Economia

OPINIÃO: O impacto da política monetária na inflação

Em artigo, Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter, trata do dilema da eficácia da política monetária no Brasil em um cenário de expansão fiscal

Distribuidora de gás de cozinha: choques de oferta em alimentos e energia têm elevado a inflação de maneira persistente e cumulativa (Pedro Ventura/agencia brasilia/Divulgação)

Distribuidora de gás de cozinha: choques de oferta em alimentos e energia têm elevado a inflação de maneira persistente e cumulativa (Pedro Ventura/agencia brasilia/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 7 de maio de 2022 às 12h00.

Por Rafaela Vitória

Após uma elevação de quase 10 pontos percentuais na taxa Selic, a inflação ainda está em alta no Brasil. O aperto significativo na política monetária ainda não teve efeito na economia e as expectativas de inflação futura também permanecem desancoradas.

A defasagem dos efeitos parece ser maior que o esperado e os mercados tendem a reagir a dados econômicos e fundamentos, mas muitas vezes também são influenciados pela confiança, ou pela falta dela.

A política monetária no Brasil passou por várias mudanças nos últimos anos. O último aperto monetário foi iniciado em 2013 e foi um dos mais longos. A taxa Selic chegou a 14,25% em julho de 2015 e somente em outubro de 2016 o Banco Central iniciou o processo de normalização.

A inflação, que teve seu pico em 12 meses em 10,7% em janeiro de 2016, teve rápida desaceleração para 4,5% até março de 2017, e a taxa Selic foi reduzida ao nível próximo de neutro de 6,5% em 2018. Também observamos a partir daí um longo ciclo de taxas baixas, chegando na mínima de 2% após o choque deflacionário e a forte recessão resultado da paralização de diversos setores no início da pandemia.

Mas desde o primeiro choque da pandemia, a retomada das atividades e o comportamento da inflação global permanecem bastante imprevisíveis. Sim, nunca os economistas erraram tanto. Uma das surpresas aqui no Brasil tem sido o pouco efeito do aperto monetário na inflação, incluindo as expectativas.

Parte da explicação está nos sucessivos choques de oferta, que além de imprevisíveis, como a Guerra na Ucrânia reduzindo a oferta de grãos, fertilizantes e petróleo e gás, resultam em reajustes de preços que não respondem à política monetária. O acúmulo dos choques, vem elevando a inflação de maneira persistente e cumulativa. Nos últimos 24 meses, o índice de commodities global, segue em tendência de alta e acumula quase 200%.

Somado à inflação de bens, causada pelos sucessivos choques de oferta em alimentos e energia, a retomada dos setores de serviços em diferentes estágios também vem prolongando os reajustes e resultando em contaminação maior que o esperado pelos choques, mesmo em meio ao aperto monetário em curso.

Por sua vez, a persistência da inflação vem ampliando a falta de confiança do mercado na convergência para a meta, mesmo no prazo relevante da política monetária. Ainda que considerando a defasagem do impacto das elevações da Selic, já era esperado alguma retração da inflação nesse momento, o que não ocorreu.

A elevada dose do aperto, vindo agora de um Banco Central independente, ainda não resultou em impacto significativo nas expectativas de inflação. No mercado de juros, os títulos longos precificam taxas de 12% e inflação implícita está próxima de 6% pelos próximos 5 anos.

O que pode explicar essa falta de confiança do mercado na capacidade do Banco Central de trazer a inflação para a meta no médio e longo prazo? A inflação corrente mais alta tende a contaminar boa parte dos modelos, considerando nosso histórico de inércia inflacionária com uma economia ainda bastante indexada.

Expansão fiscal

Mas existe também uma desconfiança na condução da políticas fiscal, que explicam os juros de mercado nesse patamar. Tomando nosso passado recente, o custo de uma expansão fiscal descontrolada são juros mais elevados.

Apesar de o governo ter entregue o maior ajuste fiscal dos últimos 30 anos, saindo de um déficit de 9% em 2020 par um superavit de 1,4% hoje, acumulado em 12 meses, em ano eleitoral, as discussões e propostas de aumentos de gastos e medidas com viés populista deterioram a confiança dos agentes econômicos na trajetória futura da dívida, e os investidores acabam exigindo mais juros e esperando que o ajuste fiscal virá via inflação.

Como reverter o quadro atual? O Banco Central vai entregar um aperto monetário bem maior do que esperado. O ajuste que começou como parcial, passou para neutro, e agora vai para território bastante contracionista, deve perdurar por um bom tempo. Com a defasagem ainda que maior, a convergência deve seguir em um prazo mais longo do que se esperava.

O debate sobre a política econômica precisa estar ancorado na responsabilidade fiscal, e a partir daí embasar as propostas de novas políticas para promover o crescimento e bem-estar social. A política monetária terá mais potência caso a credibilidade na condução da consolidação fiscal seja maior. É preciso resgatar a confiança para que as expectativas de inflação passem a refletir o cenário de aperto monetário e fiscal já dado.

Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter

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