Pessoas usam máscara para se proteger do Coronavírus. Japão, Tokyo. 02 de fevereiro de 2020. (Tomohiro Ohsumi/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 3 de fevereiro de 2020 às 14h19.
Última atualização em 3 de fevereiro de 2020 às 15h58.
São Paulo — A economia global, que já vivia estagnação e tensões comerciais, começou 2020 com uma nova ameaça: o Coronavírus, que matou 362 pessoas e contaminou 17 mil em 20 países até agora.
O Brasil não tem nenhum caso confirmado, mas também sofre as consequências. O Ibovespa teve em janeiro sua maior queda mensal em 11 meses e o dólar chegou a atingir R$ 4,26, recorde histórico.
O problema se espalha rápido porque a doença tem seu epicentro na China, o país mais populoso do mundo, o maior exportador e a segundo maior economia do planeta.
"Quando o estouro é em um país como a China, isso representa uma ameaça global maior porque o país é mais rico e viaja mais do que, digamos, a África subsaariana ou o sul da Ásia", escreve Ian Bremmer, presidente da consultoria Eurasia, em carta enviada hoje a clientes.
Nesta segunda-feira, a China reabriu sua bolsa após o feriado de Ano Novo Lunar, estendido até o dia 23, com a maior queda diária em mais de quatro anos.
O índice CSI300, com as maiores companhias listadas em Xangai e Shenzhen, recuou quase 8% mesmo após o banco central chinês injetar a maior quantia no sistema financeiro desde 2004 (US$ 175 bilhões).
Por aqui, a bolsa brasileira operava em alta de mais de 1% no começo da tarde, indicando uma menor aversão ao risco.
"A China digeriu tudo de ruim que aconteceu enquanto ela estava fora de combate. Já as bolsas ocidentais, que já haviam precificado tudo de pior, hoje reagem positivamente às medidas anunciadas. China cai quase 8%, mas o Ocidente "não ligou" para isso", diz um relatório da corretora Rico.
De acordo com economistas e analistas de mercado, a experiência prévia com epidemias similares como a Sars mostra que a ameaça deve ser temporária, mas não sem deixar estragos.
A preocupação afeta desde marcas de luxo europeias, que temem a ausência dos endinheirados chineses em sua temporada, até termos da aplicação do recém-firmado acordo comercial EUA-China.
Os relatos são de que partes da China estão como cidades-fantasmas, o que pode iniciar a maior experiência de trabalho remoto em massa do mundo.
A agência de classificação de risco S&P estima que se o consumo — que, em 2019, contribuiu com 3,5 pontos da expansão de 6,1% do PIB — encolher 10%, a China poderá perder 1,2 ponto em crescimento.
A Arábia Saudita já pressiona por um drástico corte na produção de petróleo devido à queda da demanda pelos chineses, segundo autoridades da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).
"Estamos vendo fabricantes de carro no Japão e Coreia do Sul preparando medidas de 'força maior' já que não recebem partes de carro da China. Firmas de logística de aviação também estão planejando interromper voos de/para China a partir da semana que vem, e escassez de bens manufaturados estão começando a aparecer na Ásia de forma mais ampla", escreve Bremmer.
No Brasil, o impacto mais direto tem sido em atrasos nas exportações para a China, maior parceiro comercial do país.
Confirmando as expectativas do mercado, que já esperava impacto dos efeitos da epidemia nas trocas comerciais do Brasil com o país asiático, a balança comercial brasileira registrou em janeiro um déficit de US$ 1,745 bilhão de dólares, o primeiro no vermelho para o período desde janeiro de 2015.
Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, a tendência é que haja um impacto localizado mais intensamente nos primeiros três meses do ano e que isso se normalize no segundo trimestre. "No ano, esse efeito pode ser de até US$ 3 bilhões, porque parte do que se paralisou voltaria ao normal nos próximos meses", diz.
Na sexta-feira (31), o presidente Jair Bolsonaro estimou, após se reunir com ministros, que as exportações brasileiros sofram um impacto negativo de 3% por causa da epidemia.
Na mesma semana, o secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Marcos Troyjo, disse em evento no Rio que ainda não houve prejuízo aos exportadores.
A tensão do Coronavirus também ajudou a elevar para 80% a aposta de um corte de 0,25 ponto percentual na Selic na primeira reunião do Copom no ano, que ocorre nesta quarta-feira (05).
Para Sérgio Vale, porém, a política monetária só seria afetada de forma significativa se o cenário piorasse muito, o que ainda não ocorre.
"A depreciação do câmbio é temporária, sem impactos na inflação e, portanto, sem mudanças para o Banco Central", diz.
A MB nota que a previsão para o corte já vinha crescendo, mas devido à piora no nível de atividade da economia registrada no final do ano passado.