma econômico.
E há mais razões pelas quais usar a política fiscal seria perigoso para o Reino Unido.
Se o país quisesse criar mais dívida, atualmente em 1,7 trilhão de libras, os mercados internacionais de dinheiro veriam o Reino Unido tropeçando nas conversas do Brexit em um momento de fragilidade política enquanto pedem por altas quantias de dinheiro para se refinanciar e ainda manter a política fiscal. Para compensar pelo risco, os investidores procurariam taxas de juros mais altas.
As dívidas então ficariam mais caras para rolar, minando o impacto de qualquer política fiscal exuberante e justificando ainda mais uma visão cética do Reino Unido pelos mercados financeiros. A Grécia o dirá como isso termina se você avalia errado o equilíbrio.
No fundo de tudo isso está a final e talvez mais crucial semelhança. As eleições no Reino Unido no dia 8 de junho entregaram um governo paralisado.
Uma maioria estreita e a heterogeneidade de qualquer governo de coalizão significarão um governo que não pode se mover nem para a direita nem para a esquerda, nem para frente nem para trás sem perder um precioso apoio e provavelmente colapsar.
Os governos gregos da década anterior à crise que atingiu o país são o exemplo perfeito de como o medo do custo politico pode levar a uma desastrosa falta de ação na economia.
Além de desafios estruturais profundos, produtividade baixa e uma montanha de dívida a ser paga, o Reino Unido agora ainda enfrenta a perspectiva de um acordo ruim com a UE, expectativas negativas dos negócios, opções de política monetária e fiscal esgotadas e ameaças graves para seu lucrativo setor financeiro.
Mesmo uma decisão decisiva e efetiva de um governo britânico com um mandato claro acharia difícil conduzir a economia para longe de um caminho perigoso.
Para o governo paralisado e ineficaz que surgiu das últimas eleições britânicas, a tarefa pode se provar impossível: a confiança pública vai minguar e a confiança do mercado vai afundar.
A Grécia nos ensinou a não navegar em direção a ventos contrários se pudermos evitar. A perspectiva de novas eleições pode não parecer palatável, mas certamente supera confiar o futuro de uma geração ou mais para um governo que mal merece esse nome.
Traduzido por João Pedro Caleiro com permissão do autor