Economia

O que une o Uber e o Airbnb

The Upstarts: How Uber, Airbnb and the Killer Companies of the New Silicon Valley Are Changing the World Autor: Brad Stone Editora: Little, Brown and Company Páginas: 384 ——————— David Cohen A vida não está fácil para o Uber por esses dias. Em um encontro com dezenas de funcionários, na terça-feira dia 21, seu executivo-chefe, Travis […]

KALANICK, DO UBER: a companhia sofre reveses do balanço financeira à vida pessoal do fundador  /  (Danish Siddiqui/Reuters)

KALANICK, DO UBER: a companhia sofre reveses do balanço financeira à vida pessoal do fundador / (Danish Siddiqui/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 24 de fevereiro de 2017 às 22h40.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h33.

The Upstarts: How Uber, Airbnb and the Killer
Companies of the New Silicon Valley Are Changing the World
Autor: Brad Stone
Editora: Little, Brown and Company
Páginas: 384

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David Cohen

A vida não está fácil para o Uber por esses dias. Em um encontro com dezenas de funcionários, na terça-feira dia 21, seu executivo-chefe, Travis Kalanick, que fundou a empresa com o amigo Garrett Camp em 2008, ficou com os olhos marejados algumas vezes ao pedir desculpas por uma cultura tida como agressiva, machista, arrogante e insensível. A reunião com funcionários foi uma resposta a um texto publicado por uma ex-funcionária, Susan J. Fowler, em seu blog pessoal, em que ela reflete sobre “um ano muito, muito estranho” que passou no Uber, como engenheira.

No post, Susan narra que seu gerente lhe mandou mensagens sugerindo que se tornassem amantes. Ela reportou o assédio ao departamento de recursos humanos, que não fez nada porque “era o primeiro deslize” de um funcionário de alto desempenho e ainda sugeriu que ela trocasse de projeto. Nos meses seguintes, Susan diz ter encontrado mais mulheres dentro do Uber com queixas semelhantes, o que evidenciava que aquele não teria sido o primeiro “deslize”, nem o último. O acúmulo de queixas acabou levando à demissão do tal gerente, mas Susan foi bloqueada em uma promoção e também decidiu partir para outro emprego. Ela deixou o Uber em dezembro passado.

Além do assédio sexual, Susan descreveu em seu blog uma cultura em que a competição exacerbada fazia gerentes esconderem informações de seus chefes, projetos eram abandonados a torto e a direito e ninguém sabia dizer quais as prioridades da organização. Se suas constantes reclamações ao RH não surtiram efeito enquanto estava no Uber, o relato público causou um rebuliço e tanto. Além do encontro com funcionários, Kalanick abriu uma investigação interna sobre as acusações, a ser dirigida pela jornalista e empresária Arianna Huffington, que é membro do conselho de administração do Uber, e pelo ex-procurador geral dos Estados Unidos Eric Holder. Num gesto inédito, ele também abriu informações sobre a empresa: por exemplo, que o Uber tem cerca de 15% de mulheres em cargos técnicos e gerenciais, um índice baixo mas que, segundo ele, tem permanecido estável.

Não é que o Uber já não tivesse fama de machista e arrogante – como aliás a maior parte das startups do Vale do Silício, que compartilham a acusação de promover uma cultura bro-y (“dos manos”).

Também não é que o exemplo não viesse do topo. Kalanick é famoso por promover festas para os empregados que vão até de madrugada. Seu estilo sempre foi de partir para o confronto, tanto interna quanto externamente, e estimular a concorrência entre funcionários. Declarações machistas sem freios também fazem parte do seu histórico. Em 2014, afirmou em entrevista à revista GQ que a empresa o fizera ter muito mais sucesso com as mulheres, por isso ele a chamava de “Boob-er” (boob é uma gíria para seios).

Mesmo com tantos indícios, até a publicação do texto de Susan não se tinha a dimensão de quão arraigada e disseminada era essa cultura no Uber. Uma subsequente reportagem do The New York Times levantou alguns outros exageros, como o caso de um gerente que apalpou os seios de funcionárias durante uma convenção em Las Vegas (ele foi demitido), um diretor que gritou impropérios homofóbicos a um subordinado durante uma discussão, um outro gerente que ameaçou bater num funcionário com desempenho fraco com um taco de beisebol.

A mudança de postura da direção do Uber tem a ver com o crescimento da companhia: atualmente com 11.000 empregados (fora os motoristas, que são considerados “contratantes do serviço”), a empresa percebe que precisa assumir características de uma grande organização, com RH estruturado e políticas mais “civilizadas”.

Essa transformação não tem sido suave. No mês passado, mais de 200 000 usuários apagaram os aplicativos do Uber de seus celulares em oposição ao apoio de Kalanick ao governo Trump, especialmente depois da medida governamental que restringiu a entrada de refugiados estrangeiros no país. (Kalanick disse que se opunha à medida, mas que permaneceria no conselho consultivo do presidente para negócios; a pressão o fez mudar de ideia e renunciar ao posto).

Como se não bastasse, a empresa Waymo, a unidade de carros autônomos da holding Alphabet (que controla o Google), iniciou um processo contra o Uber por suposto roubo de segredos industriais e desrespeito a patentes. Isso apesar de a Alphabet ser um dos investidores do Uber.

O conflito começou quando o Uber decidiu desenvolver seus próprios carros autônomos – temendo que o Google no futuro decida entrar em seu mercado de transportar pessoas. Para isso comprou em 2016 a startup Otto, fundada por Anthony Levandowsky, ex-engenheiro do Google. A Waymo acusa Levandowsky e dois colegas de ter roubado milhares de arquivos com a intenção de replicar o projeto.

O “novo Vale do Silício”

Toda essa controversa cultura do Uber é razoavelmente esboçada, mas não aprofundada, no novo livro do jornalista Brad Stone, The Upstarts: How Uber, Airbnb and the Killer Companies of the New Silicon Valley Are Changing the World (“As novas estrelas: como Uber, Airbnb e as companhias matadoras do novo Vale do Silício estão mudando o mundo”, numa tradução livre).

Em seu primeiro livro, A Loja de Tudo, Stone fez um minucioso retrato da cultura da Amazon e da psicologia de seu fundador, Jeff Bezos. Desta vez, porém, talvez porque as empresas que aborda estejam ainda em sua infância, ele ressalta mais o aspecto empreendedor dos fundadores. Embora o Airbnb tenha uma fama mais amena que a do Uber, especialmente dado o seu marketing de promover o entendimento e a amizade entre estranhos, Stone aponta que as duas companhias são muito semelhantes em sua abordagem: ambas trabalham para promover uma ruptura nas estruturas estabelecidas – num caso, a indústria dos táxis, no outro a dos hotéis. As táticas acabam sendo parecidas, também.

Ambas são similares ainda porque representam um “novo Vale do Silício”. Este “novo vale” é cada vez mais habitado por unicórnios, empresas fechadas avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares de acordo com os investimentos feitos por fundos privados. O Uber é o unicórnio mais valioso, o Airbnb está em quarto na lista. Ambos são as estrelas da economia do compartilhamento.

Lições de empreendedorismo

O início das duas empresas oferece algumas lições interessantes para entender o funcionamento desse novo mundo do empreendedorismo. Vale a pena elencar algumas das características do sucesso das duas. A primeira delas, razoavelmente disseminada, é que uma grande ideia de produto em geral começa com uma experiência pessoal. A partir de um problema individual, um empreendedor imagina uma solução que, se tudo der certo, se revela uma solução coletiva – e um negócio lucrativo.

No caso do Uber, o site da empresa afirma que tudo começou numa noite em Paris, quando Kalanick e Camp pegaram um táxi com um motorista rabugento. Segundo Stone, essa história funciona porque une os dois sócios na origem da empresa, mas na verdade Camp teve a ideia sozinho, alguns meses antes. Ele tinha se mudado para São Francisco havia pouco tempo, depois de vender sua primeira startup, um site de buscas, para o eBay, por 75 milhões de dólares.

Como achava estressante dirigir em uma cidade grande e a cidade tem poucos táxis (a prefeitura limita o número de licenças), ele começou a usar os táxis “ciganos”: carros sem licença que ofereciam a corrida a transeuntes. Era um serviço informal, do qual as mulheres em especial não gostavam, pela falta de segurança. Camp então começou a colecionar os telefones dos motoristas que considerava melhores. E lembrou do filme Casino Royale, em que o agente secreto James Bond (interpretado por Daniel Craig) via por um mapa no celular onde estavam os carros e por onde devia seguir. Imaginou que haveria um serviço possível, e pensou até no nome que lhe daria: uber, do alemão über, que significa estar além, como se dizia que Gisele Bundchen era uma übermodel.

Curiosamente, o Uber nasceu como um serviço “classudo”. A ideia era oferecer a oportunidade de você chegar a um encontro de amigos a bordo de uma limousine com chofer, causando uma bela impressão. Não à toa, investidores acharam que esse conceito teria um mercado muito limitado – e daí vêm mais duas características de uma startup de sucesso: persistência e flexibilidade (que gerou um termo disseminado no Vale do Silício, “pivotagem”).

Persistência era a maior qualidade de Brian Chesky e Joe Gebbia, dois colegas de um curso de design que – também com base em dificuldades que viveram – tiveram a ideia de um serviço de compartilhamento de casas. No início, eles o chamaram de Airbed & Breakfast, um derivado dos serviços de cama e café da manhã de pensões. Em seu caso, bastava um colchão de ar (airbed), como a dizer que a hospedagem podia ser um arranjo simples, provisório. Hoje é fácil perceber que este é um negócio de bilhões de dólares, que ameaça a indústria dos hotéis, mas em seu início a ideia foi tida como ridícula. Por que alguém hospedaria um completo estranho em sua casa?

Chesky, Gebbia e seu outro sócio, o programador Nathan Blecharczyk, ouviram um não após o outro. Parte das dificuldades era que eles não faziam parte do circuito de empreendedorismo. Quando um amigo lhe contou que precisavam de investidores anjos (que dão o impulso inicial para uma ideia), Chesky achou que ele estivesse se referindo a anjos de verdade.

O que salvou sua empresa de morrer antes de nascer foi uma aceleradora de startups, a Y-Combinator. Paul Graham, um de seus fundadores, estava prestes a descartá-los, quando Gebbia lhe contou de uma promoção desesperada que haviam feito, confeccionando cereais com slogans sobre Barack Obama e John McCain, então concorrentes à presidência, para incentivar aluguéis durante o período das convenções partidárias. A ideia era tão incomum (ridícula, mesmo), ainda mais acompanhada de jingles sobre os dois tipos de cereais, que chamou a atenção de alguns jornais e lhes trouxe publicidade.

Aceitos na aceleradora, os sócios conseguiram mentores e financiamento.

Pivotar até acertar

De nada adianta resistir se essa capacidade não for combinada com a flexibilidade. A ideia de “pivotar” é que, ante um obstáculo intransponível, o empreendedor deve saber girar sobre o próprio eixo e mudar de direção. O Uber fez isso duas vezes. Em 2012, quando um concorrente, Hailo, desenvolveu um aplicativo para melhorar o serviço dos táxis (permitindo chamá-los pelo celular e ver o tempo de espera, entre outras coisas), Kalanick “pivotou”.

Em vez de ser über, chique – e mais caro –, decidiu ser immer: sempre. “O luxo do Uber tem a ver com tempo e conveniência, não com o carro”, definiu. No mesmo ano, duas empresas começaram o serviço que definiam como carona: motoristas sem licença profissional ofereceriam as corridas. Kalanick achou que elas seriam barradas. Mas elas conseguiram um acordo para funcionar em São Francisco. Então, em janeiro de 2013, o Uber pivotou de novo. Passou a atrair motoristas não profissionais.

O ponto básico é como encarar o Uber e o Airbnb. Elas dizem ser apenas facilitadoras de uma prestação de serviço entre duas pontas de sua plataforma: motorista e passageiro, num caso, proprietário e locatário, no outro.

Isso ficaria mais claro se os motoristas tivessem outros empregos e fizessem corridas apenas de vez em quando. De fato, a empresa afirma que 60% dos motoristas dirigem para o Uber menos de dez horas por semana. O grosso da receita, porém, vem dos motoristas que trabalham mais, bem mais. Alguns, especialmente imigrantes, trabalham acima de 12 horas por dia para conseguir sustentar suas famílias.

No caso do Airbnb, diz Stone, 37% da receita de Nova York vinha de apenas 6% dos locadores. Não parece muito com a ideia de receber estranhos na sua casa, está mais para um serviço que permite a proprietários de múltiplos apartamentos transformar-se numa espécie de hotel – sem pagar as taxas nem se submeter às regulamentações usuais.

É impossível dizer se as duas empresas vão conseguir prosperar nos próximos anos dada a brutal quantidade de desafios – tanto regulatórios como de uma crescente concorrência. O que se pode dizer com certeza é que tanto o Airbnb quanto o Uber têm feito uma viagem e tanto.

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